Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Fabio Diamante

CHIPKEVITCH vs. MÍDIA

“?Não sou pedófilo?”, copyright O Estado de S. Paulo, 29/03/03

“Ele está preso há um ano e oito dias e foi condenado a 124 anos de prisão por crimes sexuais. O médico Eugênio Chipkevitch, que faz 49 anos no dia 26 de abril, nunca falou sobre as acusações de sedar e molestar pacientes, todos adolescentes – nem na polícia, nem perante um juiz. Manteve-se calado até quinta-feira. Nesse dia, falou sobre tudo. Numa sala no 2.? andar do 13.? Distrito Policial, na Casa Verde, o médico recebeu o Estado para uma entrevista gravada que durou quase duas horas. ?Eu não sou pedófilo. Coisa que eu te confesso aqui e agora. Não sou pedófilo por uma definição científica do que é pedofilia?, disse o médico, que tinha nas mãos um livro sobre doenças psiquiátricas.

Vestido com uma camisa azul, calça bege e tênis, Chipkevitch, referência no tratamento de adolescentes, falou sobre as imagens em que aparece, segundo o Judiciário, abusando sexualmente de pacientes. O médico diz que fazia, na verdade, pesquisas científicas sobre a sexualidade dos jovens. ?Na minha visão, não ocorreu abuso sexual. Posso admitir infrações éticas no sentido de orientar o paciente que ele seria submetido a um exame, o que significava aquele exame, para que servia.?

Chipkevitch fez revelações. Afirmou ser bissexual desde os 27 anos. Fez críticas à polícia, ao Judiciário e à mídia, a quem acusa de ter incitado até seu assassinato. Chorou ao falar do filho de 10 anos. O menino, que esconde o sobrenome por orientação do próprio pai, costuma visitá-lo freqüentemente na cadeia, onde o médico divide uma cela de 16 metros quadrados com outros seis detentos de curso superior. ?Eu pedi perdão a ele. Perdão por tudo o que está acontecendo na vida dele por minha causa.?

Estado – O que o senhor diz sobre as acusações?

Eugênio Chipkevitch – Existe um fato, que são as fitas, onde há imagens que não podem ser negadas e elas existem. O que veio no momento seguinte ao que essas fitas foram parar numa emissora de TV foi a interpretação que aquelas imagens receberam na mídia, o que levou a um linchamento, a um assassinato moral da minha pessoa em questão de minutos, em cadeia nacional, me impossibilitou qualquer defesa que pudesse levar a público o significado dessas imagens.

Estado – Eu queria que o senhor respondesse diretamente sobre a acusação. O senhor sabe das imagens, algumas são bem claras, outras não são….

Chipkevitch – O que aparece em todas as fitas são gravações de procedimentos médicos, vários. Predominantemente, um deles que eu posso descrever: a aplicação de um relaxante muscular, cujo nome químico é Midasolan, nome comercial, Dormonide, e cujo objetivo era induzir a um relaxamento muscular necessário para o exame. Os pacientes eram exaustivamente informados. Cheguei a imprimir um folheto de orientação a respeito do problema de saúde que ensejava aquele exame. Eu te pediria até um exercício de imaginação: imagine que você não tenha a menor idéia de como se faz um exame ginecológico. Aí, sua namorada ou alguém que você conhece vai e você vê depois uma gravação do exame ginecológico feito. E junto com essa gravação você tem uma pessoa interpretando, dizendo que acabaram de abusar daquela mulher. Olha, o médico apalpou durante cinco minutos o seio de maneira lasciva ou ele demorou com o dedo na vagina mais tempo que deveria. Isso é abuso sexual! Eu estou te dando esse exemplo que me ocorre agora para dizer de um exame, extremamente raro e extravagante que eu estava tentando estudar e padronizar no sentido de buscar uma solução para uma doença. Muitos médicos não conhecem esse procedimento, muito menos a mídia e muito menos a polícia. E quem interpretou as imagens em minutos foi, primeiro a mídia, em seguida o Ministério Público e a polícia. Fui transformado de cientista renomado internacionalmente em um monstro.

Estado – O senhor está me dizendo que em nenhum momento praticou qualquer violência sexual ?

Chipkevitch – Vamos entrar no mérito. Um dos procedimentos que eu gravava era um exame chamado termografia escrotal, uma medida de temperatura do escroto, um tipo de técnica que se propôs na década de 70 nos EUA para estudo de varicocele, um tipo de varizes no escroto, que surge na puberdade, a partir dos 13, 14, 15 anos, em cerca de 20% dos meninos, e continua pela vida adulta. A varicocele é a maior responsável pela esterilidade masculina. O grande dilema é: qual o momento ideal de operar a varicocele para prevenir a infertilidade? Sabe-se que na idade adulta é tarde. Metade dos casos não se recupera. Na adolescência, muitos médicos acham que é cedo e só 20% vão ficar estéreis. Mas como eu identifico os 20% que estão caminhado para a infertilidade? Esse era o enfoque. Percebi que induzindo o relaxamento eu tornava o exame mais confiável. Daí veio o Dormonide, não no sentido de induzir uma sedação, mas um relaxamento. Ele reduz a ansiedade, constrangimento, tudo isso. No decorrer da pesquisa, fui percebendo manifestações sobre a sexualidade desses meninos que eu interpretei como favorecidas pelo Dormonide. O medicamento, provavelmente, rebaixa a crítica, deixa o paciente mais à vontade, mais espontâneo. E eu fui percebendo algumas manifestações de sexualidade, porque o exame exige manipulação dos genitais. A partir daí, eu resolvi filmar para entrar no estudo da sexualidade.

Estado – Na fase policial e na Justiça o senhor se manteve calado. Não confessou, mas também não negou os crimes. Em algum momento dessa sua pesquisa ocorreram abusos sexuais?

Chipkevitch – Como te falei, é uma interpretação delicada. Na minha visão, não ocorreu abuso sexual. Posso admitir infrações éticas, no sentido de orientar o paciente que ele seria submetido a um exame, o que significava aquele exame, para que ele servia. As pessoas que assistiram a algumas imagens, talvez um pouco mais fortes de manipulação de genitais, de manifestações próprias dos adolescentes, podem interpretar como abuso sexual, sim.

Estado – E não eram?

Chipkevitch – Eu não interpreto como. Era uma pesquisa, admito que extravagante. Admito ter cometido infrações éticas, que podem estar no código de ética médica, no sentido de não informar o paciente exatamente de tudo que vai ser feito, pedindo sua permissão. Os pais que ficavam na sala de espera estavam informados que seria aplicado um relaxante muscular que tem como efeito colateral uma sedação, lapsos de amnésia, que aquilo ia durar uma hora, uma hora e meia, e ele sairia meio zonzo. Não era informado que haveria uma filmagem. Essa é a infração que cometi. Admito que até pelo Estatuto da Criança e do Adolescente isso é um crime, mas o objetivo da filmagem não era pornográfico. Fazia parte de uma pesquisa da sexualidade dos adolescentes.

Estado – Não havia nenhum prazer do senhor em tocar nos adolescentes?

Chipkevitch – Não. Inclusive quem assistir às fitas com isenção não vai perceber, provavelmente, um gosto. É difícil, porque depende muito da interpretação da pessoa e de todo background que ela traz no momento em que vai assistir. O que a mídia fala, cenas chocantes… Se a mídia mostra uma cirurgia cardíaca, tem muita gente que sai da sala.

Estado – O senhor entende então que as pessoas se choquem com as imagens?

Chipkevitch – Algumas das cenas eu compreendo. Com certeza, compreendo.

Estado – Então, partindo desse princípio, como é que o senhor encara as acusações de ser um pedófilo?

Chipkevitch – Essencial essa pergunta. O que se entende pela palavra que você acabou de pronunciar, pedofilia? No Aurélio, no Houaiss, pedofilia é a atração sexual de um adulto por uma criança impúbere. (Ele mostra o livro) Se você for ler o DSM IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), a Bíblia da psiquiatria mundial, existe um capítulo aqui dentro que define cientificamente a pedofilia: prática ou desejos repetidos, recorrentes, durante mais de seis meses de um adulto por uma criança impúbere, entre parênteses, geralmente abaixo de 12 a 13 anos. Repito: eu não atendia crianças em meu consultório, com raras exceções, algumas clientes que insistiam em que atendesse alguém de 8, 9, 10 anos. Eu não sou pedófilo, eu não sou pedófilo. Coisa que eu te confesso aqui e agora. Não sou pedófilo por uma definição científica do que é pedofilia. Eu não sou pedófilo, inclusive, porque todas as imagens gravadas, principalmente das 11 representações que tenho contra mim envolvendo as fitas, são de adolescentes acima de 14 anos.

Estado – O senhor é homossexual?

Chipkevitch – Quanto à minha sexualidade, posso lhe confessar que sou bissexual. Me descobri assim meio tarde, aos 27, 28 anos. Eu nunca tinha tido relação homossexual antes dessa idade. Tive namoradas, tive parceiras e desde essa idade me defino como bissexual. Uma das acusações contra mim é a de corrupção de menores, porque uma mãe me acusou. Disse que eu estaria me encontrando com o filho dela, de 17 anos e meio. Ele fez 18 anos, dois meses depois de eu ser preso. Era o rapaz com quem eu estava me encontrando há alguns meses, que eu conheci na internet. A idade de consentimento sexual na grande maioria dos países varia entre 15 e 16 anos. Admite-se que a maioria se inicia sexualmente nessa idade porque eles têm, e devem ter, liberdade de opção sexual nessa idade. Como aos 16 se admitiu que são maduros para votar, como aos 18 se abaixou a maioridade civil. No Brasil, você sai com um rapaz de 17 anos e meio, que te escolheu pra sair com você, que está no segundo ano da faculdade, que se define como homossexual, que te escreve cartas apaixonadas e a Justiça considera que você o corrompeu, o aliciou.

Estado – Isso não tem nada a ver com seus pacientes?

Chipkevitch – Não, ele nunca foi meu paciente.

Estado – Algum de seus pacientes teve relacionamentos com o senhor?

Chipkevitch – Não, nunca, nunca na vida.

Estado – A acusação diz que o uso do medicamento era um meio para o senhor cometer seus crimes e que eles ainda estariam vencidos. São verdadeiras essas acusações?

Chipkevitch – Não, são totalmente mentirosas. Eu queria dizer que a Vigilância Sanitária foi checar meu consultório, que tinha as melhores condições que você pode esperar de uma clínica. Fiquei surpreso, com a notícia que saiu no Estad&atilatilde;o (10/4/2002), em que o diretor da Vigilância Sanitária declarou que eu teria aplicado 90% das vacinas vencidas. Isso é um absurdo total. Todas as vacinas que estavam na geladeira estavam dentro da validade e sempre há 5% ou 10% que estão vencidas, mas não são aplicadas. Elas são jogadas fora na medida em que aparece um cliente para tomar aquela vacina, você constata que está vencida, descarta e pega outro lote. Mas para ele dizer que foram 90% é porque era uma quantidade enorme, que ele só pode ter encontrado no lixo hospitalar, que era desprezado de dois em dois, de três em três anos, pois é uma prática difícil para um consultório dentro de um prédio. Quero chamar a atenção para a irresponsabilidade de levantar uma lebre dessas sem checar, recomendando que todas as pessoas, mais de mil, refaçam todas as vacinas.

Estado – A acusação toda contra o senhor surgiu por causa das fitas, encontradas no lixo. Como é que elas foram parar lá?

Chipkevitch – Confesso que foi um descuido meu. Quis me livrar das fitas. Eu entendi que o tipo de pesquisa era extremamente extravagante. Tinha consciência de estar infringindo um ou outro artigo do Código de Ética Médica e resolvi continuar essa pesquisa de outra forma. Decidi não usar as imagens e guardar o que tinha na cabeça. Fui imprudente no meu ato de me livrar daquilo.

Estado – As imagens foram parar no SBT e passaram no Programa do Ratinho. Onde o senhor estava enquanto elas eram exibidas?

Chipkevitch – Fiquei sabendo na manhã seguinte. Minha secretária chegou ao consultório e encontrou alguns recados de pacientes na secretária eletrônica. Ela ligou e avisou: ?Dr. Eugênio, passou uma reportagem no Ratinho, que o senhor teria filmado, tem fitas do senhor com seus pacientes no consultório?. A secretária estava apavorada. Eu entendi que as fitas que eu tinha jogado fora, meses antes, haviam sido encontradas, que elas não estavam destruídas. Levei meu filho na escola, fui procurar um advogado e, quando voltei pra casa, me prenderam. A polícia inventou coisas a meu respeito.

Estado – O quê? Que o senhor ia fugir?

Eugênio Chipkevitch – Não admito esse tipo de mentira. Fui preso sem mandado de prisão. A minha casa foi revirada na minha presença, também sem mandado de busca e de apreensão. O investigador revirou as coisas e perguntou o que tinha no maleiro e havia duas malas. Tirei as malas, pus no chão, abri as duas e estavam inteiramente vazias. E eu vi na Veja: ?Médico estava se preparando para fugir, pois estava com as malas cheias?. Isso é mentira.

Estado – O senhor tinha idéia em que tudo aquilo contra o senhor se transformaria?

Chipkevitch – Eu mal conseguia raciocinar, quanto mais planejar uma fuga. Você é um sujeito respeitado, requisitado, procurado, idolatrado, com uma carreira respeitada, você criou uma clínica em evidência… Quantos crimes não comete o Estado para punir um? Que balança é usada? Não se constrói uma clínica do tamanho da minha como uma fachada para abusar de pessoas lá dentro. Em nenhum momento, ninguém pensou que ao fazer aquilo comigo, daquela forma, estavam me aniquilando e a mais milhares de pessoas.

Estado – Como assim?

Chipkevitch – Como é que não se leva em conta que, ao denegrir a imagem de um profissional daquela maneira monstruosa e vil, você não afeta a saúde mental de muita gente? Primeiro: pelo menos 15 pacientes adolescentes estavam no meio de uma psicoterapia no dia que fui preso. Um momento de terapia que tem o seu curso, em que o terapeuta é um modelo de identificação, é o suporte, às vezes é uma figura tão importante quanto os pais. Adolescentes que te chamam, muitas vezes, de meu melhor amigo. (Começa a chorar e abaixa a cabeça). Eu vou me emocionar, quando falar do meu filho, como me emociono falando dessa gente toda que… que era como filho pra mim.

Estado – Seus pacientes?

Chipkevitch – Sim. Tenho certeza que na cabeça deles eu era uma figura muito próxima, algo paternal (pausa). Eu não consigo imaginar como essas pessoas me têm na cabeça hoje, tanto os pais quanto esses meninos e essas meninas, muitos deles adultos. Eu acho que eles esperam alguma coisa de mim, né? Que eu não pude dizer até hoje (volta a chorar).

Estado – E o que o senhor diria a eles?

Chipkevitch – Que conservem na cabeça a imagem que tinham de mim até o dia em que fui preso. Só queria pedir que aqueles que ainda conservam a minha imagem a tinham com carinho, que continuem com ela porque, com certeza, não fiz nenhum mal a eles. Quero que saibam que a minha maior dor de estar aqui dentro (chorando) não é só de estar preso, de ter perdido minha liberdade, minha carreira, meu livro, minha reputação. Em grande parte, é todo mal que foi infringido ao meu filho.

Estado – O senhor tem contato com ele?

Chipkevitch – Converso, ele vem nas visitas. Ele é o grande suporte. Hoje ele é a única pessoa que eu tenho certeza que tem amor incondicional por mim (Volta a chorar).

Estado – Ele não tem dúvidas da sua inocência?

Chipkevitch – Ele não tem dúvidas. Pedi perdão a ele. Perdão por tudo que está acontecendo, pelo que está acontecendo na vida dele por minha causa. E ele disse: ?Não precisa pai. Não precisa pedir perdão nenhum? (tira os óculos, enxuga os olhos com um lenço). Eu já o dispensei das visitas. Acho tremendamente cruel uma criança de 10 anos entrar numa cadeia e ver o pai nessas condições. Ele insiste em vir. É a pessoa que me mantém vivo.

Estado – Ele vem todas as semanas?

Chipkevitch – Agora menos, por causa da escola. Pedi para ele vir menos. Se eu continuar aqui muito tempo, pedi para vir cada vez menos. Porque não é fácil. Ele me conhece exatamente do jeito que eu sou.

Estado – Ele sofreu muito?

Chipkevitch – Ele sofreu. A escola fez um ótimo trabalho. Ele ficou 15 dias sem ir, com medo de agressões e zombaria. Mas evidente que ele sofreu muito e está sofrendo. Conseguiram não deixá-lo ver a TV durante meses, mas depois escapou e ele viu.

Estado – Vou pedir para o senhor se colocar no lugar dos pais dos seus pacientes. No lugar deles, não ia querer ver o médico do seu filho preso, chamado de monstro, pedófilo e de todos os piores adjetivos?

Chipkevitch – O que a gente mais exercita como terapeuta é conseguir se colocar no lugar do outro. Evidente que eu consigo me colocar no lugar deles. Mas, com certeza, o sentimento que esses pais têm a meu respeito tem muito a ver com a imagem que se fez de mim.

Estado – Se o senhor fosse solto, se sentiria seguro? Teria medo?

Chipkevitch – Com certeza teria medo. Olhei na capa da IstoÉ Gente incitação ao meu assassinato (o médico está processando a revista). A capa exibia a minha foto e ao lado a frase de um suposto pai: ?Eu não mataria com as próprias mãos, mas contrataria alguém para matar?. Ouvi um programa de TV a meu respeito, encerrando com uma entrevista de um transeunte com a pergunta: o que você faria com o Chipkevitch? Prisão perpétua para ele, respondeu a pessoa. Não há prisão perpétua no Brasil, disse o repórter. Cadeira elétrica então, ele completou. E a matéria encerra ali.

Estado – O senhor mostra uma profunda decepção com a Justiça. Ainda assim tem esperança de sair da prisão?

Chipkevitch – O princípio da Justiça diz o seguinte: quanto mais grave o crime, mais amplo o direito à defesa porque maior será a sentença. A minha sentença é histórica, insólita, inédita. Eu tinha a prova do meu crime, que são imagens e áudio e eu queria ter acesso a elas. Pedi que o áudio fosse transcrito e foi recusado. Pedi para assistir àquelas imagens com meus advogados, como eu estou te dando essa entrevista hoje, com privacidade e sigilo. Também pedi uma perícia nas fitas. As fitas não têm data, mas contêm um lote gravado lá dentro, que permitiria determinar datas aproximadas em que as filmagens foram feitas e me permitira dizer que os pacientes que dizem que foram filmados em 1994 não foram, porque essa fita é de 1997. Mas a alegação é que ia danificar as fitas. Elas valem mais do que meu destino. Meus advogados se negaram a entregar as alegações finais porque todos os pedidos para produzir provas foram negados. O juiz simplesmente destituiu meus advogados.

Estado – O que o senhor imagina ser uma sentença justa no seu caso?

Chipkevitch – Não sou juiz, não vou estipular uma sentença pra mim. 124 anos de cadeia corresponderia a um indivíduo que tenha assassinado culposamente 20 pessoas ou dolosamente 5 a 10, 124 anos é uma sentença de morte velada.

Estado – E a medicina? Ainda pensa em exercê-la?

Chipkevitch – Fui suspenso pelo CRM, com o qual – faço questão de falar – me decepcionei profundamente, no momento em que mais precisei dele. O CRM me propôs uma perícia, uma junta de psiquiatras para me examinar. Me neguei, não sou maluco para ser examinado. Eles resolveram por uma perícia indireta, que concluiu que eu sofro de pedofilia. Um laudo espúrio, cientificamente inválido. Além disso, o CRM moveu um processo ético disciplinar. Pedi que me arrumassem um advogado dativo. Eles o fizeram. Ele apareceu no meu interrogatório com a defesa escrita e cochichou: ?o senhor se declara insano mental que é o que mais me interessa.? Não aceitei esse defensor. Sobre voltar a exercer, não tenho idéia. Meu futuro, neste momento, são 124 anos de cadeia. Espero que meu filho possa crescer sem ter vergonha do sobrenome que, por azar, é o único no País.

Estado – Ele esconde seu sobrenome?

Chipkievitch – Eu tenho aconselhado. Dói muito. É o sobrenome do meu pai, que era um homem digno e honrado. É o meu sobrenome, que também acho que honrei por tudo que fiz na vida. (Emocionado) Queria deixar para o meu filho um nome de respeito. Mas muitas coisas são irreparáveis. Minha carreira é irreparável, minha reputação é irreparável.”

 

AGORA É…

“Agora é? recicla outras velhas histórias”, copyright O Estado de S. Paulo, 30/03/03

“Dá gosto ver a reprise da novela O Cravo e a Rosa à tarde. Elenco afiadíssimo, personagens bem esculpidos, figurinos bem talhados, um humor delicioso, uma historinha bem contada e, acima de tudo, simplicidade. Não é por acaso que a novelinha da hora do almoço tem registrado a apetitosa média de 22 pontos no Ibope. Ou seja, só 6 pontos a menos do que a inédita Agora é que são elas, que acaba de estrear.

Há muito tem se falado e escrito sobre a decadência do gênero, mas as novelas estão longe de encerrarem sua carreira. A ficção em capítulos diários tem fôlego para mais algumas décadas. A prova está na leitura dos números da audiência. As médias registradas são consistentes; Mulheres Apaixonadas faz 41 pontos, O Beijo do Vampiro, 31, Agora é que são elas, 28, e até a mexicanóide A Pequena Travessa é orgulho do SBT com seus 15. Ou seja, há um público fiel para todos os tipos de trama. Em uma estimativa grosseira, a soma da audiência de cada uma dessas novelas bate nos 10 milhões de telespectadores só na Grande São Paulo.

Mas, como o gênero tem 40 anos de existência – em 1963, Tarcísio Meira e Glória Menezes já namoravam (por telefone, afinal ela era presidiária e naquela época eram comuns as ligações cruzadas) no dramalhão 2-5499 Ocupado -, é meio inevitável que a originalidade fique um pouco comprometida.

Ao que parece, o público não está preocupado com isso. Assim como as crianças (que adoram a repetição), esse telespectador quer ver um triângulo amoroso bem formado, embates entre os mocinhos e os vilões, e muitos romances paralelos como em tantas outras novelas que já prestigiou.

No primeiro capítulo de Agora é que são elas, o espectador já pode desconfiar que a heroína Léo (Débora Falabella) não vai terminar com o galã Pedro (Maurício Mattar), mas com o filho do inimigo de sua mãe. E que o ódio de Juca Tigre (Miguel Falabella) por Antônia (Vera Fisher) é uma camada que encobre o amor não correspondido.

Claro que há um segredo, disputas pelo mesmo homem, maldades gratuitas e protestos bem-intencionados. A novela das 6 é uma colagem de vários clichês e de experiências já veiculadas na mesma Globo.

Juca Tigre é uma versão contemporânea do prefeito Odorico Paraguaçu, O Bem Amado escrito por Dias Gomes e interpretado magnificamente por Paulo Gracindo. O realismo fantástico também é filho de Dias Gomes – que o inaugurou na época da TV em preto e branco com Saramandaia – e que foi reeditado em outras novelas de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares, tais como Pedra sobre Pedra, A Indomada e Fera Ferida. Não por acaso, placas de sinalização rodoviária colocam Formigas na rota das também fictícias Greenville, Tubiacanga e Porto dos Milagres no capítulo de estréia de Agora é que são elas. É Linhares assumindo a reciclagem de trabalhos anteriores.

Portanto, não é de admirar a adesão à nova novela. Depois do imbróglio do Sabor da Paixão (cuja média foi de 24 pontos), o público parece estar gostando de pisar em terreno conhecido. Ele não se importa com clichês, só quer divertir-se com uma história que, de algum modo, faça sentido. Mesmo que cometa a inverossimilhança de colocar a explosiva Vera Fisher no papel de uma pacata senhora da roça.”

 

TV DIGITAL

“Especialistas sugerem consórcios para TV digital”, copyright O Estado de S. Paulo, 31/03/03

“O Brasil poderia seguir o exemplo chinês e formar vários consórcios para estudar seu padrão de TV digital. Esta é a visão de alguns pesquisadores de universidades brasileiras. ?A minha posição é a de que o governo deveria fazer uma chamada de propostas?, afirmou o professor Guido Lemos de Souza Filho, do Departamento de Informática da Universidade Federal da Paraíba (UFPb).

No início do mês, o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, reuniu-se com o embaixador chinês, Jiang Yuande, para discutir uma possível cooperação em TV digital. Na China, havia, no início do processo de escolha do padrão, cinco consórcios trabalhando em diferentes propostas. Hoje, são três. O governo chinês irá avaliar o melhor trabalho antes de escolher sua tecnologia.

Após a abertura da Telexpo, na terça-feira, ao ser perguntado sobre a proposta de se criar um processo de competição também para a escolha do padrão brasileiro, o ministro disse: ?Ótimo?.

E completou que a idéia é formar um único consórcio, seguindo sugestão da Universidade Mackenzie. ?O objetivo é garantir que as universidades não fiquem de fora da discussão do padrão?, explicou Gunnar Bedicks Jr., do Mackenzie.

A proposta inicial de Miro envolvia apenas o Instituto Genius, criado pela Gradiente, e a Fundação CPqD, entidade privada de pesquisa que fez parte do Sistema Telebrás, antes da privatização. O Mackenzie realizou, entre 1999 e 2000, os testes dos sistemas americano, europeu e japonês, para ajudar o governo brasileiro na escolha do seu padrão. Possibilidades – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que quer assistir à Copa de 2006 na TV digital. Como as emissoras e os fabricantes precisam de pelo menos um ano e meio para o sistema entrar em operação comercial, a escolha brasileira precisaria ser feita até o fim do ano que vem.

A introdução do sistema digital será uma evolução da televisão comparada à entradas das cores, mas, para o usuário, as possibilidades criadas são muito maiores. A TV digital permite serviços interativos, como os da internet.

Compras, serviços bancários, educação e correio eletrônico, tudo isto poderá ser feito via TV. Além disso, a digitalização trará som e imagem melhores.

Outra alternativa é multiplicar a capacidade dos sinais, permitindo a transmissão de quatro programas ao mesmo tempo, num só canal.

Na China, dentre os três padrões em estudo, o melhor cotado foi criado pela Universidade Tsinghua, de Pequim, em conjunto com a Legend Silicon, uma empresa do Vale do Silício, nos Estados Unidos, controlada por chineses, ex-alunos de Tsinghua. O grupo procurou criar um sistema robusto o bastante para ser usado, além da TV digital, em serviços de dados e até telefonia celular. O padrão de transmissão usa o conceito de espectro espalhado, o mesmo da tecnologia de celular CDMA.

O governo chinês receberá propostas para sistemas de TV digital até o final de abril. O país irá testar seus três sistemas e compará-los às soluções criadas pelos Estados Unidos, Europa e Japão. O professor Yang, da Universidade de Tsinghua, esteve no Brasil há dois anos e visitou o Mackenzie, para conhecer os testes com os padrões internacionais feitos no País.

Utilidade – O modelo de TV digital em definição pela China, assim como o japonês, prevê uma integração entre o celular e a televisão. Nos Estados Unidos, o modelo escolhido foi o de cinema em casa, com imagem de alta definição e som surround. Na Europa, o principal objetivo foi multiplicar a capacidade do sistema, sem a alta definição mas com quatro programas simultâneos em cada canal. O Brasil, por sua vez, ainda não definiu o que quer com sua TV digital.

Para o professor Marcelo Zuffo, do Laboratório de Sistemas Integráveis da Universidade de São Paulo (USP), um dos focos principais para a TV digital brasileira deveria ser a inclusão digital. Pessoas sem recursos para comprar um computador teriam na TV digital serviços hoje disponíveis na internet.

?Precisaria haver uma política setorial integrada, que envolva vários ministérios?, defendeu Zuffo. Além das Comunicações, também participariam da definição desta política a Fazenda, a Cultura, a Ciência e Tecnologia e o de Desenvolvimento.

Mesmo na escolha do padrão de TV em cores, feita na década de 60 pelo governo militar, havia objetivos claros para a definição da tecnologia.

O objetivo era a integração nacional via TV. O estudo que desembocou na escolha do PAL-M, sistema de TV em cores que o Brasil adota até hoje, foi publicado em 1966, depois de quatro meses de estudo. Os autores foram quatro professores da Escola Politécnica da USP: Antonio Hélio Guerra Vieira, Nelson Zuanella, Ovidio Cesar Machado Barradas e Edson Palladini Veiga.

Reserva – O PAL-M, na época chamado NTSC/PAL, é uma variação alemã do sistema americano NTSC, sigla de National Television System Committee, mas que os técnicos da época chamavam, de forma bem humorada, de Never Twice the Same Color (ou nunca a mesma cor duas vezes). O sistema americano, no seu início, tinha um sério problema de definição de cores, incomodando os espectadores, por exemplo, com imagens de pessoas com a pele verde. Os alemães melhoraram o sistema no NTSC/PAL.

Outra alternativa, estudada pelos professores da Poli, foi o padrão SECAM, usado na França, que, apesar de eficiente, seria mais caro.

A escolha do PAL-M resultou numa proteção à indústria brasileira de televisores. Para manter a compatibilidade com os aparelhos em preto e branco existentes no País, a tecnologia NTSC/PAL teve que ser modificada, fazendo com que os televisores usados no Brasil fossem exclusivos do País.

?A criação de uma certa reserva de mercado foi uma das implicações percebidas posteriormente?, explicou Hélio Guerra, um dos responsáveis pelo estudo e hoje presidente do Instituto de Engenharia. ?Não foi determinante na decisão, mas permitiu ao Brasil ter escala de produção de televisores, criando emprego para milhares de pessoas.? Para o engenheiro Hélio Guerra, a decisão sobre a TV digital também deve levar em conta a indústria nacional.

?Senão, como ficam os empregos dos nossos netinhos??, questionou. Ele acredita que não é o caso, desta vez, de se proteger a indústria nacional.

?Devemos ser competitivos. O importante é evitar a criação de reserva de mercado para televisores importados.?”