Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Faltou explicar

Ivson Alves (*)

 

A

relação muito próxima entre as empresas de comunicação e as de provimento de acesso telefônico já começa a provocar prejuízos ao distinto público. A cobertura do processo de privatização do Sistema Telebrás, a par da conhecida tendência à claque, deixou de enfocar alguns aspectos estratégicos da chamada da Convergência Digital (tendência tecnológica que levará à fusão do setor de comunicação com o de telecomunicações no máximo em 20 anos). O grave desta omissão não é que ela tenha ocorrido – embora este fato, por si, já fosse bem ruim – mas o motivo pelo qual se deu.

A procura por um posicionamento ótimo no grid da corrida da Convergência é uma luta estratégica, cujas armas devem mesmo ser escondidas pelas empresas envolvidas. O problema é que entre estas empresas estão as jornalísticas, cujo negócio – pelo menos por enquanto – é exatamente divulgar da melhor maneira possível todos os ângulos desta batalha. O resultado desta contradição é que o leitor acabou tendo informações truncadas (na melhor das hipóteses), que o impediram de ter uma visão mais real do processo de privatização, de suas conseqüências e dos interesses envolvidos.

O exemplo mais interessante, na minha opinião, foi o caso da desistência da Bell South na disputa pela telefonia fixa de São Paulo. A BS já detinha os direitos da Banda B na Região Metropolitana de São Paulo e municípios vizinhos, e obter a telefonia fixa era estratégico, tanto para o ganho de escala quanto para a sinergia dos investimentos. A empresa americana era franca favorita na disputa. Mas, dois dias antes do leilão, desistiu da concorrência. A decisão já era de conhecimento do governo e de pelo menos um colunista, mas não foi divulgada a não ser poucas horas antes do início dos trabalhos na Bolsa do Rio.

Ora, a pergunta óbvia era: por que a Bell desistiu? A resposta deveria ter sido procurada nas movimentações do mercado americano de telecomunicações. Exatamente a 48 horas (o momento não foi coincidência) do leilão da Telebrás, aquele mercado fora sacudido pela proposta de compra da GTE – a maior operadora de ligações locais e de longa distância dos EUA – pela Bell Atlantic. Diante da possibilidade de ter de enfrentar um gigante dono de um terço das chamadas locais do Tio Sam, a Bell South fez por bem tirar o seu time de campo aqui a fim de resguardar o seu terreiro lá.

Esta decisão tática da BS pôs no chão o castelo de cartas montado pelo governo. Com a BS fora do jogo, a Telefónica Internacional acabou ganhando a Telesp fixa, saindo, conseqüentemente, da disputa da Tele Centro-Sul, a qual realmente queria. Esta ficou com o Opportunity e a Itália Telecom (sócia estratégica da União Globopar-Bradesco), cujo desejo era a Tele Norte-Leste, que caiu no colo da Telemar.

O esqueminha que não deu certo foi até mencionado em algumas matérias, mas o seu desmoronamento não foi explicado com a profundidade necessária. E por que não? Porque a revelação dos objetivos reais de cada um dos jogadores levaria à necessidade de uma explicação do porquê destes objetivos e, conseqüentemente, do envolvimento dos grupos de comunicação com as empresas de telecomunicação e suas metas estratégicas.

Todo este jogo de esconde-esconde é prejudicial ao leitor e, portanto, à sociedade. Não creio que as empresas de comunicação, daqui ou lá de fora, possam escapar de associações com as empresas donas da infovia (como se dará esta associação é a questão estratégica em torno da qual deveria haver um amplo debate social). Esta inevitabilidade, porém, não as exime – acho que até que, ao contrário, obriga – de dizer isso claramente ao público, para que este possa ter as ferramentas e o conhecimento para julgar as notícias que irá receber sobre o setor que mais afetará a sua vida nos próximos 50 anos.

(*) Jornalista