Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Fábio Victor

CHICO MENDES…

“Ventura faz relato passional sobre caso Chico Mendes”, copyright Folha de S. Paulo, 22/12/03

“Em 22 de dezembro de 1988, há exatos 15 anos, Chico Mendes era assassinado em Xapuri (AC). Dois anos depois, os matadores Darci e Darly Alves foram condenados num julgamento que tinha como assistente de acusação o futuro ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e na platéia Luiz Inácio Lula da Silva, Marina Silva e José Genoino, atuais presidente da República, ministra do Meio Ambiente e presidente do PT.

Em defesa do seringueiro e contra os réus estava, além do que hoje é o poder central do país, o jornalista Zuenir Ventura, 72. Enviado do ?Jornal do Brasil? ao Acre para a cobertura do caso, ele produziu uma exemplar série de reportagens, que depois ganharia o prêmio Esso, agora reunida em ?Chico Mendes – Crime e Castigo?, da Companhia das Letras. O livro é o quinto lançamento da coleção ?Jornalismo Literário?.

Por exemplar entenda-se notável, mas cuja fórmula, como admite o próprio autor, traz riscos ao jornalista que for segui-la. Zuenir é tendencioso, parcial, preconceituoso até. Já os tratava como assassinos antes da condenação -estimulado, é verdade, pelo manancial de evidências.

?Fiz como os manuais de redação não recomendam. Eu me exponho ali, revelo meus medos, minhas preferências. Ter distanciamento seria de uma hipocrisia absurda. Não é um modelo de reportagem, mas rompe um pouco o faz-de-conta que domina esse tipo de texto?, afirma Zuenir.

Além de não esconder a admiração por personagens como o garoto Genésio Ferreira da Silva, principal testemunha de acusação, e o juiz Adair Longuini (…?um país que é capaz de juntar numa mesma história Chico Mendes, o garoto Genésio e o juiz Adair Longuini é um país que pode ter conserto?), o jornalista cria ojeriza pelos acusados.

Numa entrevista com Darly seis meses antes do julgamento, descreve assim o réu: ?Aquele cheiro de corpo mal lavado, aquele mau hálito produzido pela úlcera ou pela dentadura mal instalada, ou pelas duas, provocava uma repulsa que deixava de ser um sentimento para se transformar numa sensação física. Era insuportável aquele ruído de lábios que, presos por uma gosma branca, se descolam com dificuldade a cada movimento da boca?.

Em sua defesa, Zuenir lembra, com razão, que deu voz a todas as partes e traçou um perfil sem cosméticos de Chico Mendes, ao revelar ?defeitos? como a bigamia do líder sindical.

Tão passional foi o mergulho do autor que, a pedido da Justiça, Zuenir acolheu em sua casa no Rio o garoto Genésio, alvo potencial dos assassinos, que vivia na fazenda dos Alves e cujo depoimento foi crucial para condená-los. Genésio viveu sob a tutela do jornalista até a maioridade e ainda hoje seu paradeiro não é revelado, por questões de segurança.

À época da publicação das reportagens, entre 1989 e 1990, o editor da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, já queria condensá-las num livro, mas esbarrou na resistência de Zuenir. A coleção e os 15 anos da morte de Chico Mendes ressuscitaram o projeto.

O autor quis voltar ao Acre para produzir a última parte do livro, ?Quinze anos depois?. As duas primeiras são ?O Crime? e ?O Castigo?, com a íntegra das reportagens. A única alteração se deu na ordem dos capítulos -por sugestão do editor, a obra é aberta com a morte do sindicalista.”


POETAS & MÍDIA

“A relação de amor e ódio dos poetas com a mídia”, copyright O Estado de S. Paulo, 27/12/03

“Carlos Drummond de Andrade detestava ser entrevistado por repórter que não conhecesse em detalhes sua obra, sentimento compartilhado com João Cabral de Melo Neto, que respondia grosseiramente às perguntas que considerava vazias. Os dois poetas também temiam a deformação de seu pensamento, tanto a involuntária como a propositada, quando liam a entrevista publicada. ?Mesmo assim, ao longo de suas carreiras, eles desenvolveram uma relação de amor e reserva com a imprensa?, comenta o ensaísta Fábio Lucas que, durante 30 anos, acumulou material jornalístico que especificamente enfocasse o trabalho de Drummond e João Cabral – eram resenhas, entrevistas, artigos. Depois de analisar todos os recortes, Lucas escreveu o livro O Poeta e a Mídia (144 páginas, R$ 20), recém lançado pela editora Senac de São Paulo e que trata justamente dessa delicada relação.

Uma das conclusões: apesar do convívio tumultuado, a imprensa teve papel decisivo na produção dos dois poetas. ?Além de buscarem inspiração no noticiário diário, tanto Drummond como João Cabral incorporaram ao ?eu poético? o leitor implícito, aquele a quem se dirigem através do veículo mais corriqueiro: o jornal?, afirma Lucas. ?Drummond, aliás, sabia que o material que publicava na mídia acabaria sendo publicado em livro.?

A relação do poeta mineiro com a imprensa sempre foi próxima. Segundo suas próprias palavras: ?Fui jornalista desde rapazinho, desde estudante, e é aí que eu me sinto muito bem, muito à vontade.? E continua: ?Fui chefe de redação de um jornal em Minas e redator de três outros jornais. Então, a minha vocação é mesmo para o jornal.?

Aversão – Era por meio dessa relação que Drummond buscava contato com seus leitores. Homem tímido, ele dizia que sua aversão em dar entrevistas era compensada pelas colunas que mantinha em diversos jornais – ali, o poeta não se furtava de tratar de assuntos que lhe pareciam de interesse geral. Assim, em crônicas que depois seriam reunidas em livro, ele contestou a inundação das Sete Quedas além de protestar contra a poluição do Rio Tietê e a destruição do São Francisco. ?Drummond e João Cabral buscavam uma relação mais próxima com a imprensa, pois era uma forma de imortalizar seus escritos?, comenta Fábio Lucas.

Drummond também aproveitava as raras entrevistas (suas conversas com os jornalistas só se tornaram mais intensas depois que completou 80 anos, em 1982) para explicar a origem de seus versos mais famosos. Ao jornal Leia, por exemplo, ele contou, em 1985, como criou o famoso refrão ?E agora, José?? Segundo o poeta, então moço e vivendo ?um estado de dor de corno profundo?, ele, para aplacar a dor, começou a escrever: ?E agora José/ E agora Raimundo/ E agora Joaquim.? Depois, analisando mais friamente, decidiu concentrar em um só nome e escolheu José, pois considerava mais simples.

?Pode parecer que a poesia era um acidente na carreira de Drummond, mas, na verdade, era inerente a ele?, comenta Lucas, lembrando que o aspecto prosaico da poesia de Drummond agradava muito a João Cabral. ?O poeta itabirano ensinou-o o esvaziamento da musicalidade e da métrica como fatores indispensáveis para a elaboração poética. Assim, ele se credenciou a fugir do acento ?poético? convencional e a buscar na ?prosa? as credenciais para a nova poesia.?

Em entrevistas, João Cabral demonstrava seu assombro não pelo assunto nem pela ironia dos versos de Drummond, mas por ?aquela dicção áspera, próxima da prosa?. ?Como minha poesia não tinha nenhuma melodia, nenhuma música, compreendi: era possível fazer poesia sem essas coisas?, disse. João Cabral sempre confessou sua propensão para a crítica, desde o início da vida literária. Antes da descoberta da poesia de Drummond, portanto, julgava-se incapaz de fazer poesia, tal a dissonância de seu espírito com o que se apresentava como poesia nos livros didáticos.

Engajamento político – João Cabral revelava também opiniões acaloradas sobre engajamento político. À revista Nossa América, ele afirmou, referindo-se à América Latina: ?A literatura brasileira é a que sente menos reflexos políticos porque o brasileiro não se interessa muito pela História.? Adiante, indagado sobre se se considerava um autor engajado, respondeu que nenhum autor da América Latina poderia escrever sem engajamento. ?A realidade aqui é tão dolorosa que, se você fala da realidade, forçosamente está fazendo uma denúncia.?

O poeta também não buscava uma aceitação fácil do leitor, pois dizia não criar poemas cantados, feitos para embalar. ?Eu procuro uma linguagem em que o leitor tropece, não uma linguagem em que ele deslize?, disse a José Geraldo Couto, na Folha de S.Paulo.

O processo criativo, aliás, sempre foi debatido pelos dois poetas em conversas com os jornalistas. Drummond, por exemplo, dizia que jamais entrava em transe ou em estado de êxtase para criar seus poemas.

?Geralmente, a idéia vem à cabeça em um ou dois versos?, afirmou. ?Quando estou escrevendo poesia, sinto uma certa emoção, como que um certo calor, como se a minha temperatura elevasse. Mas não é transe. Estou vendo as palavras que estou empregando, estou articulando como uma pessoa que está querendo fabricar alguma coisa. É um estado de alerta muito especial, que depois passa.?

João Cabral, por outro lado, baseava sua poesia em inspirações visuais.

?Sempre achei que a linguagem, quanto mais concreta, mais poética?, disse para a Nossa América. ?Palavras como melancolia, amor, cada pessoa entende de uma maneira. Se você usar palavras como maçã, pedra ou cadeira, elas evocam imediatamente ao leitor uma reação sensorial. A poesia brasileira é muito derramada e procuro reagir a isso.? É o que se percebe, entre outros trabalhos, em Pede-me um Poema, texto não incluído na Obra Completa de João Cabral, mas reproduzido por Fábio Lucas em seu livro: ?Um poema se faz vendo,/ um poema se faz para a vista,/ como fazer o poema ditado/ sem vê-lo na folha inscrita??

Entre tantas diferenças, Drummond e João Cabral reagiam de forma única à questão proposta pela imprensa sobre quem era, entre eles, o maior poeta brasileiro. ?Eles sempre rebateram qualquer polêmica, lembrando, além de seus nomes, o de outros grandes poetas como Manuel Bandeira?, comenta Fábio Lucas. ?Na verdade, esse foi um jornalismo sensacionalista, pois a obra de um poeta não existia em oposição à outra.?

O ensaísta observa que João Cabral sempre levantava a questão aos interlocutores com quem se sentia mais à vontade. ?Com isso, quem realmente ficava pouco à vontade era a pessoa para quem a pergunta era dirigida?, conta Lucas, que manteve com o poeta pernambucano momentos de grande descontração. Ele se recorda que, independentemente da resposta, João Cabral gostava de encerrar o assunto dizendo: ?Carlos Drummond é um homem estupendo.?”


TEXTO & ELEGÂNCIA


“A senha de todos os sites”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 26/12/03

“Esta eu li na seção de cartas do Observatório da Imprensa:

Traduzam, por favor!

Vocês poderiam usar um vocabulário mais simples, para que nós, simples mortais, entendêssemos melhor os comentários…

Aproveitando, vocês poderiam me dizer onde fica a tecla sap, para eu poder entender o que aconteceu com o caso do Joelmir Beting???

Leniente???

Jornalões???

Acríticos???

Deontológicos???

Paradigma???

Farisaísmo???

Favor serem mais simples, pois o mundo de vocês é muito diferente da maioria, se é que vocês vivem neste mundo.

O leitor está enganado (aliás, essa de ?tecla sap? é um ato falho, revela submissão à cultura televisiva). Persistimos, sim, no mundo genérico do farisaísmo, no vasto campo leniente em que os acríticos (dos sites, dos jornalões, dos jornalinhos) podem deixar-se atropelar pela defesa intransigente dos paradigmas deontológicos, torcidos aqui e acolá por uma meia-dúzia de detentores da verdade para os outros.

Concordo: tudo amontoado assim, em um só período, é uma barafunda. Mas quando o intervalo é maior fica fácil, permite-se respirar palavras mais conhecidas, antes do embate com as menos conhecidas. Note: menos conhecidas, não ?difíceis?, ou ?do fundo do baú?, ou ?pedantes?.

Nenhum vocábulo é bom ou ruim. É feio escrever bonito? É bonito escrever feio? A resposta parece simples: belo é o texto atraente, rítmico, com ou sem palavras ignoradas pelo público.

Importante: se for vazio de idéias, não se sustentará.

Não gosto, porém, dessa ditadura do vocabulário meia-boca. Se cada palavra recebesse nota (?Esta, dez?, ?Esta, 1,5?), o dicionário viria dividido em ?Boas Palavras? e ?Más Palavras?, em ?Vocábulos Elegantes? e ?Vocábulos Deselegantes?, em ?Termos ?Cultos? e ?Termos ?Incultos?. Nada disso. Patrulheiros ao largo, cada um que escolha o que julgar conveniente. Quem não entender, que procure o dicionário.

Assim é. Não poucas vezes, a escrita clara se confunde com a pobre. Mas só na mente dos que não entenderam a diferença entre esses dois adjetivos. Aliás, clareza é uma virtude; pobreza, uma carência.

Pergunta-se, então: como ser claro sem ser pobre, nem pedante, nem hermético? Em primeiro lugar, deve-se saber qual é o nosso público, deve-se nortear o texto – palavra cuja raiz etimológica remonta a texere (tecer, em latim); em segundo, deve-se partilhar conhecimento: por que não redigir uma palavra incomum, vez em quando, desde que esta se encaixe, desde que nos dê aquele estalo: ?É esta!?. Não tem jeito, o termo certo vai ficar ali. ?Ah, mas ninguém vai entender…?. Não subestime o leitor. Alguns entenderão; outros terão a oportunidade que não tiveram em casa, na escola, em sua ciranda de relações.

Escrever com bom-senso, sem exagero, sem ostentação verborrágica é gostoso e compartilha a ciência, o que se sabe. O uso de palavras desconhecidas (da maioria), ao contrário do que se pode apregoar, é generoso.

Antidemocrático é chavear o que se conquistou na vida. Antes de tudo, a palavra se subordina ao conhecimento genuíno da natureza das coisas. É o código, é a senha do saber.

Por que ter a senha de um site, se posso ter a de milhares deles? Mais propriamente: por que não deixamos de frescura? Por que não aprendemos todos juntos?

Muita luz em 2004!”


MEMÓRIA / ROBERTO MARINHO

“Aprovada homenagem a Roberto Marinho na Alerj”, copyright O Globo, 24/12/03

“A Assembléia Legislativa aprovou ontem uma homenagem ao presidente das Organizações Globo, jornalista Roberto Marinho, que morreu em agosto, aos 98 anos. Um projeto de lei do deputado André do PV cria o Dia Estadual da Cultura, a ser comemorado em 3 de dezembro, data de aniversário do jornalista.

Mas as comemorações não vão se restringir a um dia: durarão uma semana e incluirão a concessão da Medalha do Mérito Cultural Jornalista Roberto Marinho, a cada ano, a uma personalidade e a uma entidade que tenham contribuído para a valorização da cultura no Estado do Rio.

? Ele foi um dos homens que mais influenciaram a cultura brasileira. O jornalista ajudou também na preservação do patrimônio histórico nacional, criando a Fundação Roberto Marinho. Outra iniciativa exemplar foi o projeto Criança Esperança ? disse André do PV.

A Alerj já havia homenageado o jornalista em 5 de novembro passado, ao aprovar, por unanimidade, um projeto de lei do deputado Otávio Leite (PMDB) que institui 2004 como o ano do centenário de Roberto Marinho. A proposta prevê um calendário de eventos culturais, educacionais e de desenvolvimento da comunicação.

No mesmo dia, o Tribunal de Contas da União homenageou Roberto Marinho e outras seis personalidades com o Grande Colar do Mérito do TCU. O vice-presidente das Organizações Globo João Roberto Marinho representou a família e recebeu a comenda.”