Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Fenaj e a Comissão de Especialistas em Jornalismo


Gostaria de tecer alguns comentários sobre a política educacional para o ensino superior que vem sendo implementada/imposta pelo governo federal. A última das ações foi a criação da Comissão de Especialistas em Jornalismo. O ato isolado, em si, talvez não traga maiores prejuízos – luta pela qualidade da formação em comunicação. Porém, gostaria de analisar a questão como parte de um processo. Um processo que inclui o provão para jornalismo (que prefiro chamar de ENC, pois acho que não merece o superlativo) e a questão conturbada das diretrizes, a forma como foi conduzida a discussão, os prazos e a falta de debate nas escolas sobre todos os temas.

Antes de mais nada, porém, gostaria de me apresentar: meu nome é Vitor Fraga, e sou estudante de Jornalismo da UFF (o pior curso do Brasil, segundo o ENC). Participei das discussões no Movimento como coordenador-geral da Enecos, cargo que ocupei até janeiro deste ano, e faço
parte desta lista de discussão.

Vejo com certa preocupação a criação de uma Comissão de Especialistas em Jornalismo. Como já disse, menos pelo fato em si, e mais pelo que envolve a questão. Senão, vejamos: é público e notório que o planejamento do MEC para o ensino superior degrada o conceito de educação, banaliza o papel social da universidade, descarta a pesquisa como parte fundamental da formação e desestimula a extensão como forma de interação entre a universidade e a sociedade, preferindo investir em programas assistencialistas e mais preocupados em ganhar espaço na mídia do que realmente colocar o conhecimento acadêmico a serviço do povo, o que por sua vez poderia arejar o pensamento às vezes tão preso aos muros da instituição.

Mas não estou aqui para polemizar a política do governo federal. Não me lembro de ninguém por estas bandas defendendo a política educacional de Fernando Henrique. Afinal, estamos todos no mesmo barco, não?

Pois é. Ano passado, tivemos que enfrentar o famigerado ENC(alhe), apesar de todos os protestos. Uma atitude imperial, que impôs aos cursos um modelo de “avaliação”, sem que sequer fossem levadas em conta outras experiências, como a Avaliação da Capes, projetos da Andes e discussões que vinham sendo encaminhadas por outras entidades, entre elas o Movimento pela Qualidade da Formação. Exigiu-se que os estudantes fizessem a “prova”, sob pena de não receberem seus diplomas – o que, todos sabemos, é literalmente um ato ditatorial, inconstitucional (é fundamental dizer o nome certo das coisas, mesmo que pareça um discurso mofado), que não respeita nem o direito adquirido, que dirá outros direitos.

Ao formar a comissão que iria elaborar o ENC(olhimento do conceito de formação), o MEC chamou alguns professores de Jornalismo, cujo conhecimento da área não coloco em suspeição – todos, sem dúvida, profundos estudiosos de Comunicação Social. Porém, lembro que o Movimento travou séria discussão sobre o perigo que significava apoiar uma atitude imperial como o ENC(omendado fim das universidades).

A Fenaj havia sido convidada, e indicara um membro da diretoria para participar do processo, sob o argumento de que isso “seria mais um canal de interlocução com o MEC”. Embora não tivesse sido consultada sobre a criação da pseudo-avaliação, acreditava que “a participação na comissão não impediria que a Fenaj continuasse ao lado das demais entidades na luta pela qualidade da formação”. Quando cobrada por seus parceiros no Movimento, a Fenaj admitiu que aceitar o convite foi um erro, uma atitude ingênua, e que não era possível crer que o MEC aceitaria mudanças pra valer em sua “avaliação”. A entidade retirou-se da comissão, e voltou para o lado de seus verdadeiros parceiros, para o lado de quem realmente defende um ensino superior público, gratuito, de qualidade, e que esteja a serviço do desenvolvimento social, político-econômico e cultural de nosso país.

Portanto, acho que não cabe detalhar mais essa questão, já que o falido ENC(alhe de papel) provou que não prova nada. Afinal, um dos membros da comissão que elaborou o dito, o professor Nílson Lage, é um dos criadores do curso de Comunicação da UFF, que tirou nota E. Como não acredito na hipótese de esquizofrenia entre meus colegas, muito menos em relação ao nobre professor, prefiro imputar a falta de coerência ao MEC, este ente que deveria defender a educação, em vez de ser considerado seu inimigo público número um.

Depois disso, tivemos o processo das diretrizes, que foi pró-imposto de forma tão vertical quanto o ENC(urtamento da visão crítica). Tivemos que correr para poder apresentar alguma proposta, lembram? Custamos para conseguir um espaço de interlocução com o MEC. Em maio de 1998, no 2º Seminário pela Qualidade da Formação, finalmente conseguimos agendar uma reunião com a Comissão de Especialistas em Comunicação que, embora adiada várias vezes, acabou acontecendo este ano, em fevereiro. Quando enfim parecia que as entidades da área de comunicação teriam um espaço digno de debate sobre a nossa formação, a formação do futuro profissional, do futuro professor, do futuro sindicalista, do futuro mestre e doutor, do futuro dirigente de escola, pois bem, lá vem o nosso amigo MEC com suas travessuras!

Peço licença aos colegas, mas não posso deixar de exclamar: que rapazinho insolente esse senhor Paulo Renato de Souza! Esse incompetente, ou melhor, insolente senhor imagina, sem mais, que a partir desta data a habilitação em Jornalismo do curso de Comunicação Social será dirigida por uma comissão própria.

Os problemas são óbvios. Não vou discutir se isso vai ou não nos separar, se isso vai ou não atrapalhar o Movimento e a luta pela qualidade da formação. As entidades envolvidas nessa luta, e seus representantes, são competentes ao extremo, são motivo mesmo de orgulho para seus representados. Jamais se deixariam enfraquecer por uma ação de fora. Acho que estamos analisando a coisa por um prisma um pouco desviado. Parece que estamos cobrando da Fenaj e dos jornalistas uma posição. Não, não é por aí. Usar o conceito de jornalistas vs.comunicadores, de técnicos vs. teóricos, isso sim seria decretar a morte de nosso grupo, seria vestir a carapuça.

Todos nós temos direito de ser contra (ou a favor…) uma comissão de especialistas. Afinal, temos um “pacto federativo”, não é mesmo? Por exemplo, o nosso colega jornalista Daniel Herz tem tanto conhecimento político do tema quanto o nosso colega professor Albino Rubim, ou quanto nosso colega estudante João Brant. Não podemos nos separar em grupos, ou estaremos aceitando a segmentação que apenas o ministro Paulo Renato vê. Segundo as leis, existe um curso de Comunicação Social, com várias habilitações, entre elas a de Jornalismo. Se o governo cria uma nova lei, temos portanto uma questão amparada na legalidade. Mas, indubitavelmente, questionável do ponto de vista da legitimidade.

Aos colegas da Fenaj, gostaria de tranqüilizá-los. Já passamos por isso, e sabemos de que lado estão os profissionais. Como na comissão do provão, a entidade acreditava estar fazendo o melhor, já que agora usa os mesmos argumentos para defender a comissão de jornalistas. Não se trata de perdermo-nos em “minúcias jurídicas” da validade ou do prejuízo da criação de uma comissão de especialistas em jornalismo. Não se trata de discutir o ato em si, e sim o conceito que há por trás dele. Deixo a minha opinião de que mais canais de interlocução nem sempre significam melhores resultados. Como dizem meus professores de Comunicação, tanto os
de disciplinas práticas quanto das teóricas, a comunicação deve ser bem-feita, deve ter qualidade. Mais do que quantidade, os meios de interlocução devem primar pela qualidade da informação transmitida. Sem ruídos.

A formação universitária está muito além de questões políticas de ocasião. Se o MEC hoje pensa dessa maneira, não significa que isso reflita o pensamento das partes interessadas, até porque não houve discussão alguma antes da decisão final (?). Um jornalista é um comunicador social. Esse é o conceito. É nisso que concordamos (ao menos, parece). Portanto, não importa se o MEC quer mudar esse conceito. Basta que nós não concordemos. Um grande abraço a todos,

Vitor Fraga

Victor Gentillli, fico feliz em saber que você gostou da proposta da UFF, mesmo sendo algo muito sintético e genérico, embora compatível com as informações de que dispúnhamos na época e coerente, também, com o que nos era solicitado então.

Esclareço que essa proposta, resultado de uma reunião extraordinária de departamento realizada em março de 98, foi enviada à SESu pela UFF, com tantas outras sugestões semelhantes de outros cursos, em atendimento à “chamada” do MEC, em fins do ano anterior. Lamentavelmente, não faço a menor idéia do que foi feito com o texto.

Como você sabe, o ano passado foi particularmente conturbado. Estivemos em greve por mais de três meses e não pudemos exatamente soltar fogos pelo resultado, pois a GED trouxe para dentro da universidade uma disputa inédita entre professores e ampliou a distância entre titulados e não-titulados. A volta às aulas foi marcada pelas eleições para reitor (e pesava sobre todos o fantasma do que ocorrera na UFRJ) [foi nomeado o reitor menos votado da lista] e pela ansiedade em torno do recebimento da gratificação. Nesse quadro, teríamos pouco tempo e tranqüilidade para nos ocupar do desenvolvimento das propostas para o novo currículo.

Retomamos a discussão no início de 99 e posso lhe dizer que, também entre nós do setor de jornalismo, não são poucos os que defendem a criação de um curso específico, baseado exatamente nos argumentos que Eduardo Meditsch expôs em artigo no Observatório. Particularmente, discordo dessa proposta, não pelos seus pressupostos, mas porque me parece que essa divisão decorre menos de uma serena argumentação em torno da validade de um determinado tipo de formação e mais de uma disputa de espaço político, que não é de hoje, sobre o poder e a autoridade de dizer “o que é” o jornalismo.

Se é verdade que os cursos de Comunicação Social surgiram como uma forma de desmobilizar o potencial crítico do jornalista, num momento em que a ditadura entrava em sua fase de maior violência, e se é fato que, no início, os cursos reuniam quase que exclusivamente professores sem nenhuma intimidade com a prática jornalística, também é verdade que o tempo e as lutas pelo aprimoramento da formação profissional levaram a mudanças curriculares importantes e trouxeram jornalistas experientes para a sala de aula e para os laboratórios que então começavam a existir. Creio, e esta é uma opinião pessoal, que a disputa hoje em curso, nesse clima de “nós” contra “eles”, é muito propícia a levar lenha para a fogueira das vaidades mas não ajuda nada na melhoria da formação de nossos alunos e no nosso próprio crescimento como professores e profissionais.

É verdade que existe uma cultura (e por isso citei a GED e seus efeitos perversos) que privilegia o “doutor”, numa perspectiva que também não é recente e que coloca a universidade em trilhos estreitos, retirando-lhe, ou pelo menos reduzindo-lhe, a possibilidade de se tornar um espaço de convívio democrático de diferentes saberes e competências. É verdade, também, que no caso do jornalismo a área equivocadamente chamada de “técnica” é desprezada como se não fosse capaz de produzir reflexão, o que deveria ser obviamente falso. Mas não creio que seja rejeitando o saber específico do pessoal de fundamentos, negando a contribuição que eles possam dar ao curso, que estaremos avançando no caminho da formação de um profissional mais qualificado para o que desejamos: a prática de um jornalismo que recupere o sentido histórico e político dessa atividade e rejeite a avassaladora, quase insuportável mistificação que hoje nos é imposta.

Quanto ao McDonald’s, se fosse bom, comê-lo-íamos. Como não vale a pena, deixá-lo-emos pra lá. Um abraço,

Sylvia Moretzsohn

Parabenizo a equipe, em especial Victor Gentilli, pela edição. O comentário do polêmico professor Nílson Lage (que esteja sempre presente) e as precisas observações dos professores Juliano, Faro e Nuzzi determinaram a qualidade da discussão.

Rogério Eduardo Rodrigues Bazi, professor de Jornalismo no Centro Universitário de Votuporanga, na Faculdade de Catanduva e na Faculdade Prudente de Moraes

 

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