Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Fernanda Dannemann

ENTREVISTA / MANOEL CARLOS

"O autor do plano B", copyright Folha de S. Paulo, 17/11/02

"No ar por quase um ano e meio, com a reexibição das novelas ?História de Amor? e ?Por Amor?, e da minissérie ?Presença de Anita?, o autor Manoel Carlos, 69, só emplacaria outra novela em setembro de 2003, mas foi convocado antes da hora pela TV Globo, que rejeitou a sinopse de Gilberto Braga.

De volta dos Estados Unidos, onde aproveitava suas férias, o autor está escrevendo ?Mulheres Apaixonadas?, que deve estrear em fevereiro, às 20h30.

Autor cujas tramas são escritas para o horário noturno e reprisadas pela Globo no meio da tarde, ele diz que os pais devem tomar conta do que os filhos assistem na televisão.

Como surgiu a idéia para ?Mulheres Apaixonadas??

A idéia do título é antiga. Fiquei um ano em Nova York e ficaria mais um, porque minha próxima novela entraria em setembro do ano que vem, já que, antes, uma do Gilberto Braga substituiria ?Esperança?. Sempre tenho idéias na cabeça. Anoto passagens engraçadas que as pessoas me contam. De repente, a Globo me convocou para outra novela. Cheguei em agosto com tudo na cabeça e já estou escrevendo o quarto capítulo.

A novela cria vida própria?

A história tem que ter começo, meio e fim, o que não significa que eu vá seguir a idéia original. A vida não tem sinopse, o que não quer dizer que você não tenha planos para cada dia. Em ?Sol de Verão?, pensei em criar um romance entre Tony Ramos, que fazia um surdo-mudo adorado pelo público, e a Carla Camurati, uma aeromoça viajada. Mas, nas ruas, as pessoas me disseram que não tinha nada a ver, e eu descartei a idéia. O público noveleiro, que é de 30, 40, 50 milhões de pessoas (é uma eleição do Lula), entende do assunto melhor do que ninguém.

O que você achou da polêmica em torno de ?Esperança??

O Benedito [Ruy Barbosa] é um dos melhores autores do país. O que ouço dizer é que a novela é muito escura ou lenta. Acho que o grande erro foi terem dito que seria continuação de ?Terra Nostra?.

Ele negou desde o começo.

É, mas os jornais continuam dizendo. Todos os novelistas escrevem sobre o mesmo tema. Nas minhas novelas, a personagem central tem até o mesmo nome. Emendei ?História de Amor? com ?Por Amor? e, nas duas, a personagem central se chamava Helena e era interpretada pela Regina Duarte! Cada autor tem seu universo. E tem outra coisa: não podemos deixar passar o momento ideal para a estréia.

O Benedito foi muito desfavorecido pela Copa e pelas eleições. O horário político empurra a novela para muito tarde, e é tão chato que a pessoa desiste de esperar. E eleição presidencial mobiliza a opinião pública de tal maneira que a novela passa a ser secundária. Nunca houve uma eleição como essa, e o Benedito perdeu. Há uma única coisa que ajuda a novela, e que eu preferia que não ajudasse: a violência, porque as pessoas saem muito menos. O vídeo substituiu o cinema e a pizza ?delivery? assumiu o lugar do restaurante.

Qual é a história central?

Minha protagonista feminina é sempre uma mulher de mais de 40 anos, porque é o universo que acho mais interessante. A mulher de 40 está no limiar de decisões importantes, é uma idade extremamente vigorosa. Quase sempre ela já passou por um casamento e teve um filho. Não está velha, mas não é mais uma mocinha e despertou para cuidados consigo mesma porque acha que está numa idade perigosa para perder o marido e não atrair mais ninguém. Na novela, ela tem um casamento que todo mundo acha perfeito com Téo (Tony Ramos) e rompe pra tentar ser feliz.

Por que Christiane Torloni?

Precisava de uma mulher bonita, determinada, de nariz em pé, com certa arrogância e atrevimento. A Cristiane está inteiraça, aparenta 38, e acho que tem 45. Pensei em várias atrizes, mas fiquei fixado nela.

Quem mais está no elenco?

Já tenho José Mayer, Maria Padilha, Giulia Gam, Paulo Figueiredo, Natália do Valle, Marly Bueno, Cláudio Marzo. Dei a partida com 103 personagens.

E o que você pensa da estratégia de reprisar, à tarde, novelas originalmente escritas para às 20h?

Elas têm temática mais abrangente e um pouco mais forte, né? Não sei se isso causou escândalo alguma vez. As minhas eu sei que não causam. Pode ter algumas coisas fortes, mas não causam. Pela resposta do público, me parece muito normal e de grande aceitação.

Você acha que os pais devem controlar o que os filhos vêem?

Acho. Mas cada família tem seu comportamento. Com a TV a cabo, o que aconteceu na minha casa foi o seguinte: meu filho de dez anos só vê TV paga, porque a programação dos canais abertos, à exceção de uma ou outra coisa que possa lhe interessar, é muito pouco atraente, e a TV a cabo tem tudo o que ele quer: viagens, curiosidades, música.

Também tem filmes pesados à tarde.

Meu filho não vê televisão à tarde. Mas eu não sirvo como exemplo para isso, porque meus filhos nasceram numa casa onde o pai trabalha em televisão e o convívio que sempre tiveram com a TV e o teatro faz com que eles não sejam deslumbrados com nada disso. Até o cinema que é passado na TV ficou muito normal para eles.

Você é favorável à fiscalização da programação?

A princípio, deve-se cobrar das emissoras o compromisso de zelarem pela sua programação. Não para estabelecer uma censura rigorosa e moralista, mas para ver se há um nível de qualidade que possa ser oferecido ao público, e dentro da faixa etária para o horário. Não deve haver censura em hipótese nenhuma, mas a programação precisa ser rigorosamente enquadrada em faixas etárias. Isso é fundamental. A TV tem de ter um código de ética observado pelas emissoras.

O que você gosta de ver?

Não acompanho nenhuma novela, mas vejo pedaços. Faz parte do meu trabalho. Também assisto ao ?Jornal Nacional?, Jô Soares e Boris Casoy.

O que você espera do novo presidente do Brasil?

Sou eleitor permanente do Lula, estou muito esperançoso e torcendo por ele. É um presente para o povo brasileiro a oportunidade de ter no comando do país um homem de origem tão humilde e que enfrentou tantas dificuldades, como grande parte do próprio povo. Se ele não fizer um grande governo será uma pena, mas não terá sido o único. Tantos não fizeram! Tomara que os políticos profissionais não o derrubem, porque ele, às vezes, tem um grau de ingenuidade que é comum a todos os brasileiros."

 

REALITY SHOWS

"As câmeras lacrimogêneas e o nada", copyright Folha de S. Paulo, 17/11/02

"Os concursos de miss, na pré-história da televisão brasileira, ainda servem de modelo. Sempre, no final, a vencedora chorava. (Como falo sobre isso de memória, peço licença para uma breve reminiscência, talvez imprópria. Vamos lá.)

Já não sou capaz de me lembrar com precisão daqueles concursos em preto-e-branco, mas me lembro do choro das moças. Lembro-me de como elas se confraternizavam, depois de conhecido o resultado, lembro-me da segunda colocada homenageando a campeã com sua humildade e seu reconhecimento num longo abraço. A idéia de que as lágrimas da vencedora pudessem molhar o ombro fino da sua rival era perturbadora. Ou animadora, dependendo da perspectiva. O contato entre dois corpos de mulher, na televisão daquele tempo, transcorria como algo absolutamente assexuado, desde que não envolvesse nenhuma forma de umidade, de oleosidade, de líquido. A existência de uma secreção na aderência entre as peles introduzia o elemento obsceno.

Fora isso, não havia erotismo ativo nos desfiles. Eram familiares, adequados ao que não estava interditado a uma conversa em família. Um tio podia, perfeitamente, elogiar a formosura da sobrinha adolescente sem que isso agredisse a moral mais casta. Assim, as candidatas a miss estavam autorizadas pela família brasileira a desfilar de maiô, expondo vislumbres de sua exuberância carnal aos comentários estritamente técnicos dos apresentadores. Era o pranto, e os lugares por onde ele escorria, que abria as cortinas para um mundo íntimo, convulsivo, descontrolado. Por mais protocolar, previsível ou encenado que ele fosse.

Há tempos a televisão perdeu a inocência e ganhou cores. Mas, incrível, o pranto diante das câmeras continua sendo um dos principais recursos da obscenidade cotidiana. Hoje não há mais misses. Há ?reality shows? e ?game shows?. Mas, como antigamente, ai do vitorioso que não soluçar desgovernadamente. Chorar é uma obrigação contratual. Todos choram. Políticos choram. Homens de aço lacrimejam copiosamente. Entrevistados miseráveis choram em fila, tendo ao fundo o barraco destruído pelas chuvas. Ou a foto do filho assassinado. Ou a mãe que reapareceu depois de longa ausência. Chora-se nos telejornais, nas telerrevistas de domingo, nos auditórios, sensacionalistas ou não, chora-se nas telenovelas. A competência de um ator se mede por sua velocidade em verter litros de lágrimas, com o queixo aos solavancos. Só aí, acredita-se, a mais recôndita verdade se deixa ver. Só aí o ?show? comove.

Por que será que é assim?

Os holofotes se tornaram ferramentas de prospecção de lágrimas. Em close, registra-se a gota que busca fugir pelos sulcos dos pés de galinha da celebridade em foco. As câmeras desenvolveram potentes propriedades lacrimogêneas. Basta que elas se aproximem do alvo, mesmo que o alvo seja um jogador de futebol, e a probabilidade de que ele se debulhe, como se diz, é gigantesca. A sensação é de que a proximidade da câmera, por si só, já é suficiente para que venha o pranto. É como se o encontro do sujeito com a câmera equivalesse a uma notável vitória sobre o anonimato e sobre a escuridão em que sucumbem os comuns.

As pessoas não choram porque sofrem ou porque são felizes. Choram apenas porque se vêem merecedoras de serem olhadas no espetáculo. Choram diante das câmeras porque sentem que, aí, venceram a invisibilidade, nem que seja por alguns instantes. Por isso, aliás, choravam as misses. As pessoas choram e, chorando, promovem o aguaceiro da televisão mais obscena. A obscenidade, pensando bem, não tem nada a ver com sexo, nem com violência, nem com nada que não seja o ato de escancarar sentimentos pífios, pequenos, amofinados, pedintes de olhar público. Sentimentos constrangedores em sua constrangedora falsificação."

 

"SBT faz ?reality show? disputado por países", copyright Folha de S. Paulo, 16/11/02

"O SBT começa a exibir amanhã chamadas para inscrições de participantes de seu novo ?reality show?, uma megaprodução que envolverá competidores e emissoras de cinco países e que será gravada durante sete semanas, a partir do final de janeiro, na Patagônia, sul da Argentina. O nome provisório da atração é ?O Conquistador do Fim do Mundo?.

Investimentos e data de estréia ainda são mantidos em sigilo. A produção será independente, da argentina Promofilm. Além de Brasil, competirão equipes dos Estados Unidos, México, Chile e de um quinta nação (provavelmente Equador). O programa será exibido em todos esses países.

Anteontem, entrou na internet o site da atração (www.oconquistadordofimdomundo.com.br). A página revela um programa parecido com ?No Limite?, da Globo. Cada equipe nacional terá 12 participantes, seis homens e seis mulheres, e respectivos líderes. Essas equipes passar&aatilde;o por 12 percursos, entre montanhas, matas e rios. A cada trecho, um integrante será eliminado. Haverá disputas e votações para eliminação interna e entre equipes rivais.

No final, restará apenas um competidor de cada país. De ?uma competição extrema?, sairá o vencedor, ou ?o conquistador?, aquele que alcançar um farol no extremo sul do continente, o ?fim do mundo?. Ele ganhará uma picape e ?12 meses de salário?."