Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Fernando Calazans

A GINGA E O JOGO

"O estilo e o verbo", copyright O Globo, 12/08/03

"Armando Nogueira está com 76 anos… Não, não cometo uma indiscrição ou uma impertinência ao publicar sua idade. A revelação – feita por ele mesmo – está na primeira linha da primeira crônica do seu décimo livro, ?A ginga e o jogo?, da Editora Objetiva, que vocês já podem encontrar nas livrarias. É a mais recente antologia do autor, com textos sobre esportes e sobre a vida.

E que reúne, naturalmente, ditas e desditas do ofício de cronista esportivo, que é o meu também. Tudo com a elegância de estilo e a riqueza verbal que sempre caracterizaram a escrita do Armando e que fizeram dele o mestre de todos nós.

Menciono as venturas e desventuras do ofício porque, numa das resenhas que li, em meio a merecidos elogios, há também uma certa ressalva, melhor dizendo uma certa ironia com um suposto ?saudosismo? que atravessa as páginas do livro.

Nesse ponto ocorre um fenômeno curioso, muito curioso, que também se volta contra mim e contra colegas que, como o Armando, vivemos e presenciamos muitos anos da História do futebol brasileiro.

Nunca vi – nunca – um crítico de literatura ser rotulado de saudosista por exaltar a obra de Machado de Assis ou de Fernando Pessoa.

Nunca vi – nunca – um crítico de cinema ser chamado de saudosista por reverenciar os filmes de Orson Welles ou de Luis Buñuel.

Nunca vi – nunca – um crítico de artes plásticas ser ironizado por saudosismo ao decantar as cores de Van Gogh e os traços de Picasso.

Nunca vi – nunca – um crítico de música ser censurado como saudosista por celebrar uma sinfonia de Beethoven ou um samba de Ary Barroso.

Enfim, nunca vi – nunca – um historiador ser tachado de saudosista por recontar as proezas de Cristóvão Colombo ou Napoleão Bonaparte.

Agora, ah, agora vai um crítico de futebol enaltecer a obra ou mesmo um passe de Didi! Pior ainda: vai o crítico dizer que, nos meandros do meio de campo, onde se pensa e se organiza o jogo, Didi era melhor do que Paulo Almeida ou Fernando Diniz. O céu pode desabar sobre a cabeça do crítico esportivo. Pobre dele por ter testemunhado as andanças e as glórias de uma seleção pentacampeã mundial.

Porque no país do futebol, no país do torcedor de futebol, no país da imprensa do futebol, da jovem imprensa do futebol – neste país não temos a cultura do futebol, não temos a cultura sequer do futebol brasileiro, não temos o culto à História do futebol brasileiro.

Os cronistas esportivos sofremos com um invencível dilema desde os tempos em que eu engatinhava na profissão lendo crônicas de Armando Nogueira ?Na Grande Área?: se não se ergue um museu, se não se guarda uma bola, uma camisa, um uniforme de campeão, se não se comemora o aniversário de um título mundial, se não se eterniza o feito de um craque, é porque o país não tem memória, não preserva sua História, não respeita sua cultura; mas, por outro lado, se um cronista esportivo relembra um passe de Didi, uma arrancada de Nílton Santos, um drible de Garrincha, um gol de Pelé – é porque o cronista é saudosista.

E então, mestre, diante do impasse, o que devemos fazer nós, seus discípulos?

***

Na crônica ?A melhor de todas?, Armando Nogueira revela sua seleção brasileira preferida de todos os tempos: é a de 58 e 62, bicampeã mundial, por sinal, lembro eu, a que teve vida mais longa de todas: duas Copas do Mundo.

Juca Kfouri já subscreveu a opinião em sua coluna.

E eu subscrevo agora aqui no meu cantinho.

Os três pelo mesmo motivo, simples, singelo: foi a única seleção que teve Pelé e Garrincha juntos. Ponto.

Eu, particularmente, me abstenho de discussões com quem não viu um dos dois jogar ou com quem, tendo visto, gosta de ser diferente.

***

?A ginga e o jogo? será lançado hoje, em noite de autógrafos do autor, a partir das 20 horas, na Livraria Argumento, no Leblon."

 

LIBERDADE DE IMPRENSA

"Relatório cita mortes de jornalistas e processos judiciais", copyright Folha de S. Paulo, 12/08/03

"A ANJ (Associação Nacional de Jornais) apontou ontem ?um sério abalo? na liberdade de imprensa no país ocorrido no período de agosto do ano passado a agosto de 2003.

A conclusão faz parte do relatório anual sobre liberdade de imprensa no Brasil, apresentado durante o 4? Congresso Brasileiro de Jornais e 2? Fórum de Editores, promovidos pela entidade. Os debates e palestras aconteceram ontem e terminam hoje no hotel Gran Meliá, em São Paulo.

Segundo o relatório, houve no período ?sucessivas tentativas de bloquear, dificultar ou impedir o acesso de todos à informação e de intimidar a livre publicação?, não só por agressões e ameaças a jornalistas como também pelo crescente número de casos de censura prévia a jornais e de processos contra jornalistas.

Foram registrados cinco casos de agressão contra jornalistas no exercício da profissão, cinco casos de censura prévia a jornais e três assassinatos de profissionais de imprensa por motivos vinculados a sua atividade profissional.

Aí incluída a do jornalista da Rede Globo Tim Lopes, dois meses antes do período abordado, em junho de 2002. Além dele, foram mortos Sávio Brandão, proprietário da ?Folha do Estado?, de Mato Grosso, e o repórter-fotográfico Luiz Antônio da Costa. ?Três vértices da notícia foram feridos de morte: quem narra o fato, quem cuida do negócio e quem faz a imagem?, diz o relatório.

Também foram destacados um caso de ameaça e processos contra jornalistas. Sobre os processos, diz o documento: ?Muitos julgamentos em primeira instância desconheceram que a imprensa livre deve exercer a crítica e que alegações de dano à moral que visam tão-somente impedir o exercício da liberdade de expressão não podem ter amparo em juízo?.

O diretor do Comitê de Liberdade de Expressão da ANJ, Marcelo Beraba (diretor da Sucursal do Rio da Folha), afirmou que ocorreram, no período que antecedeu as eleições de 2002, ?inúmeras ações? para ?obstruir o trabalho da imprensa?. ?O recurso das medidas liminares foi amplamente utilizado para impedir que informações relevantes chegassem aos nossos leitores e eleitores.?"

 

JORNALISMO E CONSUMO

"Jornal influi mais na decisão de consumo", copyright O Estado de S. Paulo, 12/08/03

"O jornal é a primeira fonte de informação que um potencial consumidor procura quando está propenso a realizar uma compra. Na pesquisa Quero Comprar, da Ipsos/Marplan, 28% dos entrevistados afirmaram recorrer aos jornais antes de fechar um negócio, o dobro do índice da televisão. O levantamento foi divulgado ontem no 4.? Congresso Brasileiro de Jornais e 2.? Fórum de Editores, promovidos pela Associação Nacional de Jornais (ANJ).

O estudo mostra a importância que os tomadores de decisão, os potenciais consumidores, dão aos jornais na hora de escolher um carro, um eletrodoméstico, uma casa ou um produto de limpeza. Basicamente, o consumidor busca nos diários mais detalhes sobre um produto a ser lançado e comparações de preço. Mesmo pessoas que não usam jornais como primeira fonte de informação disseram que os consultam para se certificar de que fizeram a escolha correta.

Quando comparado diretamente com a TV, mídia que mais capta as verbas publicitárias, o jornal rivaliza em pé de igualdade na ?função utilitária? – quando a pessoa recorre ao meio para comprar, planejar, buscar opções de lazer ou orientações de investimento. De um universo de 960 entrevistados nas regiões metropolitanas das principais capitais brasileiras, 41% acham que o jornal atende a essa função utilitária, enquanto 42% optam pela TV. No item ?lazer e relaxamento?, porém, o índice dos que citaram a televisão (57%) é muito superior ao dos que mencionaram jornais (19%).

Foco – ?O foco é no decisor?, afirmou Örjan Olsén, diretor-executivo do Ipsos Opinion, que realizou a pesquisa sob encomenda de 16 jornais, entre eles o Estado. Segundo Olsén, mesmo entre os que não são tomadores de decisão, o jornal é a primeira mídia à qual pensam em recorrer quando querem comprar um carro novo ou alugar uma casa.

Segundo Luiz Lara, sócio da agência de publicidade Lew, Lara Propaganda, um levantamento realizado com jornais verificou que num único dia eles apresentam uma média de R$ 70 milhões em produtos anunciados. O varejo lidera a propaganda nos diários impressos. Só que, nos últimos tempos, as outras mídias estão disputando esse espaço. ?Hoje, grandes redes de varejo colocam nas emissores de TV um comercial diferente a cada dia.?

Como conseqüência, houve uma queda na participação dos investimentos publicitários nos jornais brasileiros ao longo dos últimos dez anos. Em 1992, eles detinham 24,3% dessas verbas, porcentual que no ano passado caiu para 19,9%.

No mesmo período, a fatia de mercado das revistas subiu de 8,4% para 9,7%. Dos R$ 3,68 bilhões investidos em mídia em 2002, 60,8% viraram anúncios nas TVs, 20% nos jornais e 9,5% nas revistas. Os Estados Unidos dividem seus US$ 143,5 bilhões do bolo publicitário mais igualitariamente: 36% vão para as propagandas de TV, 31,6% para os jornais e 10,4% para as revistas.

A pesquisa da Ipsos/Marplan indica também quem é, hoje, o leitor com o perfil de tomador de decisão: tem entre 25 a 39 anos (39%) ou de 40 a 54 anos (26%), nível médio (47%), é predominantemente das classes B (36%) e C (36%), casado (54%) e vive com quatro ou mais moradores na sua casa (60%). A faixa de renda familiar vai de mais de três a dez salários mínimos (46%). Sete em cada dez têm o hábito de ler o jornal preferencialmente aos domingos; só 13% o fazem todo dia. A primeira página é a seção mais lida, seguida pelas de noticiário local, classificados e entretenimento.

?Essa pesquisa reflete a preocupação constante de significativa parcela dos jornais brasileiros, que têm procurado estar cada vez mais próximos dos leitores, atentos às suas preocupações e aos seus interesses, buscando proporcionar-lhes um produto sério, abrangente, atualizado e oferecer-lhes uma gama variada de serviços?, afirmou Francisco Mesquita Neto, presidente da ANJ.

Homenagem – Na abertura dos trabalhos, Mesquita Neto prestou ontem homenagem a empresários de mídia que morreram nos últimos meses: Manoel Francisco do Nascimento Brito (presidente do conselho editorial do Jornal do Brasil), Ibanor José Tartarotti (presidente do Jornal do Commercio, do Rio), Ary Carvalho (presidente de O Dia) e Roberto Marinho (presidente das Organizações Globo). Ele lembrou também a ameaça que os órgãos de imprensa vêm sofrendo no seu direito de informar representada pelas mortes de Tim Lopes (Rede Globo), Domingos Sávio Brandão de Lima Júnior (Folha do Estado de Cuiabá) e Luiz Antônio da Costa (fotógrafo a serviço da revista Época).

O evento prossegue hoje, no Gran Hotel Meliá, São Paulo, com palestras sobre o negócio jornal, opções para sua diversificação, censura prévia, a busca por um jornalismo de alto padrão e direito à informação."

 

LITERATURA & JORNALISMO

"A van da literatura", copyright Veja, 13/08/03

"Ivan Lessa é o maior escritor brasileiro. Só que o Brasil é tão desgra&ccccedil;ado que nosso maior escritor nunca se interessou em escrever um livro. Preferiu dedicar-se a não escrever. É muito mais difícil não escrever do que escrever. Qualquer um pode escrever um livro. Qualquer um pode publicá-lo. Duro mesmo é ficar deitado no sofá, sem escrever nada. Requer uma aceitação filosófica da própria transitoriedade. Requer o desprendimento de um sufi. Ivan Lessa resumiu sua determinação de não escrever da seguinte maneira: ?Que nossa presença seja leve aos outros, ocupados com seus mistérios e empombações. Falemos baixo?.

Eu escrevi livros. Um monte de livros. Cheios de mistérios e empombações. Quem melhor definiu minha carreira literária foram os humoristas do Casseta e Planeta. Alguns anos atrás, contaram que um assassino, fugindo da polícia, escondeu-se dentro de um dos meus romances, o único lugar que ninguém jamais abriria. No domingo passado, o mesmo Casseta e Planeta voltou ao assunto e retratou-me nos fundos de uma van, a caminho de um festival de literatura em Parati, amolando o tempo todo meus companheiros de viagem, Luis Fernando Verissimo, Arnaldo Jabor e Marilena Chaui. Acontece que agora eu não escrevo mais. Desci da van literária. Como um alcoólatra numa reunião do AA, um dia me levantei da cadeira e jurei que nunca mais escreveria um romance. Há seis anos, quatro meses e duas semanas não faço uma linha de literatura. De tempos em tempos, sou tentado a retomar o hábito, sobretudo depois da noite de autógrafos de algum amigo. Ivan Lessa já disse que o único bom motivo para escrever um livro é irritar os amigos. Ele disse também que amigos custam um dinheirão e, ao contrário de liquidificador, não vêm com garantia. Bem melhor que ter um amigo é ter um conhecido no pub.

Conheci Ivan Lessa em Londres, em 1981. Todas as quartas-feiras almoçava com ele num restaurante chinês no centro da cidade. Ele sempre me levava três livros, dentro de um saco de supermercado. Eu lia tudo e devolvia na semana seguinte. Para ler os livros que ele me emprestava, fui negligenciando os estudos universitários na London School of Economics, até largá-los definitivamente, no fim do 1? ano. Em sua recente passagem por Londres, Lula recebeu uma homenagem da London School of Economics. O reitor chegou a chorar. Eu já era grato a Ivan Lessa por ter sabotado minha carreira estudantil. Depois da homenagem a Lula, fiquei duplamente grato. Embora eu não devesse falar desse jeito. Era divertido debochar do Lula nas primeiras semanas de governo, quando ninguém debochava dele. Agora todo mundo debocha, até o Casseta e Planeta.

Aprendi muitas coisas com Ivan Lessa. Algumas delas, só entendi recentemente. Isso de não sair escrevendo um romance atrás do outro, para mim, foi uma conquista difícil, que precisou de muito esforço e muita autoflagelação. Como nem todo mundo teve a sorte de ter um tutor como Ivan Lessa, estou passando adiante suas lições aqui, agora, de graça. Lição número 1: não escreva. Lição número 2: se realmente tiver de escrever, ?trate o resto da humanidade aos tapas e pontapés?."