Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"E qual é a origem da sua informação?", copyright Jornal de Notícias, 12/5/02

"Nos dias 30 de Abril e 1 de Maio, em Salt Lake City (EUA), cerca de três dezenas de jornalistas de 11 países tornaram a convenção anual da ONO no centro de um importante debate sobre o renascido interesse dos leitores na informação pura, e, naturalmente, sobre os deveres dos ?media? inerentes à exigência que o terrorismo e a guerra requalificaram.

A ONO (Organization of News Ombudsman), com sede nos Estados Unidos da América do Norte, reune grande parte dos Provedores que existem um pouco pelos quatro cantos do Mundo — que se mantêm permanentemente em contacto quer tendo o ?site? da associação como ponto de encontro, quer através do correio electrónico. Uma vez no ano, um grupo que varia com o local da reunião e com o interesse dos temas em debate, junta-se para confraternizar e para trocar, de viva voz, experiências.

Este ano, desde há muitos meses que era previsível o fulcro de todas as comunicações: jornalismo e terrorismo, a guerra no Afeganistão e a forma como alguns governos tentaram influenciar a sua cobertura jornalística, e, naturalmente, o papel dos Provedores não apenas nesse cenário de fortes tensões, mas também perante o jornalismo de 2002, renascido das cinzas do World Trade Center.

Foi uma Convenção à partida muito americana. Pelos motivos, pelo protagonismo, pelos interesses. Mas que acabou por revelar conclusões que merecem uma reflexão aprofundada em todas as latitudes. A nível dos jornalistas. E dos leitores.

Acerca das pressões exercidas sobre os jornalistas, na sequência da tragédia do ?11 de Setembro?, teve o Provedor a oportunidade de referir-se, tendo por base relatos de jornalistas norte-americanos, britânicos e franceses.

Era a altura em que os funcionários da Administração Bush questionavam permanentemente os repórteres em busca de notícias:

?Para si o que está primeiro, ser americano ou ser jornalista??

Foi o tempo em que uma jornalista de uma poderosa cadeia de televisão passou a ser olhada de soslaio, só porque não lhe apeteceu comprar a bandeirinha das estrelas e das riscas (stars and strips), que um contínuo resolveu fazer em casa e vender na estação.

Vivia-se, então, o patriotismo compulsivo das grandes crises.

São, no entanto, os momentos mais difíceis que, tantas vezes, geram revoluções da consciência com forte impacto social. Como aconteceu na América, segundo os testemunhos dos vários provedores presentes na Convenção da ONO, analisados, na sua coluna semanal (a de 5 de Maio), por Sanders Lamont, ex-provedor e hoje redactor principal do Sacramento Bee.

?Para milhões de americanos, de repente e como que por encanto, tornou-se outra vez importante a informação sobre a hora, credível e abundante?, reconhece Bill Kovach, chanceler do Committee of Concerned Journalists e curador do programa para jornalistas da Fundação Nieman (Universidade de Harvard). Kovach, na sua comunicação, concretizou:
?Depois de cerca de duas décadas em que os americanos se afastaram do noticiário sério e mergulharam numa babel de vozes à mistura com publicidade e entretenimento, de repente, como que redescobrimos a informação credível e de veracidade controlada. Num mundo tornado outra vez imprevisível e perigoso, o jornalismo de interesse público voltou a distinguir-se dos demais, naturalmente mais importante para nos ajudar a lidar com a imprevisibilidade e a perceber a natureza e a origem dos perigos.

?Num mundo mergulhado em ilimitadas formas de comunicação, tudo aquilo com que nos identificámos, instintivamente, foi com a informação previamente verificada e inserida no seu contexto.?

Dir-se-ia, pois, que das cinzas do World Trade Center, renasceu uma flor: o interesse dos cidadãos pelo jornalismo credível, independente, que persegue a verdade. Mas, adverte Kovach, ?cuidado com a legião daqueles que estão interessados em continuar a testar o nosso apetite por esse informação independente e confirmada?.

São os que esperam o momento oportuno para colher a flor e esmagá-la entre os dedos.
A redescoberta da informação credível apurou, naturalmente, o grau de exigência dos leitores — conscientes que estão (porque os jornalistas souberam mostrar-lhas) das tentativas de manipulação por parte das fontes oficiais. E hoje, a mais importante questão que um leitor levanta acerca de uma notícia passou a ser: ai é assim? Quem lho disse, onde obteve a informação?

Redesenhou-se o círculo perfeito da exigência: o jornalista investiga e comprova a verdade dos factos. E deve revelar as suas fontes, com clareza. Se não o faz, os leitores (e o Provedor por eles) devem perguntar: por que razão não se divulgam as fontes?
É um exercício de transparência, de credibilidade.

De qualidade.

Nos Estados Unidos da América do Norte como em Portugal. Ainda que lá, como cá, a qualidade e a sua exigência não façam a unanimidade (recentemente, um grupo de cidadãos de Sacramento, Califórnia, manifestou-se, ?patrioticamente? a favor da verdade oficial, por eles considerada como a única credível e não especulativa).

Em qualquer latitude, porém, tem de pôr-se a questão levantada, também ela, na Convenção da ONO: qual é o papel do jornalista numa sociedade democrática?

?Os jornalistas não são meros espectadores do que se passa na sociedade: têm a obrigação de analisar os acontecimentos e de chamar a atenção para a sua importância, para os seus possíveis reflexos na vida da comunidade; devem ser cépticos em relação às pessoas e às instituições do poder; devem encorajar e promover o debate público?.

O Provedor acrescentaria que ao jornalista cabe também fomentar o espírito crítico do leitor sobre a informação. Compete-lhe aumentar o grau de exigência do seu público. E uma forma de fazê-lo é, de facto, divulgando, claramente, as fontes das notícias, excepto em circunstâncias excepcionais que devem ser explicadas.

Para que não fiquem dúvidas.

Para que o jornalismo seja credível por mérito próprio e não pela incapacidade de análise daqueles a quem deveria servir."