Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"Nada é insignificante quando está em causa a dignidade humana", copyright Jornal de Notícias, 22/6/02

"Desse riquíssimo tratado sobre a condição humana que é o Tribunal de Pequenos Delitos guardo, entre muitas outras inesquecíveis imagens, a recordação de um homem a quem ninguém podia chamar mentiroso. Era o bastante para que se transmutasse de cidadão calmo, ordeiro e paciente num barril de pólvora. Acabava, quase inevitavelmente, no Aljube, com consequente passagem pelo banco dos réus. Sentia tão fundo a ofensa, que não dava tempo a uma explicação, a uma desculpa — mesmo que a palavra, despida de qualquer carga ofensiva, não passasse de uma interjeição impensada.

Recordo as palavras do magistrado, justificando a suspensão da pena de desobediência à autoridade e de tentativa de agressão, com a legitimidade de um homem se sentir profundamente atingido na sua dignidade — principalmente se algum incidente de uma já longa jornada da vida houvesse exacerbado a sua sensibilidade. E o velho, muito alto e débil, tentava endireitar a coluna que o empurrava para a frente para, olhando nos olhos o juiz, lhe agradecer mais uma vez:

?Vossa Excelência entende-me, graças a Deus!?

De facto, é necessário aceitar a sensibilidade de cada um, quando estão em jogo valores imensuráveis e de uma subjectividade absoluta. Mas essa mesma susceptibilidade tem, também ela, fronteiras na razoabilidadede e na proporcionalidade das reacções.

Alfredo Martins da Silva, do Marco de Canaveses, dirigiu-se ao Provedor, acusando o JN de ?falta de humanidade? no tratamento de alguns temas sociais, nomeadamente a marginalidade. Em sua opinião, essa ?insensibilidade? é mais notada no ?Grande Porto? do que noutras secções do jornal e, como exemplo do que afirma aponta duas notícias, ambas de Maio, uma do dia 20 e a outra de 28.

A primeira dá conta da agressão com seis facadas de um homem de 69 anos — agressão perpetrada por um filho. E a questão levantada envolve a identificação do agressor. Dele só se dá o nome próprio, Possidónio, mas os restantes elementos que o denunciam claramente resultam de se dar o nome completo e a morada do pai."