Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"Força da imagem pode tornar-se uma fraqueza… ", copyright Jornal de Notícias, 27/7/02

"No anedotário sobre a grande China está consagrada, sob várias formas, a metáfora. Porque a metáfora é, de facto, um verdadeiro culto entre os sábios do Império do Meio. E sábios, para os chineses, são aqueles a quem a experiência ou a funçccedil;ão que exercem já demonstrou que a certeza é tanto ou mais volátil quanto a sua irmã siamesa verdade. Por isso se diz que dificilmente um chinês diz ?não?. Prefere ficar-se no ?nim?, rigorosamente a meio caminho entre o ?não? e o ?sim?.

Tenho para mim que a consagrada expressão ?uma boa imagem vale por mil palavras? é, também ela, caleidoscópica quanto baste para permitir que a interpretemos ao sabor das circunstâncias. E dos nossos interesses. Pode significar que uma imagem nos provoca emoções tão fortes que nem mil palavras chegavam para exteriorizá-las, como pode insinuar as suas características multímodas, com tantas interpretações quantas as que entendermos por bem dar-lhe.

Mas as imagens têm, de facto, hoje que estão feitas ponta-de-lança da comunicação (toda a comunicação), não apenas a força que lhes é intrínseca, mas ainda a que a preguiça lhes empresta.

Por isso os jovens, na generalidade, pouco lêem (dá muito trabalho) e não sabem, de uma maneira geral, escrever para além das mensagens do telemóvel, cifradas pela simplificação e onde entra um cada vez maior número de imagens. Por isso também o cuidado hoje necessário na escolha de uma fotografia para ilustrar um texto tem que ser proporcional às infinitas possibilidades de interpretação, à elevada percentagem de dúvida sobre a leitura da legenda, e, ainda, às conotações que a publicidade agressiva proporciona.

Várias têm sido as questões trazidas a esta página que têm por fulcro a imagem: porque é desnecessariamente chocante; porque viola a reserva desejável sobre a identidade do protagonista de determinada notícia; porque conduz a interpretações perversas; porque invade a privacidade dos retratados. É, de facto, um terreno em que, mesmo quando as sementes da reclamação não têm condições para germinar _ sempre floresce o esclarecimento e uma enriquecedora troca de ideias.

Porque há sempre algo a reter _ quanto mais não seja como prevenção. É o que acontece, por exemplo, com o protesto do eng? António Carvalho, endereçado em 13 de Junho (e não recebido pelo Provedor) e repetido já no mês corrente.

Leitor do JN, verificou com surpresa que, na capa do caderno de publicidade da edição do Dia de Santo António, aparecia a fotografia de uma torneira fabricada pela Friedrich Grohe Portugal, Componentes Sanitários, Lda., de que o eng? António Carvalho é gerente e director-geral. Ora, o espanto radica-se na circunstância de, segundo afirma, a publicação não ser autorizada. E tem razão o eng? António Carvalho. A reclamação é legítima, do ponto de vista em que, de facto, não foi pedida autorização para a publicação. Houve alguma ligeireza na escolha da ilustração. Mas, na opinião do Provedor, também existem atenuantes que, expressas, vão de encontro à explicação que o director-geral da ?Friedrich Grohe? solicita.

Pretendia tão-somente ilustrar-se um texto sobre a indústria de torneiras, e recorreu-se ao banco de dados do JN onde, entre outras, apareceu a foto em causa _ aliás publicada no suplemento ?JN empresas? de 8 de Julho de 2000 (portanto quase dois anos antes) a acompanhar um texto de página subordinado ao título ?Uma parceria proveitosa com a Grohe Water?. O suplemento era dedicado à Casa Peixoto, de materiais de construção, implantada no na Zona Industrial do Neiva (Viana do Castelo), mas que, pouco tempo antes, se instalara também no Grande Porto.

Não conseguiu o Provedor apurar a proveniência da fotografia, aquando da sua primeira publicação, da mesma forma que não detectou qualquer protesto, de quem quer que fosse sobre uma publicação não autorizada.

Mas pensa o Provedor que o problema não está, de facto, na edição não autorizada da imagem _ mas tão-somente no contexto em que ela é utilizada da primeira e da segunda vez. E, mais uma vez, tem de reconhecer-se razão ao eng? António Carvalho…
Já acima se referiu as circunstâncias da primeira publicação. A Casa Peixoto pretendia mostrar aos seus clientes que só vende do que melhor de fabrica, e por isso fala, com orgulho, da parceria com a ?Grohe Water?. O texto e as fotos aproveitam ao distribuidor e ao fabricante. Porém, no segundo caso, as extrapolações possíveis (ainda que inadequadas) não enobrecem a empresa produtora.

A notícia de 13 de Junho do ano corrente falava do Congresso do Comité Europeu da Indústria de Torneiras, que decorreu em Lucerna, na Suiça, de 1 a 4 de Junho _ reunião magna em que a representação portuguesa deu conta de alguma quebra no sector das torneiras, motivada, justamente, pela crise da indústria da construção civil, que começou a agravar-se com as medidas restritivas ao crédito à habitação.

Foi construído o título ?Mau ano para as torneiras?, escolheu-se pela beleza a fotografia meramente ilustrativa(?) e legendou-se da seguinte forma: ?Crise na construção arrasta subsector da fabricação de torneiras?.

Reconheçamos que nem uma única vez se fala (nem no texto, nem na foto) na marca da torneira. Mas admite-se que entre os iniciados no mercado ela seja facilmente reconhecível. E esses podem, eventualmente, conotar a fábrica com a crise abordada na notícia. Por isso, principalmente, tem o eng? António Carvalho, como leitor e como responsável da Friedrich Grohe Portugal razão, e direito a um pedido de desculpas.
Uma imagem vale por mil palavras? Talvez haja, assim, uma razão acrescida para redobrar os cuidados na sua escolha, principalmente quando essa imagem possa ser conotada com algum factor negativo.

Caixa baix@

Vários leitores (Carlos Ramalhão, de Ovar; José Manuel Resende Palha, do Porto; e Joaquim Rogério Leitão) repudiam, indignados, o título da notícia de abertura de ?Sociedade? de 12 do corrente. O texto dá conta da prisão do fundador da Igreja Khárisma, mas o título chama ao detido, Leonel Ferreira, ?Padre Leonel?. Protestam os leitores que ?padres? são tão-somente os sacerdotes católicos. E têm razão! Mas, há algum excesso na reacção; na primeira página, no pós-título da notícia, na legenda da foto, no título do caixilho e até no ?lead? da notícia (primeiro parágrafo) é dito, claramente, que se trata de um pastor evangélico. Mas que o erro (porque de um erro se trata) era desnecessário, lá isso era!

O condutor de um automóvel que atropelou, sem gravidade, um homem que atravessava a VCI (onde, como se sabe, não podem circular peões), sente-se ?tratado como um criminoso?, já que, em notícia publicada na página 6 da edição de quarta-feira passada, lhe divulgam o nome e a idade. ?O indivíduo atravessa aquela via rápida como se fosse numa passadeira, e aparece como vítima? A vítima fui eu, que ainda por cima fiquei com os prejuízos no carro!?.

Claro que não só os criminosos vêem o seu nome no jornal. Nem sabe o leitor aquilo de que alguns são capazes só para consegui-lo! Mas que foi um excesso que em nada enriqueceu a notícia, foi.

… E também era desnecessária a notícia do suicídio de um toxicodependente, em Montemor-o-Novo, publicada em ?País? a 2 deste mês. Ainda por cima, o jovem foi identificado. Um suicídio (salvo raríssimas excepções) é um drama demasiado íntimo para ver a luz da publicidade. A dor daquela família já é tão grande!

O Provedor entra de férias hoje, e, portanto, este diálogo com os leitores é interrompido durante o mês de Agosto. O correio pode continuar a ser enviado. Atenção, porém, ao endereço electrónico: depois de ?provedor? ou de ?fmartins?, já não se escreve ?JNotícias.pt?, mas sim ?jn.pt?."