Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"Hoje as notícias não se medem a palmo", copyright Jornal de Notícias, 6/10/02

"Diz o povo, na sua sabedoria mil vezes experimentada, que com o tempo se mudam as vontades. E se o aforismo alude, frequentemente, às mudanças aliadas à alternância de poderes (quaisquer que eles sejam), encontra igual valimento se ligado à evolução das sociedades, dos gostos que lhes são induzidos — primeiro feitos moda e depois tornados rotina.

O jornalismo não é excepção às alterações que representam, algumas vezes, profundas mudanças de critérios.

Há não muitos anos, o tamanho de uma notícia (o seu comprimento, a largura do título, a área ocupada pela ilustração fotográfica), a página em que era inserida e até o seu posicionamento na página estavam na razão directa da importância do acontecimento que lhe dera origem. Isto para não falar, já, de outros princípios que fizeram uma época mas que determinavam, igualmente, o destaque de uma peça jornalística. Estou a falar, nomeadamente, de se tratar ou não de uma ?cacha? (notícia exclusiva), ou de a reportagem estar a cargo de um enviado especial.

As crises diversas que os ?media? vêm atravessando, e, entre as causas dessas mesmas crises, a concorrência dos audiovisuais (principalmente da Televisão) à imprensa, introduziram alterações profundas na generalidade dos jornais. Dir-se-ia que, incapazes de encontrar o seu próprio caminho, os jornais preferiram a aproximação às televisões. E optaram, muitos deles, pelo predomínio da imagem sobre a escrita, num fenómeno cuja análise ultrapassa o espaço disponível nesta página e até o seu objecto.

Muitos chamam ao novo figurino a tabloidização da informação ? o que quer que isso seja!

A verdade é que, da mesma forma que hoje já quase ninguém se espanta que um telejornal abra com a saída da Cinha Jardim da casa do ?Big Brother?, como se de um acontecimento nacional se tratasse (e o pior é que se calhar é mesmo…) também hoje já ninguém repara que duas ou três páginas nobres de um jornal sejam ocupadas com um ?dossier? (desculpem, leitores, mas ainda não aceito o novo grafismo) sensaborão e enfadonho. Sem relevância jornalística.

É hoje já frase feita que ?primeiro estranha-se e depois entranha-se?… Alguns, porém, ainda não entranharam aquilo a que muitos jornalistas chamam a ?ditadura do grafismo?. É o caso, por exemplo, de Mariana dos Reis Alpoim, de S. João da Madeira; de António de Lima Pacheco Reis, de Vila Nova de Gaia; e de Jorge Sousa Cruz, das Caldas da Raínha.

Os três leitores estranham não tanto a notícia dada a 5 de Setembro da abertura de uma loja de sexo em Braga mas acima de tudo a dimensão dada ao tratamento do tema. Surpreende-se António Reis:

?A cidade de Braga, pelo seu dinamismo, população e importância local e regional, teria. com certeza, nesse dia, assuntos bem mais importantes a tratar, mas o JN dedica uma página inteira a um tema que, convenhamos, nada tem de especial ou inédito, se não fazer publicidade a um estabelecimento que acaba de abrir?.

Mariana Alpoim discorda do ?tamanho desenvolvimento, com fotografias dos produtos que lá se vendem!? concluindo que a notícia em causa, tal como foi publicada, não se coaduna com a imagem que tem de um JN ?sério, independente e seguidor de critérios morais?.

A posição de Jorge Cruz é de incredulidade e ofensa:

?Ainda que fixado nas Caldas, sou bracarense pelo nascimento e pelo coração e, devo dizer-lhes que me senti insultado. Uma vez que não aceito que um jornalista tenha horizontes tão curtos que veja numa ?sex-shop?, hoje em dia, uma notícia, só me resta pensar que quiseram chamar aos bracarenses uns parolos, que só agora têm uma casa dessas na cidade. Por amor de Deus, Braga é, hoje, o mais jovem concelho da Península e um importante pólo universitário e cultural do país. Já vai muito longe o tempo em que a conheciam como cidade dos três ?pês? que eu me dispenso de especificar. Era o tempo da falsa moralidade da cidade dos arcebispos! Tenham respeito e um pouco de senso. Uma página inteira?!?

Indo ao encontro das considerações de Jorge Cruz, diria o Provedor que justamente a circunstância de uma cidade universitária e tão jovem só agora ter assumido a audácia de abrir uma loja de sexo pode marcar, de certa maneira, o peso que, ainda hoje, a tradição eclesial de Braga representa. E, pelo menos nessa perspectiva, temos notícia mesmo. Que o destaque que o tema mereceu é excessivo?

Naturalmente que estamos perante uma questão de critério, e os critérios jornalísticos vêm sofrendo, de facto, grandes mudanças.

O Provedor considera, também, desmedida a dimensão dada à notícia — principalmente na forma com que foi editada: superficial, ao estilo ?fait divers?. E a verdade é que, pouco tempo depois, o mesmo assunto, tratado com a mesma ligeireza e com destaque semelhante, era tema da ?carta? de Aveiro.

Critérios

É de uma opção bem diferente que se queixa Manuel Ramos da Silva, do Porto.

De férias na região Centro, durante dois anos, teve, segundo afirma, grande dificuldade em encontrar a edição do JN que se vende no Norte. Contactou, em Agosto passado, a sede do nosso jornal, e informaram-no de que ?de Condeixa para Sul teria de comprar a edição de Lisboa?. Descontente, passou a comprar outro jornal.

A opção pelas edições múltiplas está longe de ser uma novidade, e é cada vez mais um caminho dos jornais que, um pouco por todo o mundo, entenderam a importância da informação regional.

No caso português, e mais concretamente no do JN, é natural que as regiões a sul do Mondego não sintam um apetite particular por uma edição que desenvolve de forma especial o noticiário do Norte. Indo, pois, ao encontro das preferências de potenciais novos leitores, enveredou o ?Jornal de Notícias? pelo modelo das edições múltiplas, que consiste na substituição de algumas páginas de noticiário regional e local e de desporto, por outras que vão ao encontro dos interesses de outras populações. É uma fórmula de sucesso na vizinha Espanha e em França, nomeadamente. Poderá sê-lo também em Portugal, ainda que as expectativas devam merecer a salvaguarda da dimensão do território nacional no seu todo…"