Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"Entrevistas telefónicas podem tornar-se traiçoeiras!", copyright Jornal de Notícias, 29/6/03

"Um pequeno ?ruído? não detectável pode levar jornalista à cumplicidade involuntária…

A dois dias da véspera de S. João, a polémica sobre a Casa da Música estava ao rubro. A entrevista de Pedro Burmester ao JN fôra pretexto e suporte de reacções decerto recalcadas ao longo de muitos diferendos não assumidos ? e que então (como agora) tomaram a forma da exigência da ?cabeça? do concertista.

Foi então que, inseridos em duas páginas que davam conta dos últimos desenvolvimentos de um diferendo que, claramente, extravasara o domínio e os interesses da Cultura portuense e nacional, o ?Jornal de Notícias? tornou públicos os pareceres de cinco personalidades ligadas à música sobre as possíveis consequências do afastamento de Pedro Burmester.

Entre eles o ?depoimento? de Helena Sá e Costa, pianista emérita e professora de gerações de músicos que a fama consagrou.

O problema é que, no mesmo dia (21 do corrente), Helena Sá e Costa exigia um esclarecimento, em que afirmava que não falara com nenhum jornalista e em que, contrariando o conteúdo das frases que lhe haviam sido atribuídas, afirmava a sua convicção de que ?Pedro Burmestar tem tido um desempenho imprescindível, e que deve continuar?.

A rectificação foi publicada no dia seguinte, com uma nota da Redacção em que se dizia que um jornalista telefonou para casa da pianista, que foi atendido por uma voz feminina que se identificou como sendo Helena Sá e Costa ? a mesma voz que explicitou as declarações publicadas na véspera.

Dois leitores, Américo Valverde e João Canha Mendes, o primeiro de Gaia e o outro do Porto, reagiram de imediato junto do Provedor ? ambos afirmando que, no fundo, o JN deixara aos leitores o juízo da credibilidade e da subsequente verdade, e que entre a palavra do jornalista e o perfil de ?uma senhora de corpo inteiro? como Helena Sá e Costa, a escolha era indubitável a favor da música. Porém, no decurso do diálogo travado com o Provedor, um e outro admitiram a hipótese de o jornalista ter sido enganado por uma terceira pessoa não identificada ? eventualmente sem qualquer intenção de ludíbrio.

Américo Valverde, no entanto, pergunta como é possível que um jornalista que tinha por missão ouvir Helena Sá e Costa sobre Burmester não soubesse que o concertista é, justamente, o discíplo dilecto da professora de piano. ?Porque, se soubesse, de imediato punha em dúvida que as declarações fossem da mãe profissional de Pedro Burmester?, estranha o leitor de Gaia.

A questão que o incidente (antes mesmo da reacção dos leitores) levanta é esta: fica em causa o recurso ao telefone (e porque não ao ?e-mail?) como meio de obter declarações ou elementos para notícia?

O telefone é desde sempre um suporte de comunicação falível em termos de credibilidade da mensagem: não só por incapacidade de prova iniludível da identidade do interlocutor, como por impossibilidade de detecção da de qualquer ?ruído? perturbador da clareza da mensagem.

A rapidez e a facilidade de comunicação são uma arma de dois gumes que tanto pode ferir o emissor como o receptor.

Se o jornalista, salvo os casos em que conhece muito bem aquele a quem se dirige (distingue-lhe com clareza a voz e sabe, de uma forma geral, como pensa sobre o assunto em questão) não tem garantias de estar a a dirigir-se ao destinatário das suas questões, como pode também o interrogado ter a certeza de que está a falar com um jornalista?

Pensa o Provedor (opinião, aliás, partilhada por diversos outros profissionais com quem debateu o assunto ? entre eles o Presidente do Sindicato dos Jornalistas), que a facilidade que o telefone proporciona está, vezes de mais, a colocar em risco desnecessário a segurança da informação. Aliás, se os elementos de notícia (qualquer que seja a forma de recolhê-los) devem, sempre, ser cotejados junto de outras fontes ? as declarações obtidas por telefone deveriam ser identificadas como tal, permitindo ao leitor atribuir-lhes um grau de credibilidade.

Não pode, em consciência, aconselhar-se os jornalistas a não utilizarem o telefone na recolha de declarações. Mas, sempre que o façam, devem estar conscientes da fragilidade do meio e dos riscos que correm: ficam, inclusivamente, mais vulneráveis a que o entrevistado garanta quem nem foi ouvido…"