Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fernando Segismundo

ROBERTO MARINHO (1904-2003)

"Sintonia com os movimentos da mídia", copyright Jornal do Brasil, 8/08/03

"O jornalista Roberto Marinho foi um dos maiores representantes da vanguarda empresarial brasileira no setor da comunicação. O Globo é exemplo dos maiores. Ainda vacilante nos seus primeiros dias de existência, acabou por ser, como é, uma das maiores expressões da imprensa continental. Outra mostra da capacidade de imaginar e fazer de Roberto Marinho é a televisão, de ampla influência social.

Deve louvar-se em Roberto Marinho sua perfeita sintonia com o progresso da mídia. Seus jornais, o rádio e a televisão que instituiu resultaram todos vitoriosos, e mais: utéis e indispensáveis à informação, à cultura e à conduta comunitária.

Roberto Marinho visou sempre ao engrandecimento do País. Sua obra continuará a frutificar em mãos dos filhos e colaboradores. Notória foi sua atuação contra a atividade comunista no país, porém, não menos notório foi seu combate ao Integralismo.

Foi um dos maiores animadores da participação no Brasil no conflito mundial (1939-1945). Em dado momento, a fim de levar a palavra dos pais aos pracinhas em guerra na Europa, ele fundou um pequeno jornal, o único mandado regularmente para o front. Era O expedicionário. Ele foi um único empresário a quem ocorreu essa boa idéia de acalentar nossos soldados.

Não será demasia recordar que Roberto Marinho, democrata que era, sabia entender e proteger os jornalistas de O Globo acusados de extremismo. Como sabido, ele enfrentou até uma autoridade ministerial, Juracy Magalhães, que pretendia fazer uma ?limpeza?na redação de seu jornal. Ele, mesmo amigo de Marinho, foi repelido. O jornalista preferiu defender seus funcionários e sempre os manteve imunes às represálias oficiais.

A despeito de sua admiração pela ditadura militar, que ajudou a galgar ao poder, sempre teve atitudes democráticas e procurou atenuar certas exigências dos revolucionários.

Devemos também recordar a participação direta de Marinho e de seus veículos informativos na difusão, na melhoria do panorama artístico-cultural. Muitas iniciativas saíram de sua imaginação. Na concepção do Museu de Arte Moderna, no Aterro, ele teve papel significativo. Cobrou de seus repórteres uma atenção permanente às atividades ali desenvolvidas. Cabe acrescentar o significativo impulso que deu à educação à distância a partir de sua rede de TV.

Ele, de tal modo soube estruturar suas iniciativas, que elas aí estão, vivas e atuantes. Quantas outras, de origem diferente, já não existem. As de Roberto Marinho progrediram. Como de resto, colheu êxitos em outras áreas que o sensibilizaram."

 

"Morre aos 98 anos o empresário Roberto Marinho", copyright O Estado de S. Paulo, 7/08/03

"Proprietário da mais importante emissora de televisão da América Latina e uma das cinco maiores do mundo, morreu ontem no Rio, aos 98 anos, o empresário Roberto Marinho. Vítima de edema pulmonar provocado por uma trombose, Roberto Marinho foi levado ao Hospital Samaritano, na zona sul do Rio, pela manhã. Ele morreu durante a cirurgia, iniciada por volta das 21h30, na qual a equipe chefiada pelo médico Marcus Túlio Haddad tentou dissolver o coágulo.

Com a morte de Roberto Marinho, foi-se o mito do jornalista e empresário que costumava falar do futuro com um surpreendente condicional.

?Se algum dia eu vier a faltar?, dizia ele em reuniões com os filhos e os executivos das Organizações Globo, repetindo uma frase que, embora de comprovada autenticidade, acabou caindo no folclore. Tanto a frase como a história das tartarugas, esta sim anedótica. Ao saber que as tartarugas que um amigo lhe oferecia tinham uns 30 anos e poderiam viver mais uns 50, desistiu de levá-las para casa, porque não queria aborrecimentos. ?Eu me apego muito a esses bichinhos, vou sofrer quando eles morrerem?, alegou o Doutor Roberto, agradecendo o presente.

Homem de passado atlético e desportista de várias modalidades, do hipismo ao boxe, da natação à caça submarina, Roberto Marinho preservou uma saúde invejável até havia pelo menos quatro anos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que o diga. Na inauguração das instalações da Rede Globo em São Paulo, na manhã de 29 de janeiro de 1999, os dois subiram juntos quatro lances de escadas do prédio, dispensando o elevador para conhecerem melhor cada andar. Quando chegaram ao último degrau, Fernando Henrique pôs a mão no peito e respirou para tomar fôlego. ?Tudo bem, presidente??, indagou Roberto Marinho, segurando o ombro do convidado. Testemunhas da cena, os filhos do jornalista ficaram orgulhosos da disposição que ele ainda esbanjava, aos 94 anos de idade e 74 de trabalho.

A resistência não era a mesma nos meses seguintes, mas a rotina continuou quase inalterada. Enquanto os médicos deixaram, Roberto Marinho fez questão de passar todos os dias pelas duas salas de comando de seu império no Rio – a redação do jornal O Globo, no Bairro do Estácio, pela manhã e a diretoria da TV Globo, no Jardim Botânico, à tarde. Não dirigia mais as empresas, como antes, mas ouvia com interesse informações sobre o que estava acontecendo.

Na noite de 3 de dezembro de 2000, por exemplo, ele comemorou seu 96.? aniversário com uma festa organizada por sua terceira mulher, Lily, com quem se casou em 1989. No réveillon, voltou a receber os amigos em sua mansão do Cosme Velho. Dois anos depois, não conseguia mais conversar, embora reconhecesse os amigos e demonstrasse alegria pela sua presença. Não deixou de receber amigos em mais uma festa de aniversário, mas não parecia estar bem fisicamente. A cabeça estava confusa. Misturava os assuntos, repetia os casos, insistia nas mesmas perguntas. E assim foi nos meses seguintes.

Anos 60 – ?Era uma pena, pois o Doutor Roberto era um homem afável e bem educado, com quem dava gosto trabalhar?, disse o jornalista Carlos Tavares, não o parceiro de mergulhos de caça submarina, mas o seu xará, o editor-chefe que dirigiu O Globo entre 1964 e 1968, nos primeiros anos do regime militar. Naquela época, como fazia desde 1926, quando perdeu o pai, Roberto Marinho chegava à redação por volta das 10 horas e só ia para a casa no comecinho da noite. Como a televisão estava apenas começando, não costumava passar por sua sede, onde despacharia mais tarde. Sua paixão era a notícia, das sugestões de assuntos à decisão da manchete da primeira página. Roberto Marinho era um profissional. Começou como paginador, trabalhando nas oficinas de A Noite, o jornal que seu pai, Irineu Marinho, abriu em 1911, bem antes de lançar O Globo em 1925.

Quem conviveu com Roberto Marinho, como Carlos Tavares e Walter Fontoura, ex-diretor da sucursal do jornal carioca em São Paulo, não economiza adjetivos para elogiar a maneira pela qual tratava os subordinados. ?Quando O Globo se referia a ele como ?nosso companheiro Roberto Marinho, diretor-redator-chefe de O Globo?, isso não era exagero nem força de expressão, pois de fato era um companheiro, mesmo em relação a pessoas com as quais não tinha convívio mais próximo?. Durante a ditadura, defendeu, por exemplo, o articulista Franklin de Oliveira, quando o nome dele apareceu entre os primeiros cassados. ?Em meu jornal, quem manda sou eu?, reagiu, ao ouvir do chanceler Juraci Magalhães a insinuação de que os ?agitadores de opinião? deveriam ser banidos da redação.

?Doutor Roberto era um homem de total confiança, que só dizia o que a gente devia saber, porque não desperdiçava palavras?, disse Walter Fontoura. Era também muito reservado, de só revelar seus segredos a um círculo muito reduzido de confidentes. Se ia viajar, não costumava avisar nem as secretárias. Fontoura recorda que, certa vez, Roberto Marinho não contou que ia almoçar com os Magalhães Pinto, quando o gerente financeiro de O Globo o procurou para sugerir um contato com os donos do Banco Nacional. Corria o boato de que o Nacional ia quebrar e o gerente achava que o jornal deveria fechar sua conta no banco. Doutor Roberto foi contra a sugestão e nada fez para facilitar o encontro. A falência dos Magalhães Pinto só ocorreu muitos anos depois.

Como profissional, o dono das Organizações Globo sabia o que era notícia. ?O que você está pensando para manchete??, perguntava ao editor da primeira página, telefonando sempre por volta das 21h, depois de ver o Jornal Nacional e de jantar com a família em casa. Queria saber, principalmente, se havia um bom caso de polícia. Para ele, jornal tem de ser informativo, com assuntos que interessem a todo tipo de leitor. Com freqüência, passava notas exclusivas. Quando José Sarney escolheu Mailson da Nóbrega para ministro da Economia, Roberto Marinho ligou para a redação e mandou publicar a informação. Ele havia sabatinado Mailson em Brasília, depois de o presidente haver pedido sua opinião sobre a escolha. Como gostou do candidato, telefonou ao presidente para dizer que era um bom nome.

O fato de seu jornal haver-se adiantado ao Diário Oficial nesse episódio reforçou a crença de que o dono das Organizações Globo mandava e desmandava no governo. Exageros à parte, é certo que os governantes procuravam estar bem com ele. De Getúlio Vargas a Fernando Henrique Cardoso, todos os presidentes da República dos últimos 70 anos aproximaram-se dele. Diante da insinuação de que se aproveitara de seu prestígio para expandir a rede de televisão durante o regime militar, Roberto Marinho reagiu com um argumento irrefutável. ?Só recebi duas concessões, uma do Juscelino (Kubitschek), que O Globo atacava, e a outra, do outro adversário, o Jango Goulart?, declarou em entrevista ao Estado, em maio de 1990.

Para montar a TV Globo, Roberto Marinho associou-se ao grupo norte-americano Time-Life, que entrou na parceria com US$ 4 milhões. Seus adversários, em especial Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, fizeram tanto barulho contra ele, acusando-o de estar cometendo um crime contra os interesses nacionais, que conseguiram a abertura de uma CPI para investigar o contrato.

Nada se apurou de irregular. Três anos após o negócio, Roberto Marinho pagou a dívida, que já chegava, com os juros, a US$ 5,797 milhões. Queria uma televisão que fosse só dele. Nem os irmãos, Ricardo e Rogério, que eram diretores de O Globo, entraram no negócio. Até que foram convidados, mas não quiseram entrar.

Roberto Pisani Marinho nasceu numa casa modesta do bairro do Estácio, no Rio, em 3 de dezembro de 1904. Antes de completar 20 anos de idade, já trabalhava nas oficinas e na redação de A Noite, aprendendo a profissão na prática, pois chegava de madrugada e passava o dia inteiro no jornal, sem tempo para estudar. Tinha 21 anos e era secretário do pai, em 1925, quando Irineu Marinho morreu de repente, apenas 25 dias após o lançamento de O Globo. Na entrevista que deu ao Caderno 2, em 1990, Roberto Marinho lembrou como ocorreu a morte, uma tragédia para a família e para o jornal ?Às 6 horas da manhã, um pânico na minha casa. Papai tinha pedra nos rins, além de outros problemas, e tomava banhos quentes. Minha mãe estava aos gritos, porque ela costumava encontrar a porta do banheiro aberta. Mas, como eram 6 horas da manhã, papai ficou com medo de que alguma criada entrasse e trancou a porta. Botei uma cadeira e pulei pela bandeira da porta. Fui ao chão, me escorando. Papai estava morto na banheira. Foi uma coisa completamente inesperada. Mamãe quis que eu assumisse a direção de O Globo.

Eu disse não, achava que tinha poucas condições. Indiquei um diretor. Seis anos depois, esse rapaz morreu e eu assumi.?

Para quem começou assim, nada mais sugestivo do que o título Condenado ao êxito, que ele pretendia dar a uma autobiografia, que acabou não escrevendo.

No livro, Roberto Marinho contaria como chegou, em sete décadas de trabalho duro, ao sucesso de uma holding que atravessou a virada do século com mais de cerca de 15 mil funcionários e faturamento de aproximadamente US$ 2 bilhões. Sua fortuna pessoal, segundo as revista Forbes, soma outros US$ 2 bilhões. O foco inicial de seus negócios foi o jornal. ?Quando achei que O Globo estava firmado, fiz a Rádio Globo?, disse ele na entrevista ao Estado.

A terceira etapa só veio mais de 30 anos depois. ?Eu era muito inconformado com as televisões no Brasil, achava as televisões muito fracas, e resolvi fazer a TV Globo.?"

 


"?Nosso companheiro?", copyright Folha de S. Paulo, 8/08/03

"Dois mantras pontuaram o discurso de apresentadores e entrevistados ao longo do noticiário sobre a morte de Roberto Marinho apresentado desde a noite de quarta pela TV Globo e, em versão estendida, pela Globo News.

O primeiro foi a descrição do presidente das Organizações Globo como um ?jornalista acima de qualquer outra qualificação?. A idéia, cultivada em vida pelo próprio personagem da notícia, ganhou variantes como ?jornalista maior que o empresário? e, nas palavras de mais de um apresentador, ?nosso companheiro, jornalista Roberto Marinho?.

O segundo mantra foi a observação de que o biografado, ?homem à frente de seu tempo? e dotado de ?fôlego de jovem?, criou a Rede Globo quando já tinha mais de 60 anos, ?idade em que as pessoas pensam em se aposentar? -na rádio CBN, pertencente ao grupo, a comentarista Miriam Leitão aproveitou a deixa para fustigar servidores públicos contrários à reforma da Previdência.

Em regra, obituários de pessoas importantes tendem à santificação. Como Roberto Marinho foi bem mais do que importante, não era de esperar que sua própria TV se contivesse nos elogios.

Ainda assim, os homens e mulheres de preto espalhados pela grade de programação se excederam um pouco. No ?Bom Dia Brasil?, Alexandre Garcia chegou a prever que os ?representantes do povo? suspenderiam ontem suas ?divergências [sobre as reformas] em nome da unanimidade? em torno do dono da Globo.

Suspensas ou não as divergências, a repercussão da notícia reuniu políticos dos mais variados matizes, amalgamados, no ?Jornal Nacional?, com empresários, intelectuais e principalmente artistas. Do presidente da República à protagonista da ?novela das oito?, boa parte do Brasil que o telespectador reconhece desfilou ontem pela cobertura, o que diz bastante sobre o significado nacional da Globo e de seu criador.

Cabe observar ainda que, na noite de quarta-feira, a emissora deixou a impressão de ter sido quase tão surpreendida quanto o restante da mídia pelos acontecimentos. Ana Paula Padrão atrapalhou-se na primeira entrada, levada ao ar no intervalo do jogo. Mais tarde, o pré-gravado Jô Soares abriu seu programa com piadas sobre a tradição dos minutos de silêncio – pouco antes, os jogadores haviam feito um em homenagem a Roberto Marinho."