Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Festa com sentido, o sentido de uma festa

PROJETO & REALIDADE

Alberto Dines

OITO anos de existência do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (LabJor) da Unicamp, SEIS anos de edições periódicas do Observatório da Imprensa online, QUATRO anos de emissões semanais pela TV do programa de mesmo nome e, agora, a criação do ProJor ? Instituto Para o Desenvolvimento do Jornalismo. Tudo em abril, com uma diferença de cinco dias por conta do primeiro programa de TV ? que foi ao ar em 5 de maio de 1998 mas que teve seus pilotos produzidos também em abril.

Nesses anos, apenas uma baixa: a versão impressa do OI, um boletim mensal de 16 páginas, com 4 mil exemplares de tiragem e distribuição gratuita, que começou a circular em julho de 1997 e foi descontinuado em fevereiro de 2000, depois de 29 edições, por falta de patrocínio.

Este Observatório começou como sonho de um punhado, converteu-se em realidade com a entrada de outro punhado, multiplicou-se graças a adesão das primeiras levas de usuários da internet e, em seguida, espraiou-se pelo Brasil afora graças à participação entusiasmada dos telespectadores de todo o país, sedentos por um programa que os tratasse como cidadãos pensantes.

Ainda em 1993, quando começaram as negociações com o então reitor da Unicamp Carlos Vogt, premissas e objetivos estavam perfeitamente delineados.

Constatação
básica
? A mídia, inflada de arrogância com a
derrubada de Fernando Collor de Melo, fascinada com as bolhas emitidas pelos
EUA (também pela Europa rica) e orquestrada por um bando de "consultores"
estrangeiros interessados em mercantilizar e canibalizar nosso processo jornalístico,
degradava-se a olhos vistos. O marketing imperava, o USA Today era paradigma,
os colecionáveis preocupação dominante (mesmo que os novos
leitores jogassem no lixo o jornal) e uma geração de jornalistas
experimentados dispensada porque sabia dizer "não".

Objetivos do
projeto

? Atuar simultaneamente a) na formação
profissional, b) no mercado e, c)
junto à sociedade, motivando-a para exigir mais da sua imprensa. Recuperar
em todos os níveis a noção de excelência em jornalismo.

Ferramenta
? Uma universidade pública e inovadora, não-corporativista,
capaz de tirar os olhos do umbigo e arregaçar as mangas para desafios
externos.

Antecedentes
? Em 1985, o então reitor Paulo Renato Souza, da Unicamp,
pediu ao jornalista Cláudio Abramo que coordenasse um programa de pós-graduação
em jornalismo voltado para a profissionalização. Como a universidade
recusara-se a embarcar na proliferação dos cursos de graduação,
começaria de cima para baixo evitando os vícios de outros centros
de ensino públicos no Rio e em São Paulo. Abramo procurou alguns
jornalistas entre os quais Carlos Alberto Sardenberg e este Observador. Morreu
prematuramente, em parte de desgosto diante do quadro lamentável da imprensa.

Fundação
? Num encontro em Lisboa, o reitor Vogt entusiasmou-se com a possibilidade
de retomar o projeto e colocou-o em movimento. Em abril de 1994, criava-se na
Unicamp, no âmbito do Nudecri (Núcleo de Desenvolvimento e Criatividade),
o Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo (LabJor). Coordenação
de Carlos Vogt e participação dos pesquisadores seniores José
Marques de Mello e este Observador. Apoio decidido dos professores João
Quartim de Moraes (diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas),
Geraldo Da Giovanni, Ítalo Tronca, Marisa Lajolo, César Ciacco,
Renato Sabatini, João Tojal e do jornalista Eustáquio Gomes.

Evento fundador
? "A Imprensa em Questão", seminário realizado
no campus da Unicamp de 12 a 14 de abril de 1994, já na gestão
do reitor José Martins Filho e com a participação de jornalistas
de todo o país (inclusive brasileiros que viviam no exterior), professores,
publicitários, empresários, altos executivos, lideranças
sindicais, críticos e primeiros Ouvidores, estudantes de Campinas, de
São Paulo e com apoio da Federação Nacional dos Jornalistas
(Fenaj) e da Associação Nacional de Jornais (ANJ). Os anais foram
publicados no livro A Imprensa em Questão, 181 pp., Editora Unicamp,
Campinas, 1997. A Imprensa dispunha-se a ser questionada
pela sociedade. Pela primeira vez.

Este seminário repetiu-se em 1996 na sede da Fiesp, em São Paulo, com a condução do falecido jornalista Jorge Escosteguy. Nesta oportunidade, também com a participação da Fenaj e da ANJ, discutiu-se pela primeira vez as alterações no artigo 222 da Constituição, que limitava a participação de pessoas jurídicas e do capital estrangeiros no controle acionário dos meios de comunicação no Brasil.

Ações
acadêmicas
? Seminários-piloto na Unicamp: "Jornalismo
& Saúde", "Jornalismo Cultural" e "Jornalismo
Esportivo" (este no formato de curso de extensão, com duração
de três meses, em colaboração com a Escola de Educação
Física); e o seminário para professores de jornalismo de todo
o país que, pelo entusiasmo despertado, acionou importantes iniciativas
voltadas para os docentes. A culminação deu-se através
do curso de mestrado em Jornalismo Científico (lato sensu, três
semestres, parceria com o Instituto de Geociências), do qual resultou
a revista online ComCiência <http://www.comciencia.br/>.
Em 2003 começará a terceira edição do curso [mais
informações no sítio do LabJor em <www.uniemp.br/labjor>].
Balanço do primeiro biênio em A Imprensa em Questão (obra
citada, págs. 177-180).

Ações
junto ao mercado
? Recém-criado, o Labjor era convidado pelo
Banco do Brasil, em novembro de 1994, para organizar um seminário para
o aperfeiçoamento do seu pessoal na área de comunicação
e marketing. O projeto, hoje incorporado ao calendário interno da área
de treinamento, já produziu sete edições anuais com três
anais.

Ação
internacional
? A fundação, em Lisboa, do Observatório
da Imprensa, em 1994, por um grupo de jornalistas portugueses (encabeçados
por Joaquim Vieira, Maria Tereza Moutinho e Rui Paulo Cruz) e a participação
deste Observador permitiram que o projeto do Labjor ganhasse dimensão
ultramarina aproveitando-se da criação recente da Comunidade dos
Povos de Língua Portuguesa (CPLP). Em 1994, realizava-se no Rio (em parceria
com a revista Imprensa), o II Congresso Internacional de Jornalismo de
Língua Portuguesa, que contou com a maior delegação de
jornalistas lusos jamais vinda ao Brasil. Seguiram-se em ritmo quase bienal
os Congressos de Lisboa, Macau e Recife (os dois últimos sem a participação
da citada revista).

Braço
público
? As ações na área acadêmica
e empresarial reclamavam a terceira meta do projeto, a
mais importante sob o ponto de vista político e social: a integração
da sociedade (e portanto do destinatário do processo jornalístico)
na discussão sobre a qualidade da informação oferecida
pelos veículos.
Descartada a idéia inicial de um veículo
impresso, o pesquisador Mauro Malin (integrado ao Labjor em 1995) sugeriu a
internet que, naquele momento, engatinhava no Brasil. O Instituto Universidade-Empresa
(Uniemp), então dirigido por Carlos Vogt, ofereceu-se como hospedeiro
do sítio e seu representante legal. A primeira edição do
Observatório da Imprensa online é de abril de 1996. No
início sem periodicidade, adotou o ritmo quinzenal e, posteriormente,
semanal. Redator-chefe: Mauro Malin (hoje consultor editorial), substituído
em março de 1999 por Luiz Egypto de Cerqueira, então editor da
versão impressa do OI. Na coordenação de projetos
especiais, Paulo Nassar.

Nome e conceito
? Ao título Observatório da Imprensa cedido pelos
parceiros portugueses acrescentou-se uma idéia-força, conceito
nuclear e inovador: a observação como forma
de atuação, a observação como intervenção,
a observação como estímulo para promover a excelência.
Jornais e jornalistas sabendo que são observados e comentados
por um grande público naturalmente se conscientizarão para o problema
da qualidade.

Resposta ?
Extraordinária recepção, em pouco tempo a versão
online do OI estava integrado à intranet de importantes veículos,
acompanhada e discutida nas redações de todo o país. A
participação (às vezes furiosa outras até muito
educadas) de editores ou diretores de redação e o incentivo anônimo
dos demais quadros profissionais comprovam que o OI veio preencher uma
necessidade premente ? a
crítica externa estimulando a discussão interna.

Formato fórum
? o Observatório funciona como um veículo jornalístico,
tem organograma, equipe, normas, procedimentos, colaboradores fixos e eventuais.
Não tem pauta nem opinião ? é a soma dos assuntos e opiniões
oferecidas por qualquer cidadão, desde que identificado e que, em termos
civilizados, discuta especificamente o desempenho da mídia sem
envolver-se na confrontação política e ideológica
que tanto compromete e torna suspeita a crítica da mídia nacional
.
Um jornal de debates. Sobre jornalismo [veja, nesta rubrica, a
matéria "obsimp@ig.com.br, para vibrar e sofrer"
].

Dois saltos
? No início de 1997, o jornalista Caio Túlio Costa, o grande
impulsionador do UOL, ofereceu o portal para hospedar o Observatório
? plataforma que o lançou o OI a patamares de audiência
até então inimaginados. Em julho de 2000 foi o OI "demitido"
do mesmo UOL em função de comentários aqui publicados sobre
o Grupo Folha, plenamente confirmados a posteriori. Em socorro do projeto
veio o iG, oferecendo hospedagem no seu portal e apoio material para ampliação
do projeto. Novo salto espetacular [veja matéria "Curva
de crescimento sustentado", nesta rubrica
].

Um mote
? De um leitor entusiasmado, Mauro Malin colheu o mote que não apenas
destina-se a animar o cabeçalho das edições e o fecho do
programa de TV, como converteu-se em expressão concreta do projeto. Você
nunca mais vai ler do jornal do mesmo jeito
é uma provocação
para estabelecer o salutar ceticismo. Duvidar faz bem
à sociedade, é instrumento democrático, forma de cobrar
e participar.

Na telinha ?
Partiu do jornalista Alexandre Machado, então diretor de Jornalismo da
TVE, a idéia de reavivar a tradição de programas sobre
mídia e jornalismo naquela rede. Proposta aceita desde que mantido o
nome Observatório da Imprensa e garantidas interação
e total independência. É freqüente o caso de programas que
criam seus sítios na internet ? o contrário é inédito.
Início das negociações no final de 1997, equipe montada
em fevereiro de 1998, programas-pilotos produzidos em abril e primeira edição
no ar em 5 de maio. Apresentadora: Luciana Villas Boas, substituída por
Carla Ramos e, em seguida, por Lúcia Abreu. Coordenadora de produção
desde o início: Zezé Sack. Editor executivo, desde o segundo semestre
de 1998: Eugênio Viola. Sucesso garantido a partir da decisão da
TV Cultura de São Paulo em retransmitir ao vivo: participação
simultânea de Brasília e eventualmente outra "praça"
(Belo Horizonte do início até agora, Porto Alegre na primeira
emissão, Fortaleza e Recife esporadicamente). Um fórum efetivo
e multiveicular com audiência nacional para discutir o desempenho da mídia.
Não há registro de experiências iguais no primeiro mundo.

Casa nova
? Nos últimos dias de abril de 2002 foi legalizado o ProJor ? Instituto
Para o Desenvolvimento do Jornalismo, com sede em São Paulo, montado
nos moldes de uma organização da sociedade civil de interesse
público, sem fins lucrativos, que substitui o Uniemp como proprietário
das marcas e abrigo legal. Os trâmites estenderam-se por 14 meses e foram
coordenados pelo jornalista José Carlos Marão, da equipe do OI.
Convênios estão sendo assinados com o mesmo Uniemp, representante
externo do Labjor, onde o projeto Observatório da Imprensa foi
concebido, desenvolvido e estimulado.

Os trancos
? Represálias pessoais contra os responsáveis pelo sítio
e o programa não seriam de estranhar. Faz parte do jogo (inclusão
em "listas negras" etc.). Embargo à menção do
nome do Observatório continua vigindo em alguns jornais, editorias,
cadernos ou colunas. Também faz parte. Não prejudicou; ao contrário,
deve ter ajudado. Violência institucional, clara
e inequívoca contra os veículos do projeto, apenas duas: a citada
"demissão" do UOL e o progressivo cerco ao programa por parte
da TVE-RS, de Porto Alegre, a partir da assunção do governador
Olívio Dutra, que certamente não soube e não sabe do que
foi perpetrado em seu nome.
Começou com uma tentativa de intervenção
na condução do programa a partir de veto ao nome de um profissional
que participava habitualmente nos estúdios de São Paulo. Depois,
manifestou-se por meio da exigência de escolher aquele que eventualmente
participaria dos debates nos estúdios da TVE-RS. Em seguida, pela ocupação
do estúdio por outro programa ao vivo. Completou-se escalada de arbitrariedade
com a retirada integral do Observatório da programação
daquela emissora pública. O cidadão gaúcho está
impedido de acompanhar na rede aberta os debates sobre a imprensa. A não
ser através de parabólica ou canais pagos. O crítico de
mídia local, embora instado e embora freqüentador periódico
deste Observatório, até hoje não se manifestou sobre
o assunto. Faz parte.

Valeu a pena?
? Está valendo. Como quer Fernando Pessoa, tudo
vale a pena quando a alma não é pequena.
O Observatório
deixou de ser a ação singular de um punhado de jornalistas e acadêmicos.
Cada vez mais plural e participativo, foi sonho, projeto e agora é realidade
instituída: este múltiplo aniversário o sugere [veja
matéria "obsimp@ig.com.br, para vibrar e sofrer", nesta rubrica
].
Mesmo desagradando ? e não poderia ser diferente
?, o Observatório faz parte da imprensa brasileira. Simplesmente
porque engajou-se na sua qualificação.

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