Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Festa de livros em Ribeirão Preto

AUTORES & LEITORES

Deonísio da Silva (*)

Chegou ao número oito e ao terceiro ano a revista O III Berro, editada em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, filha e herdeira de experiências jornalísticas que o falecido escritor João Antônio denominou muito criativamente imprensa nanica. Intelectuais da cidade e da região, senhores de uma conversa clara, amantes da irreverência editorial, divertidos, bem-humorados, fazem uma revista que elege, por exemplo, a cada número a anta do mês. O troféu deste número oito coube por unanimidade ao "ex-Kyoto Jorge W. Bush", cognominado "líder da UDR americana" e que "tem conseguido se superar na arrogância e na ignorância mundial". O expediente dá bem a idéia do espírito que preside à elaboração da revista. Ali aparecem, ao lado de conhecidas funções jornalísticas, os cargos de "palpiteira-mór" e "revisor ortográfico e gramatical". A palpiteira é Maria Clotilde Rosseti Ferreira. O revisor é Luiz Puntel, autor de livros infanto-juvenis e um dos escritores que consegue aliar qualidade de texto e bom desempenho nas vendas.

O número oito, o mais recente, estava sendo distribuído domingo passado, no encerramento da Feira Nacional do Livro, em Ribeirão Preto (SP), aberta dia 30 de agosto. Quanto a esse evento, melhor que falem os números. Eram esperadas cerca de 130 mil pessoas nos dez dias de programação. Vieram mais de 200 mil, que conviveram com milhares de livros e cerca de 250 autores, debatendo em painéis, simpósios, conferências e sobretudo no Salão de Idéias, o último dos quais discutiu a censura e chegou à eleição presidencial. Zuenir Ventura disse: "Dos três principais candidatos, pelo menos nenhum deles é corrupto, foi um avanço".

Os temas e problemas do último Salão de Idéias foram formulados pelo público, depois de rápido encaminhamento do jornalista Jorge Vasconcelos, coordenador de mão-cheia, fala suave e nenhuma intromissão. Ele e Claudiney Ferreira têm dado mostras de bom desempenho em Bienais do Livro e eventos similares, onde pontificam fazendo aquilo que Castro Alves recomendou: "ó bendito o que semeia/ livros, livros à mão cheia/ e manda o povo pensar". No rádio, no programa Certas Palavras, cujo arquivo está hoje na Unicamp, em Campinas, reuniram depoimentos de centenas de autores, entre os quais o do próprio Fernando Henrique Cardoso que ? de vez em quando esquecemos ? teve livro proibido e foi perseguido nos anos pós-64. O público leitor não esquece. E a censura foi o grande tema do encerramento.

A área de exposição dessa Feira do Livro a céu aberto estendeu-se por 16.000 m2. Mais de um hectare e meio para os livros! Se incluirmos os locais de apoio ao redor, foram 26.000 m2. Houve quase cem horas de palestras, debates e conferências. À disposição dos leitores, nos 2.200 m2 de estandes, o melhor que escritores e autores podem fazer para o público: 1.000.000 de exemplares. Em 2001, na primeira Feira do Livro, foram vendidos 200.000 exemplares. Apesar da crise, este ano foram vendidos ainda mais livros. No domingo, o escritor e editor Galeno Amorim, secretário municipal da Cultura, idealizador e principal artífice do evento, estimava que as vendas haviam dobrado. O mais importante, porém, eram outros dados: 65.000 estudantes, 160 horas de sessões de autógrafos, 70 expositores de todo o país, entre editores e livreiros, 1.000 atendentes.

Lugar da cidadania

Na última Bienal do Livro, em São Paulo, coordenava uma das mesas quando Ziraldo me convidou aos cochichos: "Vamos falar de Ribeirão Preto, Passo Fundo, Parintins, Gramado, do que andam fazendo as pequenas e médias cidades pela cultura!"

É interessante o que pode fazer um intelectual bem-intencionado e competente quando posto num cargo, apoiado por quem lhe credita uma função de confiança, pois é de confiança que se trata.

Porto Alegre não tinha uma Secretaria Municipal de Cultura antes do prefeito Alceu Collares. Ele nomeou o historiador Joaquim José Felizardo, sobrinho de Luís Carlos Prestes, para fundar a Secretaria e ser seu primeiro titular. Hoje aquela Secretaria é uma mais atuantes do Brasil.

A Cultura não pode e não deve ser submetida a interesses ideológicos e muito menos partidários. Evidentemente, tal conceito parece óbvio para todos. Na teoria. Na prática, as primeiras pastas destinadas a consolos de quem queria ministérios e secretarias mais centrais s&atildatilde;o justamente a da Cultura e a da Educação. Isso também está mudando no Brasil.

Ao encerrar os trabalhos, o secretário da Cultura Galeno Amorim desconcertou a todos com um número que resume sua luta: "O orçamento da Secretaria era de R$ 35 mil; a Feira arrecadou em apoios R$ 1,4 milhão". A iniciativa privada pode ser convidada, convocada e provocada pelo poder público. Em Passo Fundo (RS) como em Ribeirão Preto (SP), que hoje lideram os maiores eventos literários do Brasil, esses apoios, mais do que endossos, têm sido os pilares que os sustentam. E tais exemplos estão se espalhando por alguns municípios. O Brasil tem mais de cinco mil municípios. É ali que se exerce a cidadania. E sem palavra escrita, onde fica a cidadania?

(*) Escritor e professor da UFSCar, doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são Os Guerreiros do Campo e De Onde Vêm as Palavras