Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

FHC, os vagabundos e o jornalismo

Victor Gentilli

 

O

jornalista Roberto Pompeu de Toledo conseguiu uma façanha. Num livro-entrevista, com o presidente da República Fernando Henrique Cardoso, expõe as opiniões do presidente-sociólogo sobre o seu governo de forma clara, sistemática, didática e esclarecedora. É, como se diz no jargão, leitura obrigatória para quem quiser conhecer o pensamento de nossa mais importante personalidade política, que por esses acasos da vida, é sociólogo, gosta de explicar suas idéias e ocupa a presidência da República por mais de três anos.

Onde a façanha? No volume e na quantidade de argumentos, pensamentos, idéias, análises, senão novas, quase escondidas nos jornais.

Então o presidente-sociólogo não oferece aos jornalistas oportunidades para que suas idéias, pensamentos, concepções do Brasil e seus problemas sejam tornadas públicas? Quem buscar respostas apenas na leitura dos jornais, a resposta será um não quase unânime. A impressão é que o presidente articulado, com idéias, que conhece a realidade presente e tem propostas prefere ocultá-las em troca de factóides.

O presidente é esperto e não lhe falta manha e malícia no trato com os jornalistas. Suas falas oferecem manchetes, legendas, títulos, leads (para facilitar o trabalho dos jornais) e explicações (para vender seu peixe). Enfim, hábil, FHC prefere produzir discursos onde qualquer jornal ou revista encontra frases ao seu gosto para pinçar e editar. Em seu discurso no BNDES, o presidente até fugiu à regra e foi claro e preciso na explicitação de suas propostas de governo. Cometeu um único escorregão.

Pois todos os jornais, sem exceção, preferiram pinçar, numa exposição rica e esclarecedora, uma frase infeliz chamando os aposentados com menos de cinqüenta anos de vagabundos.

Jornalistas podem não ser vagabundos. Mas os jornais talvez tenham sido preguiçosos. Foi preciso que o ministro da cultura Francisco Weffort, que não é jornalista – e o jornalista Luís Nassif – informassem aos leitores da Folha que, naquele discurso em que o presidente da República chamou os aposentados de vagabundos, havia consistência e argumentos em defesa das ações do governo.

Pode-se gostar ou não. Pode-se concordar ou não. Da mesma forma que os jornais encontraram o “escorregão” e o elevaram à condição de manchete, poderiam também encontrar um arrazoado consistente e cumprindo seu dever de mediadores de informação para a cidadania informar aos leitores que aquele discurso não se limitava a uma agressão gratuita e infeliz àqueles que apenas fruíam seus direitos ou prerrogativas. Como o próprio presidente e vários de seus auxiliares.

Entre descontextualizar uma frase pinçada e publicar uma íntegra em corpo 8 que ninguém lê há um amplo espectro de alternativas. Boa parte delas chama-se apenas jornalismo.

 


Mauro Malin

 

D

iscordo do caro Victor Gentilli.

Os jornais não “pinçaram” uma frase de Fernando Henrique. Exploraram o fato de que presidente se expressou mal no BNDES, em 11 de maio. E, quando o fizeram, preparando as edições do dia 12, já o haviam feito as emissoras de rádio e televisão que acompanharam o balanço de governo. Eis a passagem:

“O valor médio dos benefícios da Previdência Social cresceu e tem que ser mantido. Para isto é preciso fazer a reforma, para que aqueles que se locupletam da Previdência não se locupletem mais, não se aposentem com menos de 50 anos, não sejam vagabundos num país de pobres e miseráveis”.

Evidentemente, FHC quis referir-se aos que, sem ter chegado aos 50 anos de idade, se locupletam. Seu foco estava nos espertos, nos vigaristas, nos que fraudam ou roubam a Previdência. Mas a declaração saiu ambígua, devido à seqüência das duas frases finais: “não se aposentem com menos de 50 anos, não sejam vagabundos num país de pobres e miseráveis”.

A Folha de S. Paulo veio com o título “FHC diz que aposentado antes dos 50 é ‘vagabundo’”. E forneceu um dado: “O total de aposentados e pensionistas do INSS com menos de 50 anos de idade era de 1.933.134 pessoas em dezembro de 1997”.

O Globo, que institucionalmente se arrepia só de pensar em oposicionismo a um governo como o de FHC, pôs em manchete na capa: “FH diz que é vagabundo quem se aposenta antes dos 50 anos”. E repetiu na página 8: “FH: quem se aposenta antes dos 50 é vagabundo”.

Os meios de comunicação brasileiros enfrentam muitos problemas, como se tem procurado mostrar, há dois anos, em inumeráveis páginas deste OBSERVATÓRIO. Há uma relação viciosa entre as falas públicas do presidente da República – que carrega em seus atos, gestos e palavras tremenda responsabilidade – e a produção de manchetes. No caso, entretanto, não houve despautério. Não existia, jornalisticamente, outra manchete a dar. O que o presidente disse – por infelicidade na formulação ou ato falho, cada um interprete como quiser – era o tópico principal. A menos que se preferisse abordar assunto diferente no título principal. Os jornais, é preciso dizer, não deixaram de reportar outros tópicos do discurso com que Fernando Henrique defendeu seu governo. Os jornalistas não foram vagabundos (em geral não são, não é esse seu problema). Nem os jornais, no caso específico, foram preguiçosos.

Absurdo teria sido ocultar ou disfarçar o pensamento mal formulado, que ainda em 2 de junho era “retificado” publicamente pelo senador Antônio Carlos Magalhães.