Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fic&cccedil;ão com base de verdade verdadeira

PARLA!

Sergio Caldieri (*)

Parla ? As entrevistas que ainda não foram feitas, de Mário Augusto Jacobskind, Booklink Publicações, Rio de Janeiro, 2002. Preço: R$ 25

Foi lançado Parla! ? As entrevistas que ainda não foram feitas, de autoria do jornalista Mário Augusto Jakobskind, editado pela Booklink Publicações. Além de impresso, Parla! pode ser encontrado pela internet em <www.booklink.com.br/jakobskind>.

Trata-se de uma ficção que tem por base a realidade nacional e internacional. Vários personagens, vivos ou que já não estão mais aqui, aparecem nas páginas de Parla! debatendo os mais diversos problemas, atuais ou passados, agrupados nas editorias dos "Vivos Vivíssimos" e dos "Mortos-Vivos ainda Vivíssimos".

Em Parla! há revelações do tipo "verdade verdadeira", que, logicamente, não serão digeridas pelos só aceitam os textos lineares e esquemas tradicionais. O autor se utiliza da técnica de reportagem para desenvolver os pensamentos dos entrevistados, em linguagem acessível a todos os públicos. Melhor do que adjetivos, vale uma explicação de Mário Augusto Jakobskind sobre o Parla! ? que, segundo o cartunista Jaguar, escreveu "um livro fundamental, que elucida e diverte e que revela, quem diria, um novo humorista no pedaço". A seguir, um entrevista com autor.

O que é Parla!?

Mário Augusto Jakobskind ? Trata-se um uma ficção baseada em fatos reais que não são meras coincidências. Como definir Parla!? Um livro de humor, de história ou até jornalístico? É tudo isso e mais alguma coisa. Não diria que é um livro jornalístico, mas que se utiliza da técnica jornalística da reportagem para desenvolver os seus personagens, que são reais e aparecem diariamente nas páginas dos jornais. Dois repórteres, o Armando Esadof e o Ahmed al-Jazon se encarregam de cumprir as "missões" jornalísticas, no Brasil e em várias outras partes do mundo. O livro é dividido em "Editoria dos Vivos Vivíssimos" e dos "Editoria dos Mortos-Vivos Ainda Vivíssimos". Nesta última categoria encontram-se, entre outros, John Kennedy, Juan Domingo Perón, Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas, que, diga-se de passagem, continuam vivos ainda vivíssimos, porque aparecem quase diariamente nas páginas de jornais.

Como surgiu a idéia de escrever Parla!? Como uma pessoa do tipo sisudo, como diz o Jaguar no prefácio, e que cuida de noticiário internacional diário, conseguiu trabalhar o humor?

M.A.J ? Sisudo é só na aparência. Talvez por uma questão de conformação óssea… O humor é uma peça importante para a gente agüentar a parada dos dias atuais. Afinal, em tempos de Bush, Bin Laden, Saddam Hussein e complexo industrial militar, a gente não pode e não deve dispensar o humor. É muito melhor fazer amor, e também o humor, do que a guerra que só traz destruição e infelicidade. E humorista, como assinalou o filósofo Leandro Konder, "não pode ser definido como aquele que ri , nem mesmo como aquele que faz rir". O humor, ainda segundo Konder, "é um continente muito vasto, cheio de diferenças internas". Parla! segue um destes caminhos, satírico, irônico, debochado etc. A idéia de Parla! nasce a partir de observações de um jornalista sobre a imprensa diária. Diria que o estalo ocorreu, como conto na apresentação do livro, ao testemunhar um episódio que ajuda a entender melhor o atual "mundo da mídia". Um amigo, que não me autorizou a revelar o nome, ia conceder uma entrevista para uma dessas revistas semanais modernosas. Pediu que eu testemunhasse a conversa, mas sem que eu me apresentasse como jornalista. Cumpri a "missão". E, qual a surpresa, o que saiu editado foi tudo o que entrevistado não falou. O entrevistado já estava de antemão entrevistado. A entrevista com o amigo foi uma mera formalidade: se não fosse feita daria no mesmo, pois já estava encaixada de qualquer jeito na matéria. Dá para entender? É uma técnica…

A partir deste episódio comecei a entender ainda melhor o "disse-que-não-disse", ou seja, os desmentidos e as correções que aparecem quase diariamente nos jornais. E como classificar esses erros? Erros, erros mesmo, ou erros mal-intencionados? Eis aí um tema que, me parece, deve ser objeto de reflexão. Então, as entrevistas do Parla! são mais honestas e cristalinas, obviamente mais engraçadas… Logo de saída, vem o aviso: olha, trata-se de uma ficção com base na realidade. As matérias e entrevistas dos jornais e revistas ditos sérios, são destinadas a ter repercussão e ser suitadas (desdobradas) como se fossem verdades absolutas, quando muitas vezes não passam, deliberadamente ou não, de uma grande cascata… As "verdades" de Parla! trazem informações reais, com humor e em linguagem leve para ser entendida por iniciados ou não.

Esse papo não está sério demais? Como remeter tudo isso para o humor?

M.A.J. ? Vou dizer uma coisa que pode até parecer um contrasenso ou uma grande loucura. Isso fica por conta do entendimento de cada um. O humor de Parla! é um humor sério. Sem querer comparar, pois aí sim seria pretensioso de minha parte, o nosso mestre dos mestres do humor na imprensa brasileira, o Aparício Torelly, mais conhecido como Barão de Itararé, foi um humorista seriíssimo, com sua irreverência politizada. Foi o gênio dos gênios. Se você hoje quiser conhecer um período da história do Brasil e do mundo, o nosso barão é fonte. E antes que alguém diga que esse autor de Parla! está se considerando rei da cocada preta, quero reafirmar que o barão está sendo lembrado para ilustrar o trabalho que foi feito e não, absolutamente não, para ser objeto de comparação. Até porque, o Itararé é o barão, primeiro e único, uma figura que nasce talvez de século em século, quem sabe a cada milênio.

O humor, a meu juízo, só tem sentido dentro de um contexto. Por exemplo, de que forma encarar um George W. Bush ou um Saddam Hussein que, no fundo, são uma espécie de face de uma mesma moeda. Um depende do outro para existir. Saddam com a sua "mãe de todas as batalhas", consegue seguidores ao sofrer ameaças. O outro, o "civilizado" Bush, precisa do "demônio" que lhe é muito útil e ao seu complexo industrial militar, sobretudo em véspera de eleição. Pode-se imaginar o que seria de Bush se não existisse Saddam e Osama bin Laden? A resposta fica por conta dos "sérios analistas"…

Parla! será entendido da forma que você pretende?

M.A.J. ? O produto Parla! está feito. Não tenho pretensão de orientar, entre aspas, quem quer que seja. Cada um deve ler, e faço votos que seja lido, e interpretar da forma que achar melhor este livro.

Quem são os repórteres de Parla!?

M.A.J. ? São duas figuras que se pretendem repórteres na pura acepção da palavra, ou seja, fazer perguntas questionadoras sem ser provocativas. Em Parla! é proibido o gênero convescote, o tal que o entrevistador levanta a bola para o entrevistado falar o que quiser, na prática ditando as regras e conduzindo a entrevista.

Então, Parla! é um produto jornalístico?

M.A.J. ? Cada um interpreta como quiser. Parla!, acho, tem informação. Se você acompanhar com atenção, por exemplo, o papo descontraído com o ectoplasma do John Kennedy, verá que o texto, embora imaginário, não é tão ficcional assim. Algumas coisas que ele diz aconteceram mesmo. Ninguém fala sobre tais fatos porque não há interesse em desencavar passagens escabrosas da política norte-americana e internacional do período em que ele governou a maior potência do planeta, até ser detonado em novembro de 1963. Não vou abrir aqui e agora do que se trata senão perde a graça.

Que outros personagens você destacaria?

M.A.J. ? Tem de tudo para todos os gostos. JK e Perón, por exemplo, falam bastante sobre o seu tempo e, por que não, sobre os dias atuais. Mikhail Gorbachev, uma figura da história contemporânea, também abre o jogo, da mesma forma que Roseana Sarney, José Serra, Lula etc etc e etc. Quem deve julgar o mérito de Parla! são os leitores. O autor não julga: escreve e aguarda o julgamento.

Por que o título Parla!?

M.A.J. ? Foi uma homenagem à figura de Michelangelo, o "escultore" italiano. Ele criou uma escultura de Moisés tão real, mas tão real, que o catucava várias vezes e dizia "parla!, parla!" Os personagens de Parla! são tão reais, tão reais, que acabam abrindo o jogo e muito mais.

(*) Jornalista