Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Folha

POSSE & EXATIDÃO

Vinte e dois dias depois da posse ? uma eternidade em termos de jornalismo diário ? a Folha de S.Paulo publicou um estudo por ela encomendado à Defesa Civil do Distrito Federal sobre o tamanho do povão que assistiu à posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

O adjetivo pode parecer lugar-comum mas o trabalho é mesmo "exaustivo". Com base em fotos aéreas tomadas pelos fotógrafos do jornal de diferentes áreas (cujas dimensões eram conhecidas), os especialistas conseguiram calcular que às 15h30 do dia 1? de janeiro havia 63.230 pessoas na Esplanada dos Ministérios e, à mesma hora, na Praça dos Três Poderes, juntava-se um público estimado em 8.080 pessoas.

Total, 71.310.

O mérito maior da matéria da Folha (22/1, pág. A 9) não é o resultado final, mas a intenção de desconfiar da numerologia jornalística utilizada na cobertura da posse, inclusive da sua:

** A PM calculou os presentes em 150 mil.

** A Folha seguiu esta avaliação e deu a fonte.

** O Globo sacou 200 mil "segundo os organizadores" (quem são os organizadores ? o governo do DF, o governo Federal, o PT?)

** O Estado de S.Paulo atribuiu à mesma PM 200 mil presentes.

As revistas, no final de semana, foram incapazes de dar uma informação precisa e nem ao menos deram-se ao trabalho de fazer uma média dos resultados dos jornais. Exceto IstoÉ, que repetiu o cálculo da Folha, mas na legenda de uma foto aérea da Esplanada dos Ministérios, extremamente nítida e em cores, deixou-se levar pela emoção e garantiu que foi "tomada pelo povo" apesar dos grandes espaços da grama verde revelados pela imagem.

Época falou numa "multidão como nunca se viu em Brasília", mas a exatidão dos semanários foi orientada para calcular irrelevâncias: o juramento de Lula levou "exatos" 20 segundos, seu discurso continha "exatas" 3.826 palavras (o computador calcula) e foi interrompido 31 vezes pelos aplausos (desta vez sem garantir que foram exatas).

O número de presentes à festa da posse não é crucial. Não muda as evidências, mesmo que o número real tenha sido tão inferior às avaliações. Importante foi o esforço da Folha em acionar o seu desconfiômetro para desconfiar dos olhômetros.