Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S.Paulo

SALVE JORGE

"?Le Monde? dedica chamada na 1? página", copyright Folha de S. Paulo, 8/8/01

" Por causa do horário, quando foi anunciada a morte de Jorge Amado a maioria dos jornais europeus já havia sido impressa. Na França, apenas o vespertino ?Le Monde? trouxe reportagem sobre o escritor na edição de ontem.

O jornal dedicou ao assunto uma chamada na capa, com o título ?Jorge Amado morreu?. O texto afirma que, havia anos, falava-se do escritor como provável ganhador do prêmio Nobel.

Internamente, o ?Le Monde? dedica uma página a Amado, com um longo artigo do escritor e brasilianista Jean Soublin, cujo título é ?Jorge Amado, liberador pela pena do povo brasileiro?. Há também um texto da escritora Lygia Fagundes Telles, ?O coração revoltado da nação?.

Soublin recapitula a vida do escritor, fala de seu engajamento político, de suas relações com a França e da importância do povo, dos pobres e das mulheres em sua obra. Para ele, ?Gabriela, Cravo e Canela? é a obra-prima do autor.

Em entrevista à Folha, Alice Raillard, que é tradutora de Jorge Amado na França e publicou um livro de entrevistas com ele, disse que o país sempre esteve atento à dimensão social da obra do escritor. ?Jorge Amado é editado na França desde os anos 30. E, desde então, o que interessou às pessoas foi a sua literatura. Ao mesmo tempo, assim como seus livros, o homem Jorge Amado também foi muito estimado pelos franceses.?

Na Inglaterra, Amado foi lembrado principalmente como um escritor que revelou o povo do Nordeste na literatura.

?O que mais me impressionou em sua obra foi a habilidade para criar personagens fortes de uma região do Brasil até então pouco retratada?, disse Peter Ayrton, editor da Serpent’s Tail, que lançou ?Dona Flor e seus Dois Maridos? no Reino Unido.

?Jorge Amado foi um dos principais responsáveis pela propagação no exterior da imagem de mistura racial da sociedade brasileira. Levou para a literatura a imagem do povo do Nordeste?, disse David Treece, diretor do Centro de Estudos da Cultura Brasileira, do King’s College (Universidade de Londres)."

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"Repercussão", copyright Folha de S.Paulo, 7/8/01

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Fernando Henrique Cardoso
, presidente da República: ?O Brasil perdeu hoje um de seus maiores intérpretes. O legado de Jorge Amado transcende uma obra que, por sua riqueza e densidade, é o exemplo vivo do que pode o espírito humano em suas mais elevadas criações. Os personagens que criou se tornaram tão ou mais conhecidos que seu autor. Que maior glória pode ter um escritor? A língua de Jorge Amado é um português que seduz todos os cinco sentidos, cheio de cores, sons, perfumes, sabores e texturas. A lição que nos deixa Jorge é a de um combatente, de alguém que sempre esteve a favor da Justiça, ao lado dos oprimidos. Um criador que teve a coragem de pintar o Brasil em suas cores reais para, a partir delas, propor sua utopia. O Brasil perde hoje esse homem. Seu legado, entretanto, é a herança de que nos orgulhamos todos. Jorge, sentiremos sua falta?.


Antonio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia: ?Perde o Brasil o seu maior escritor, e eu um amigo que sempre me estimulou e aconselhou nas poucas coisas boas que eu fiz. A Bahia e o Brasil hão de reconhecer por muitos anos a figura de Jorge Amado, aquele que mais bem interpretou os sentimentos do povo brasileiro em seus romances que correram o mundo inteiro?.


José Saramago, escritor português: ?Em primeiro lugar, é uma notícia que se esperava, mais cedo ou mais tarde, porque Jorge estava bastante doente. Como em todos os casos, mas em particular neste, porque ninguém queria que Jorge Amado se fosse deste mundo, íamos esperando que ele aguentasse, mesmo sabendo que ele não iria mais escrever. Chegou o dia em que ele não pôde aguentar mais. No Brasil, penso que é caso para luto nacional. Em Portugal talvez não chegue a tanto, mas não seria má idéia que se demonstrasse não só o desgosto, mas a admiração que a obra e a pessoa mereciam. Ele já não está cá, mas estão os livros. Pensemos na Zélia, que tem agora a responsabilidade de acarinhar a obra de Jorge Amado, como ela sempre fez, mas agora ela está praticamente sozinha. Ela agora vai ser, além dos livros, o que nos fica de Jorge Amado. É uma grande perda para a literatura brasileira, para a literatura em língua portuguesa, para a literatura universal?.


Tarcísio Padilha, presidente da Academia Brasileira de Letras: ?Jorge Amado foi a figura exponencial da nossa literatura depois dos anos 30. Inicialmente um militante político, com manifesta tendência ideológica, isso jamais o impediu de se tornar um magistral contador de histórias, com momentos literários brilhantes. De certo modo, ao ter sua obra intensamente divulgada no exterior, ele antecipou a nossa globalização literária, abrindo caminho para outros escritores brasileiros. Isso o faz ocupar uma posição singular. Jorge Amado expressou a alma brasileira a partir da Bahia. A baianidade era a chave capaz de abrir a porta da universalidade de sua literatura. É uma perda irreparável e a Academia está de luto fechado?.


Rachel de Queiroz, escritora: ?Estou muito desolada porque perdi uma pessoa que considerava como sendo da minha família. Fui sua amiga desde quando ele era pequeno. Foi o escritor brasileiro de maior prestígio no exterior. Eu o admirava por sua capacidade de imaginação ao criar personagens. Perdemos um grande romancista?.


Gal Costa, cantora: ?É uma perda enorme para o mundo. Seus personagens sempre retrataram com fidelidade a alma do povo brasileiro. Deixo minha eterna saudade ao criador de tantos personagens maravilhosos a que minha voz teve o privilégio de dar vida?.


Thiago de Mello, escritor: ?Morreu um amigo querido, mas ficará sempre vivo o escritor. A obra de Jorge vai perdurar cada dia mais viva enquanto houver literatura no Brasil e no mundo?.


Josué Montello, escritor e membro da ABL: ?Para nós Jorge Amado sempre foi um modelo de cidadão, exemplo de escritor e grande companheiro como não teremos outro. Sabia ser solidário e sobretudo um amigo com quem se contar. Sua vida corria paralela a sua obra: o que soube ser como homem está refletido nos seus livros. Sua obra é um auto-retrato. Com a morte dele, perdemos nossa maior figura no plano literário. Não haverá outro como ele?.


Fernando Faro, produtor musical: ?Fiz um programa na Record chamado ?O Homem e Seu Tempo?, com Oscar Niemeyer, muita gente. Entre eles, Jorge Amado. Ele era uma coisa incrivelmente doce, um prato baiano. Minha carreira nos livros começou com esse pessoal, ele, José Lins do Rego… Jorge foi quem me abriu o caminho para a leitura. É uma perda terrível. É alguém arquitetando coisas ruins lá em cima, querem acabar com meu mundo. Vão tirando essas pessoas de mim, Cyro Monteiro, Vinicius de Moraes, Jorge Amado…?.


Marco Aurélio de Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal: ?É o romancista que mais divulgou a alma do povo brasileiro, revelando com tintas fortes as desigualdades sociais e tendo sido no século 20 o maior embaixador da cultura brasileira?.


Paulo Costa Leite, presidente do Superior Tribunal de Justiça: ?O Brasil chora hoje a perda de um de seus mais importantes filhos, que elevou a literatura brasileira a níveis nunca antes imaginados, fazendo-a respeitada em todo o mundo, além de se tratar de uma figura extraordinária?.


Carlinhos Brown, músico baiano: ?A literatura mundial perde a referência de um Brasil sem caricaturas, de alguém que descrevia com genialidade o povo brasileiro. Escreveu sobre a cultura da Bahia sem folclorizar. Uma vez fui tomar sua bênção, beijar sua mão numa rua em Paris. Ele disse: ?Não, não, não faça isso?. Ele dizia que me observava, fazia essa reverência. Tive a oportunidade de ver algumas coisas dele, principalmente a literatura infantil e as novelas. Jorge Amado para nós é a tradição oral, cada um diz uma frase. Estamos acostumados com a oralidade dele nas ruas da Bahia?.


Benedito Ruy Barbosa, autor de novelas: ?Li praticamente todos os livros dele. Pela forma simples, sua obra é um convite à leitura. Infelizmente, nunca tive a oportunidade de adaptá-lo para a TV.?


José Mindlin, bibliófilo: ?É difícil fugir do óbvio. É uma figura tão importante para a vida brasileira, que é realmente uma grande perda. Teve uma vida extraordinária, de aventura e produção literária, com grande convivência de esquerdismo no país. Era, além disso, uma pessoa muito simpática, tanto ele quanto a Zélia Gattai. Eu não tinha muito contato pessoal, encontrei-me com ele poucas vezes. Eu gostava muito dos livros dele, daqueles problemas do Nordeste que ele tratava em livros como ?Mar Morto?. ?Quincas Berro d’Água? é uma obra que vai ficar na literatura brasileira?.


Francisco Weffort, ministro da Cultura: ?Jorge Amado foi um grande educador da juventude brasileira. Não é por acaso que ele tem um grande êxito de público. Ele realmente tinha a intenção de contar histórias que o jovem pudesse ler -e o público em geral, não necessariamente o erudito. Seus livros cumpriram uma função de introdução do jovem estudante brasileiro no reconhecimento da realidade do país. Sinto sua morte pessoalmente como uma perda, porque me iniciei na literatura brasileira por meio de Machado de Assis, com ?Dom Casmurro?, e de Jorge, com ?Jubiabá’?.


José Dirceu, presidente licenciado do PT: Para a minha geração e toda a luta que nós fizemos no Brasil pela liberdade, Jorge Amado sempre significou liberdade para o Brasil. Sempre significou Brasil. Jorge Amado é o escritor do Brasil, da história da luta do povo brasileiro?.


Cacá Diegues, cineasta: ?A morte de Jorge Amado é o Brasil inteiro que morre junto; uma maneira de ver, de se comportar -um Brasil cordial, generoso, solidário. Na minha opinião, a obra dele não é só a transcrição realista de alguma coisa, mas também uma utopia, um projeto de Brasil. Na minha geração, todos viemos de Jorge Amado, de um modo ou de outro. Estou muito triste porque, além disso, era um grande amigo que não vou mais ver?.


Nelson Pereira dos Santos, cineasta: ?Só posso lamentar a perda do Jorge, um escritor da maior importância, não só para o Brasil, como para o mundo. Ele foi muito importante para mim particularmente. Eu tinha nele um pai, um irmão mais velho, que me ajudou e me orientou muito em minha carreira. Sofro como um membro da família?.


Ricardo Linhares, autor de novelas: ??Porto dos Milagres? é uma adaptação de ?Mar Morto? e ?A Descoberta da América pelos Turcos?. Eu e Aguinaldo Silva também já adaptamos ?Tieta? para a TV. A obra de Jorge Amado funciona muito bem na televisão pela riqueza dos tipos, dos personagens e o tom regional, brasileiro?.


Sílvio de Abreu, autor de novelas: ?Foi o escritor mais popular do Brasil, o primeiro que conseguiu atingir o grande público. É uma figura insubstituível, fará uma falta enorme. Além disso, ele enriqueceu muito o cinema, o teatro e a TV com seus personagens pitorescos?.


Lygia Fagundes Telles, escritora e membro da ABL: ?Há escritores que eu amo, há escritores que eu admiro. Jorge Amado eu amava e admirava?.


Ivan Junqueira, escritor e membro da ABL: ?Não o conhecia pessoalmente; fui um grandíssimo leitor. É uma perda irreparável para o Brasil, que perde um homem que sempre lutou pela liberdade?.


Pedro Paulo de Sena Madureira, editor-geral da Siciliano: ?A morte dele é comparável à de Neruda para o Chile e a de Sartre para a França. Vai um pouco da identidade do Brasil. Jorge é uma das melhores imagens que o Brasil projeta para si próprio e para o exterior. O Brasil revela a si próprio com muita categoria. É talvez o melhor narrador desde José de Alencar, sem abrir mão da visão crítica do país?.


João Ubaldo Ribeiro, escritor e membro da ABL: ?Estou muito atarantado para falar sobre isso. Foi um amigo muito grande, muito próximo. Estou ocupado pensando em ir para a Bahia o mais cedo possível. Não dá para organizar nenhum pensamento agora?.


José Sarney, escritor, senador e membro da ABL: ?A obra de Jorge Amado retrata a alma do povo mais simples, as nossas coisas melhores. A obra dele fazia parte da obra de Deus. Ele criou mundos, palavras e emoções?.


João Alexandre Barbosa, crítico literário: ?Jorge Amado realmente teve muita importância para a literatura brasileira, na medida que ele configurou melhor a figura do escritor brasileiro, em âmbito nacional e internacional. Foi um dos poucos escritores que puderam viver exclusivamente de literatura, e isso é fundamental. Além disso, ele foi fundamental para um momento histórico, o regionalismo dos anos 30, com seus romances do ciclo do cacau. É sempre terrível quando um escritor morre. Felizmente, ele morre tendo cumprido sua obra, o que diminui a dor de sua perda?.


Haroldo de Campos, escritor e ensaísta: ?Para mim, o que há de mais significativo na obra de Jorge Amado é sua notável capacidade como contador de histórias, a sua imaginação fabular sempre capaz de egendrar novos enredos. Nesse particular, sua obra que mais me agrada é ?A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água?, em que ele retoma um tema lendário e tradicional. Desde o começo de sua carreira, ele sempre conseguiu pontilhar sua narrativa de traços metafóricos, de um cunho lírico que percorre e dá graça a seus textos?.


Nélida Piñon, escritora: ?Jorge conseguiu um feito literário muito raro, que é inventar um país, um território mítico, mas, ao mesmo tempo, muito próximo de todos. Ele povoou esse território mítico com criaturas que só podiam ser brasileiras e, ao mesmo tempo, arquetípicas; que têm o nosso rosto, as nossas máscaras. Jorge criou grandes figuras femininas, emblemáticas, e valorizou de forma extraordinária os excluídos. Deu-lhes uma dimensão de intensa humanidade; além disso, deu-lhes visibilidade. Ele pega aquele povo da beira do cais, as prostitutas, as mulheres marcadas aparentemente pela infelicidade, e extrai delas um retrato poderoso. Ele nos obriga a ver que atrás de um ser excluído pela sociedade há criaturas fantásticas, que correspondem à nossa psique coletiva, à nossa demanda popular. Deixa-nos um grande legado, um legado literário e sociológico?.


Moacyr Scliar, escritor: ?Para mim, a morte de Jorge atinge muito. Era muito ligado a ele desde a infância. Quando ele vinha a Porto Alegre, há muitos anos, ficava na casa de meu primo Carlos Scliar, que também era comunista. Ajudou-me muito no início e depois na minha carreira. Era um homem afetuoso. A literatura dele mostrava isso?.


Carlos Heitor Cony, escritor e colunista da Folha: ?Assim como Machado de Assis preencheu a literatura brasileira no século 19, Jorge Amado fez o mesmo no século 20. Perdi uma pessoa muito, muito amada?."

    
    
              

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