Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

MEMÓRIA / JOSÉ REIS

"José Reis", editorial, copyright Folha de S. Paulo, 17/05/02

Divulgação científica no Brasil e José Reis são sinônimos, mas Reis foi mais do que apenas um divulgador da ciência. Ele foi capaz de aliar a carreira de jornalista com a de pesquisador de renome internacional em sua área, a microbiologia.

Sua biografia e a de algumas das mais importantes instituições de apoio à ciência no Brasil se confundem. Em 1948, ajudou a fundar a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, que tantos serviços prestaria ao país. Também esteve envolvido na criação da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e foi um dos responsáveis pelo surgimento da figura do pesquisador universitário em tempo integral, sem o qual a ciência brasileira dificilmente teria ultrapassado a fase do diletantismo.

Reis obteve a rara honra de tornar-se, ainda em vida, nome do mais importante prêmio de divulgação científica do país, que é distribuído anualmente pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) a instituições, jornalistas e pesquisadores.

Contrariando o estereótipo do cientista avoado, Reis era um bom administrador. Dirigiu o Instituto Biológico e daí foi convidado para participar de algumas das reformas administrativas do governo paulista, sob as gestões de Fernando Costa e Macedo Soares. Foi também o primeiro diretor da atual Faculdade de Economia e Administração (FEA), da Universidade de São Paulo.

Como jornalista, Reis não se restringiu a escrever artigos científicos na Folha, o que fez quase ininterruptamente por mais de meio século, de 1947 até as duas próximas edições do Mais!. Entre 1962 e 1967, ele foi o diretor de Redação desta Folha.

Eclético, Reis se aventurou em várias áreas do saber. Além de sua obra em microbiologia, escreveu livros técnicos sobre agricultura, um texto sobre a teoria da relatividade de Albert Einstein e até fábulas infantis.

Mais do que um jornalista e um cientista completo, desaparece com José Reis um raro polímata, um homem que precocemente percebeu a importância de envolver o público no debate das descobertas científicas."

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"Morre José Reis, 94, jornalista científico", copyright Folha de S. Paulo, 17/05/02

"O pesquisador e jornalista científico José Reis morreu ontem em São Paulo aos 94 anos, em decorrência de pneumonia. Iniciador da divulgação científica no país e um dos criadores da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Reis estava internado desde o dia 29 de abril, com a problemas digestivos e pulmonares.

?Ele estava se alimentando por via gástrica [com uma sonda no estômago? há pouco mais de um mês?, declarou à Folha Paulo Swenssen Reis, cardiologista de 61 anos e filho do jornalista. De acordo com ele, uma série de pneumonias acabaram debilitando seu pai nos últimos tempos.

A morte de Reis aconteceu às 10h da manhã de ontem no Hospital São Luís, no bairro de Santo Amaro. O corpo foi liberado pelos médicos por volta das 16h30, quando a direção do hospital ainda não havia divulgado o laudo sobre a causa da morte.

Velado durante a noite de ontem no Cemitério São Paulo, em Pinheiros, José Reis deverá ser enterrado hoje, às 10h. Mesmo aos 94 anos, ele continuava lúcido e produtivo, escrevendo regularmente sua coluna ?Periscópio? para o caderno Mais! da Folha.

?Ele estava bem, ficou pior apenas por causa da pneumonia?, afirmou Nair Lemos, secretária de José Reis e, de acordo com familiares presentes ao velório, sua grande companheira nos últimos tempos. ?A cabeça dele continuava boa. Ele só ficou inconsciente anteontem, quando foi sedado.?

Além dos filhos Paulo e Marcos, José Reis deixa seis netos e uma bisneta. Júlio Abramczyk, redator-médico da Folha, resume a herança de Reis: ?Ele deixou um legado muito mais importante que qualquer tesouro, que é a disseminação do conhecimento?."

 

"José Reis e a Fapesp", copyright Folha de S. Paulo, 17/05/02

"O artigo 123 da Constituição Estadual de 1947 estabelecia que o amparo à pesquisa seria propiciado pelo Estado, por intermédio de uma fundação. Conquanto a inscrição desse princípio na lei maior deva ser celebrada como um passo importante na trajetória histórica da Fundação, longos 15 anos decorreram até que, em 23 de maio de 1962, fosse instituída por decreto assinado pelo Governador Carvalho Pinto, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp.

Nesses quinze anos, houve uma intensa reflexão associada acompanhada de uma grande ansiedade pela lentidão da evolução do processo. Em artigo na ?Folha da Noite? publicado em 13 de janeiro de 1949, José Reis perguntava: ?Onde está a Fundação??. Esse artigo é apenas uma de toda uma série de reflexões registradas desde 1945 sobre como o Estado apoiaria a pesquisa em São Paulo.

Em 1955, José Reis sumarizou essa reflexão em longo artigo publicado na revista Anhembi com o título ?Fundação de Amparo à Pesquisa?. Nesse texto, ao reconsiderar todo o processo histórico ainda em curso, ele aproveita para estabelecer o que considerava princípios fundamentais que deveriam nortear o funcionamento da Fundação. A começar pelo seu Conselho Superior: ?E nada de Conselho numeroso. Seria isso aumentar o número de pontos fracos expostos à pressão dos grupos de interesses. Todo o segredo está em reunir um punhado de homens sinceros de dentro e de fora da ciência?. Assim estabelece a lei que criou a Fundação.

?Amparo à pesquisa?, para J. Reis, é em si sinônimo de compreensão da pesquisa. A Fapesp tem um compromisso inarredável com a sistemática de avaliação pelos pares. Da mesma forma, recomendava que ?a Fundação estabeleça como norma rígida a prestação de contas daqueles a quem beneficia?. Todo pesquisador que recebe apoio da Fundação está contratualmente obrigado a apresentar a relatórios periódicos descrevendo os resultados obtidos e comprovando os gastos.

Nesse mesmo artigo de 1955, a atualidade de sua concepção de amparo à pesquisa se destaca quando expressa sua preocupação com a necessidade de formar novos pesquisadores.

As sábias palavras de José Reis -que, ironicamente, nunca exerceu nenhum cargo ou função na Fapesp- nos fazem sentir a grandeza do desafio de manter a Fundação fiel aos princípios estabelecidos antes mesmo de sua institucionalização. (José Fernando Perez, Professor do Instituto de Física da USP, é Diretor Científico da Fapesp)"

 

"Reis foi brasileiro que mais fez por divulgação científica", copyright Folha de S. Paulo, 17/05/02

"José Reis, cientista e jornalista, foi sem dúvida alguma o brasileiro que mais fez pela divulgação da ciência no país. Conseguiu aliar uma importante carreira de pesquisador com reputação internacional ao trabalho de explicar ciência de modo didático através da imprensa. Escreveu na Folha a partir de 1947, quando o jornal se chamava ?Folha da Manhã?.

Reis conseguiu fazer um trabalho de qualidade em quantidades assombrosas: seus textos de divulgação científica são contados aos milhares. Desde 1992, quando foi criado o caderno Mais!, publicava lá sua coluna Periscópio. Tornou-se nome de prêmio ainda em vida. O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) concede anualmente o Prêmio José Reis de Divulgação Científica a instituições, jornalistas e cientistas. Ele também ganhou prêmios por seu trabalho de divulgação, como o Kalinga, entregue pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). Entre outros ganhadores desse prêmio estão o filósofo britânico Bertrand Russell e a antropóloga americana Margaret Mead.

Nascido no Rio de Janeiro em 12 de junho de 1907, foi o antepenúltimo dos treze filhos de Alfredo de Souza Reis e Maria Paula Soares Reis. Sua formação científica foi feita na Faculdade Nacional de Medicina (1925-30) e no Instituto Oswaldo Cruz (1928-29). Foi em seguida ao Rockefeller Institute, Nova York, se especializar em virologia, de 1935 a 36. Conheceu cientistas famosos e foi influenciado por eles. Já nessa época se preocupava com a disseminação do conhecimento: trabalhou no Rio como professor secundário.

Seu excelente currículo no Instituto Oswaldo Cruz fez com que fosse convidado para trabalhar como bacteriologista no Instituto Biológico de São Paulo. Aposentou-se do instituto em 1958.

Reis começou a pesquisar interessado basicamente no que se costuma chamar de ?ciência pura?, sem aplicações práticas imediatas. Mas passou a se interessar também pela ciência aplicada quando notou os problemas práticos que a avicultura no país tinha com doenças. Tornou-se um especialista em doenças de aves respeitado internacionalmente. Entre seus assistentes estava sua mulher, Annita Swenssen Reis. Seu Tratado de Ornipatologia, com participação de Annita e Paulo Nóbrega, foi exemplo dessa repercussão internacional.

Envolvido com a administração do Instituto Biológico, acabou adicionando a administração pública à sua lista de conhecimentos, publicações e serviços prestados -colaborou com reformas administrativas no governo paulista. Foi diretor geral do Departamento do Serviço Público durante cinco anos, nos governos de Fernando Costa e Macedo Soares.

Também foi o organizador e o primeiro diretor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, atual Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, da USP.

Reis foi um dos fundadores da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) em 1948, junto com intelectuais e cientistas como Maurício Rocha e Silva, Paulo Sawaya e Gastão Rosenfeld. Foi o primeiro secretário-geral da entidade e depois presidente de honra. Foi de novo eleito para presidir o órgão em 1979, mas problemas de saúde impediram que exercesse o cargo.

Jornalista

Seu trabalho na Folha foi além da divulgação de ciência. Foi diretor de redação do jornal de 1962 a 1967, quando pediu para deixar o cargo. Foi um período delicado. Após o movimento de 64 começaram perseguições políticas a cientistas, notadamente ?a caça às bruxas? na USP. Reis se engajou pessoalmente na luta pela liberdade de expressão e na defesa dos perseguidos na universidade.

É difícil escolher uma obra mais representativa entre seus livros, dada a amplitude de seus interesses. Há desde ?Methoden der Virusforschung?, um resumo em alemão do que de mais moderno havia sobre os vírus em 1939, escrito com H. da Rocha Lima e Karl M. Silberschmidt.

Mas há também ?A Cigarra e a Formiga?, adaptação da fábula em que duas formigas de espécies brasileiras entram na história.

Reis fez traduções de livros variados -sobre a criatividade, a teoria da relatividade, os animais da América do Sul ou obras técnicas em agricultura ou didáticas.

A carreira de Reis parece à primeira vista a coleção de atividades muito diferentes, uma ?aparente falta de unidade?, como ele disse de si próprio certa vez. ?Essa unidade, porém, sinto que ela existe. Não é a unidade de uma linha reta de quem segue sempre a mesma trilha de pesquisa do começo ao fim, mas é a unidade dos círculos crescentes que leva a procurar implicações cada vez maiores para o próprio conhecimento que vou adquirindo.? (O jornalista Ricardo Bonalume Neto escreve sobre ciência e tecnologia desde 1985. Recebeu o Prêmio José Reis de Jornalismo Científico para o ano de 1990, concedido pelo CNPq, em 1991.)"

 

"Morre em São Paulo, aos 94, o jornalista e cientista José Reis, fundador da SBPC", copyright Último Segundo, 16/05/02

"O cientista e jornalista José Reis, 94 anos, morreu em São Paulo na manhã desta quinta-feira vítima de uma pneumonia. Reis foi fundador da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cientista de renome e jornalista de sucesso, tendo sido diretor de Redação da ?Folha de S. Paulo? na década de 1960 e até o fim da vida seu colunista de ciência (onde assinava uma coluna dominical assinada ?J. Reis?). O enterro será realizado nesta sexta-feira, às 10h, no Cemitério São Paulo, em Pinheiros (zona oeste de SP). Comente no Blig

José Reis estava internado no Hospital São Luiz desde o último dia 29.

?Reis é sem dúvida alguma o brasileiro que mais fez pela divulgação da ciência no país?, diz no site ?Folha Online? o jornalista Ricardo Bonalume Neto, que escreve sobre ciência e tecnologia no mesmo jornal ?Folha de S.Paulo? onde José Reis escreveu por 55 anos.

O carioca José Reis recebeu vários prêmios por seu trabalho de divulgação científica. Entre eles, o Kalinga, concedido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e também se tornou nome de prêmio ainda em vida.

O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) concede anualmente o Prêmio José Reis de Divulgação Científica a instituições, jornalistas e cientistas (o jornalista Bonalume, que escreveu o texto que noticiou a morte de Reis, ganhou o prêmio em 1991).

José Reis, que completaria 95 anos no próximo dia 12, estudou na Faculdade Nacional de Medicina e no Instituto Oswaldo Cruz e especializou-se em virologia no Rockefeller Institute, em Nova York. Trabalhou como bacteriologista no Instituto Biológico de São Paulo, onde aposentou-se em 1958. O tratado de Ornipatologia teve repercussão internacional.

José Reis foi diretor geral do Departamento do Serviço Público durante cinco anos, nos governos de Fernando Costa e Macedo Soares e organizador e primeiro diretor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, atual Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, da Universidade de São Paulo (USP).

Ele fundou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC ) em 1948, sendo o primeiro secretário-geral da entidade. Depois permaneceu como seu presidente de honra. Em 1979, o jornalista e cientista foi novamente eleito para presidir a SBPC, mas problemas de saúde o impediram de assumir cargo.

Sua intensa carreira como pesquisador não impediu que Reis mantivesse uma carreira também brilhante como jornalista, o que o levou ao cargo de diretor de Redação da Folha de S. Paulo. Conduzido ao cargo pelo jornalista José Nabantino Ramos, proprietáaacute;rio da empresa Folha da Manhã, Reis foi mantido no cargo em 1962, quando a empresa foi comprada por Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira. Após o golpe de 64, enquanto era diretor de redação do jornal ?Folha de S. Paulo?, Reis lutou pela liberdade de expressão e na defesa dos perseguidos na USP pelo regime militar.

Em 1967, pediu para se afastar do cargo e passou a articulista. Foi substituído por Cláudio Abramo, que iniciou ali a reforma que duas décadas depois levaria o jornal a se tornar o maior do país.

Entre as obras de José Reis, o jornalista Bonalume Neto destaca o ?Tratado de Ornitopatologia?, um clássico sobre doenças de aves, ?Methoden der Virusforschung?, um resumo em alemão do que de mais moderno havia sobre os vírus em 1939, escrito com H. da Rocha Lima e Karl M. Silberschmidt e a ?A Cigarra e a Formiga?, uma adaptação da fábula em que duas formigas de espécies brasileiras entram na história."