Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Folha Online / Reuters


CASO ABRAVANEL

"Caso Silvio Santos mostra gosto do público por TV-realidade", copyright Foha Online / Reuters, 31/08/01


"O sequestro do apresentador Silvio Santos mobilizou ontem quase todas as emissoras de televisão, que interromperam sua programação para acompanhar a história, alcançando audiências estrondosas e comprovando o interesse do público por episódios de TV-realidade.

?Nada supera a vida real?, disse o roteirista Marçal Aquino, que fez o roteiro de ?Os Matadores?, de Beto Brant. ?A realidade sempre dá uma lição aos escritores. Ninguém, nem Hollywood, seria capaz de imaginar que o sequestrador voltaria à casa de Silvio Santos. É uma história bizarra?.

O apresentador foi mantido refém por mais de sete horas em sua casa no Morumbi, zona sul de São Paulo, pelo suposto sequestrador de sua filha, Patrícia Abravanel, libertada na última terça-feira, depois de uma semana de cativeiro. Após ser perseguido pela polícia, Dutra Pinto voltou à mansão do apresentador por volta das 7h da manhã de quinta-feira e se rendeu depois de tensas negociações.

Para Aquino, o episódio contém elementos de filme policial que fizeram do caso mais do que uma simples notícia. ?Existia um apelo jornalístico, especialmente, porque ninguém pôde reportar a história da Patrícia e havia sede pela notícia?, disse.

?Não há dúvida de que essa é uma história que atrai público, até porque tratava-se de uma figura notória e as pessoas tendem a se envolver na angústia da vítima?, explicou.

Cobertura jornalística

A rede Globo fez uma extensa cobertura do caso, atingindo uma audiência média de 26 pontos na manhã de quinta-feira. Segundo dados do ibope, a emissora tem normalmente uma média de 10 pontos no horário matutino.

?Nós não estávamos atrás de audiência, mas queríamos informar o público. Somos uma empresa jornalística e a informação é a nossa prioridade?, disse Luis Erlanger, da Rede Globo.

O diretor de jornalismo da TV Cultura, Marco Antônio Coelho Filho, afirmou que em sua emissora, por ser estatal, foi possível adotar uma postura diferente dos outros canais, optando apenas por mostrar flashes ao vivo durante a sua programação matinal.

?Nós não precisamos vender notícia, por isso nós preferimos não fazer uma novela com isso, não fazer drama?, disse Coelho Filho, acrescentando que a TV Cultura manteve a sua média de 3 pontos de audiência.

Para o diretor da TV Cultura, o episódio Silvio Santos era de ?interesse público?, por ser notícia, mas também porque fez com que as pessoas acompanhassem o desfecho do sequestro com avidez para saber o que aconteceria com o apresentador.

?As pessoas têm interesse por tudo o que envolve o ser humano. Elas são atraídas por coisas mórbidas, mortes, sexo, emoções de dor e emoções de vitória. É por isso que todo mundo pára para ver um acidente?, afirmou Coelho Filho.

O incidente com o apresentador repercutiu até mesmo em uma classe ocupada por alunos do segundo ano do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que trocaram as aulas pelas notícias do sequestro.

?Foi interessante o modo como tudo aconteceu. Não tinha clima para continuar a aula. Todo mundo ficou muito preocupado como se tudo estivesse acontecendo com um amigo, porque o Silvio Santos transmite intimidade, parece que ele conhece você?, comentou o aluno Tiago Costa.

Papel da mídia

O episódio com Silvio Santos não foi o primeiro a atrair público. Em junho do ano passado, o sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro, durou 12 horas e teve cobertura ampla da mídia, comovendo milhares de pessoas com o assassinato da passageira Geísa Firmo Gonçalves.

Em setembro de 1995, Leonardo Rodrigues Pareja manteve a estudante Fernanda Viana como refém por três dias, na Bahia, após uma frustrada tentativa de assalto. Pareja chegou a ganhar conotação de ídolo, sendo apelidado de ?Leo? pela polícia e pela imprensa.

Ele terminou numa prisão em Goiás, onde chegou a comandar uma rebelião, e foi morto por um colega de cela cerca de um ano depois do crime.

?Existe um certo exagero nesse tipo de cobertura. No caso do ônibus, tinha até música de fundo?, disse Coelho Filho. ?Dependendo de como é feita a cobertura do caso, o cara começa a viver a fantasia e até a se sentir herói?.

Livro ou filme

Leonardo Pareja quase virou protagonista de um filme quando o diretor Régis Faria quis documentar a história do assaltante e sequestrador em 1996, mas acabou não levando sua idéia adiante por falta de patrocínio.

Na opinião do roteirista Marçal Aquino, o caso Silvio Santos poderá ser adaptado para cinema, TV ou livro. ?Essa história tem todos os elementos para isso. Não há dúvida que alguém vai querer fazer algo com esse episódio?, afirmou.

 

"Sete horas de seqüestro espetacular", copyright Jornal do Brasil, 31/08/01

"O apresentador de TV Silvio Santos passou ontem mais de sete horas sob a mira de um revólver calibre 38 e de uma pistola automática empunhados por Fernando Dutra Pinto, 22 anos, o mesmo que semana passada seqüestrou a filha do empresário, Patrícia Abravanel, de 23 anos. Fernando rendeu Santos às 7h30, depois de pular o muro e invadir a mansão. Os vigias apenas souberam que o sequestrador estava na casa minutos depois. A mulher do apresentador, Iris Abravanel, e as quatro filhas – Cintia, Rebeca, Patrícia e Sílvia – deixaram a residência vestindo pijamas e descalças, depois da chegada da polícia às 8h.

Silvio foi rendido no salão de ginástica e em seguida levado para a cozinha, sob ameaça de morte. Policiais civis e militares cercaram a mansão. Durante todo o tempo em que esteve em poder do seqüestrador, Silvio Santos aparentou calma e, apropriando-se da experiência de comunicador, tomou as rédeas da negociação. ?O Silvio é um sujeito falante, articulado e inteligente. Ele inverteu os papéis e facilitou a rendição?, admitiu o capitão Diógenes Lucca, responsável pelo processo de negociação.

Silvio Santos disse ao seqüestrador que teria todas as garantias que exigia. Ou seja, deixaria a mansão apenas depois que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, chegasse ao bairro do Morumbi. E foi assim. Nas primeiras horas da manhã, o apresentador do SBT fez contato com Marco Vinício Petrelluzzi, secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. ?Liguei para o Alckmin, que se dispôs a ir ao local?, explicou Petrelluzzi, horas após o desfecho do seqüestro.

O governador de São Paulo cancelou a agenda oficial – estava em Jundiaí num simpósio sobre segurança pública – e chegou à mansão pouco antes das 14h. Foi levado para dentro por um grupo de elite. Recebeu um colete a prova de balas e foi à porta da cozinha protegido por um escudo. Conversou alguns minutos com o seqüestrador e com Silvio. Diante da promessa de que sairia são e salvo, Fernando se rendeu. Entregou as armas nas mãos do próprio empresário. O seqüestrador nem mesmo chegou a conversar com o pai, Antônio Sebastião Pinto, e com a irmã, Lilian, chamados para tentar ajudar na sua rendição.

Antes de render-se, Fernando fez outra exigência. Queria tomar banho e ter roupas limpas. Foi atendido. Recebeu das mãos de Silvio Santos um conjunto de calça e casaco de moleton. No banho, Fernando – bastante ferido – retirou um projétil alojado nas nádegas. O seqüestrador havia trocado tiros e matou dois investigadores na noite de quarta-feira. Uma médica chamada pela polícia atendeu o seqüestrador na residência. ?Não fosse ele (Silvio), podem ter certeza que as negociações seriam mais difíceis?, continou Lucca.

A polícia não admite, mas Fernando Pinto exigiu ser levado para o Centro de Observação Criminológica (COC), uma área de segurança máxima do Complexo de Carandiru. Novamente, foi atendido. O fim do seqüestro foi anunciado às 14h20, assim que o governador deixou a mansão ao lado de Sílvio Santos. O seqüestrador já havia sido levado por uma unidade de resgate do Corpo de Bombeiros. Sílvio despediu-se de Alckmin demonstrando calma. Chegou a sorrir e acenar para as dezenas de curiosos que tumultuavam a rua Antônio de Andrade Rabelo, no Morumbi.

Resolvida a situação, esposa e filhas do dono do SBT deixaram a casa de um vizinho onde se refugiaram durante as sete horas em que a polícia cercava a mansão da família Abravanel. Em entrevista coletiva concedida no final da tarde de ontem, o secretário Marco Vinício Petrelluzzi – ao lado do delegado geral da Polícia Civil, Marco Antônio Desgualdo, e do comandante geral da PM, coronel Ruy César Mello – procurou dar explicações sobre o seqüestro. Logo no início da conversa, Petrelluzzi tentou dissipar uma dúvida que pairava no ar, a de que Fernando exigira o afastamento dos policiais civis do processo de negociação.

?Não é verdade. Entendi que, se acontecesse uma tragédia, a opinião pública diria que se tratou de uma revanche da Polícia Civil, já que ontem (quarta-feira) ele matou dois investigadores?. Questionado o que levara o governo do Estado a interferir no seqüestro do milionário, respondeu: ?Atendemos a um pedido da vítima. Além disso, vocês tem de convir que não se tratava de uma pessoa comum.? E se fosse uma pessoa comum? ?Vocês também não estariam aqui?, disse.

Sobre os primeiros seqüestradores terem sido encontrados por agentes da Guarda Civil Metropolitana de Cotia, que sequer estavam sabendo da investigação sobre o seqüestro de Patrícia Abravanel, Petrelluzzi disse que todas as corporações de segurança do Estado estavam do mesmo lado. Mas não foi muita sorte o seqüestrador não ter baleado o empresário? ?Você precisa de sorte até para tomar um picolé?, justificou."

"Emissoras registram recorde de audiência", editorial copyright Jornal do Brasil, 31/08/01

"Teve dimensão de show a cobertura jornalística que as TVs abertas fizeram ontem da invasão da casa de Silvio Santos. Durante quase sete horas, Globo, SBT, Record e Band suspenderam a programação para transmitir ao vivo o drama do apresentador, mantido refém pelo seqüestrador Fernando Dutra Pinto. Várias equipes foram mobilizadas, links criados, psicólogos de plantão acionados e até apresentadores convocados para reforçar o caráter de espetáculo. Muito além do valor jornalístico do fato, os números de audiência explicam a postura das emissoras. Das 9h às 15h, tempo que a Globo dedicou ao assunto – ao vivo, sem interrupções para inserções comerciais – registrou média de 27 pontos, com picos de 32. Normalmente, o ibope no horário não passa dos 14.

O milagre da multiplicação dos números também aconteceu na Record e na Band. A primeira obteve média de 7, em um período em que costuma ter 3, e a segunda pulou de 1 para 2, apesar de ter noticiado o fato primeiro, além de imagens exclusivas da chegada da polícia e da saída da família Abravanel da casa. Imagens que foram vendidas para a Europa, América Latina e cedidas para o SBT. Mesmo assim, a emissora de Silvio Santos manteve o ibope habitual, com 11 pontos de média. Apesar da estabilidade, conseguiu pico de 19.

A hegemonia do ibope ficou com a Globo, que conseguiu dobrar seus índices de audiência da manhã e início da tarde. Em alguns casos, como no horário do programa Bambuluá (das 9h25 às 11h55), a Globo quase triplicou sua média, que saltou de 10 pontos para picos de 31. A emissora suspendeu a programação e os breaks comerciais. Fato que só tinha acontecido nos enterros de Tancredo Neves, Ayrton Senna, Tom Jobim e no velório dos Mamonas Assassinas.

Competição – Nos bastidores da Globo, comenta-se que desde o seqüestro do ônibus 174 – quando a emissora exibiu apenas flashes e a Record registrou 28 pontos com transmissão ao vivo -, houve a decisão editorial de alterar a grade em caso de notícia relevante.

A grandiosidade da cobertura não se restringiu aos números de ibope. A Record mobilizou 10 equipes – com quatro pessoas cada -, dois helicópteros, 10 carros, seis motoqueiros e quatro links para fazer entradas ao vivo. Na Globo, todas as equipes de São Paulo – cerca de 45 pessoas – trabalharam no caso, além do apresentador Chico Pinheiro.

A emissora ainda tinha um helicóptero, uma moto com microcâmera e cinco unidades móveis em pontos estratégicos da cidade. A Band trabalhou com um helicóptero, três equipes e dois links na casa, e mais um na delegacia. Isso sem contar psicólogos que deram depoimento sobre o assunto no programa Melhor da tarde. O SBT mobilizou 60 pessoas, helicóptero, links e até o apresentador Ratinho, que comentou a transmissão no estúdio."

 

"Mitologia da barbárie na sala de estar", editorial copyright Jornal do Brasil, 31/08/01

"O Carandiru devia ter uma. Bangu 1, outra. Uma calçada da fama para perpetuar os pés, as mãos e as algemas dessa bandidagem famigerada e célebre a que, desde ontem, Fernando Dutra Pinto tem acesso por direito, ousadia e maldade. Tião Medonho parou o trem pagador da Central em 1961 e levou a féria. Ganhou filme. Lúcio Flavio, nos anos 70, assaltou banco e disse: ?Bandido é bandido, polícia é polícia?. Ganhou livro. O que poderá eternizar o horror da estúpida façanha de Fernando? Ele seqüestrou a filha de Silvio Santos, matou dois policiais, na fuga escalou um edifício e voltou ao local do primeiro crime, mantendo o apresentador, o país e todas as redes de televisão reféns por sete horas. Mais importante ainda: sem interrupção para comerciais. Um monstro, tudo bem. Mas, cá entre nós, blasfemos nesse mundo pop – nem o papa.

Cara de Cavalo tocou o terror de 58 a 64 no Rio. O nome era feio, mas os crimes nem tanto. Cavalo explorava prostitutas, achacava ponto de bicho. Um dia matou um policial. Eis todo seu currículo. Os bandidos duravam mais, faziam pouca lambança e deixaram para a posteridade um problemão: como justificar tanta fama? Mineirinho, coitado, matou um malandro em São João de Meriti ali pelo final dos 50 e, como castigo, foi obrigado a varrer a praça principal do munícipio. Revoltado, disse: ?Sou bandido, não sou gari?, e para cobrar a humilhação saiu matando. Querem alguns que fechou 28, outros garantem menos de uma dezena. Liderou um motim de presos no Frei Caneca e o governador Carlos Lacerda em pessoa precisou entrar no meio das jaulas para acordar a paz entre aqueles animais. Mas e daí? O que é Mineirinho diante do novo bandido em rede nacional, como aquele Sandro do Nascimento que seqüestrou o 174 no Jardim Botânico e até hoje assombra milhões de pessoas com seus farrapos em volta da cabeça?

O crime ao vivo, servido instantâneo na sala de jantar, multiplica as vítimas e divide o terror com o da poltrona. Não há mais qualquer possibilidade de folclore. ?Seja marginal, seja herói?, escreveu o artista plástico Hélio Oiticica no estandarte célebre em defesa do amigo Cara de Cavalo. Passadismo. Tropicalismo. Não existe Arte no terror ao vivo. Leonardo Pareja, assaltante de banco, foi o primeiro da galeria, um bandido televisivo. As câmeras estavam lá quando ele seqüestrou uma menina no sertão baiano. Depois houve a famosa fuga de um mês, também acompanhada por todo o circo da mídia. A violência ganhava novo status. Paraibinha, o maior assaltante de turistas do Rio, matou dez na Vista Chinesa. Miguelito, o maior assaltantes de carros da cidade, outos tantos. Coisas do século passado. Ned Kelly, Jesse James, Pancho Villa, Lampeão e Menegheti, aquele paulista que entrava pelos telhados: coisas do século retrasado.

Os traficantes, esses novos supervilões, vão se sucedendo tão rapidamente que não dá nem para formar uma mitologia própria de barbáries, embora aquele telefonema do Fernandinho Beira-Mar, acompanhando na linha o esquartejamento de um rival, não seja de jogar fora quando o assunto é maldade célebre. Duram tão pouco, no entanto, que não daria nem tempo de lhes imprimir as marcas no cimento das Algemas da Fama.

Bandidos em busca de fama nunca faltarão. ?Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos??, perguntava um seriado radiofônico célebre nos anos 50. O telefone era preto, a geladeira, branca. Não havia televisão ao vivo, seqüestro era coisa rara. E um sujeito voltar ao lugar do crime para começar todo um seqüestro de novo era coisa que nem o jornalista que inventou o Mão Branca, um falso bandido exterminador da Baixada, seria capaz de cascatear. O crime não compensa, mas, convenhamos, anda com umas idéias bem diferentes, típicas de quem precisa acompanhar no mesmo tom essas notícias malucas-modernésimas de clones humanos.

Chico, o Buarque, não o Picadinho, esquartejador famosos que assustou São Paulo outrora, já tinha filosofado antes e melhor: ?O que será que está no plano dos bandidos o que será?? Infelizmente, essa pergunta de R$ 500 mil ainda não dá para responder nem com a ajuda de todos os crânios universitários do mundo."

    
    
                     

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