Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Fonte e repórter em parceria polêmica

MÍDIA ESPORTIVA

Marinilda Carvalho


"Luiz Felipe Scolari volta a ser o principal nome da Confederação Brasileira de Futebol para substituição de Emerson Leão. (…) O treinador do Cruzeiro tem contra si o temperamento explosivo, que em algumas ocasiões beira à rudeza. Também se fala que lhe falta cintura para o jogo político. (…) Luxemburgo tem a seu favor o trabalho rápido de reerguimento do Corinthians. E é admirado por Teixeira, que gostaria de tê-lo de volta. Mas pesam os resultados insatisfatórios na seleção ? incluída a Olímpica ? e vários episódios em sua vida pessoal ainda mal-explicados. (…)" (O Estado de S.Paulo, 8/6/2001)


O trecho acima, de matéria do repórter Antero Greco (hoje na TV), antecipava a escolha do novo técnico da Seleção Brasileira. Quatro dias depois, todos os jornais informavam que Leão fora demitido no Aeroporto de Norita, no Japão, e que Luiz Felipe Scolari era o escolhido de Ricardo Teixeira. O que ninguém sabia àquela altura é que foi de um jornalista o voto de Minerva contra Wanderley Luxemburgo e em favor de Felipão.

Isso só se soube no início deste abril ? 10 meses depois do sucedido ?, quando o próprio jornalista envolvido, Milton Neves, revelou a notícia em entrevista com Teixeira, que confirmou: num fim de tarde em junho de 2001, Ricardo Teixeira telefonou para a Rádio Jovem Pan, mandou chamar Milton Neves e disse que após seis consultas sobre o novo técnico da Seleção havia três votos para Luxemburgo e três para Scolari. Pedia então a Neves o voto de Minerva. Neves optou por Scolari.

A imprensa carioca mal tomou conhecimento do episódio, conforme o Observatório constatou em várias tentativas de entrevista com jornalistas da área de esportes. É que no Rio o programa de Neves na TV Record não é tão visto quanto em São Paulo, onde a repercussão foi grande. Na manhã do dia 8/4, Juca Kfouri comentou o fato em sua coluna de rádio.

Na noite do dia 8, no Linha de passe, mesa-redonda da ESPN Brasil (Net/TVA), o diretor de Jornalismo da emissora, José Trajano, considerou a posição de Milton Neves antiética ? por ter opinado e por ter omitido a notícia. Os integrantes da mesa acompanharam, ainda que com veemência menor, a opinião de Trajano. Com exceção do veterano Claudio Carsughi ? indagado por um convidado da platéia provavelmente a par de que Carsughi trabalha com Neves na Rádio Jovem Pan ?, que declarou com ênfase: "Seria extremamente desagradável para mim emitir um julgamento sobre um colega". Soninha, apresentadora da ESPN Brasil que escreve sobre esportes na Folha de S.Paulo, publicou a seguinte nota em sua coluna de 11/4/02:


"Eu, hein…
Acho estranho que Milton Neves tenha sido o sétimo jornalista consultado por Ricardo Teixeira para dar o voto de Minerva e decidir quem seria o treinador da seleção brasileira. (Seria estranho com qualquer jornalista). É até interessante que o presidente da Confederação Brasileira de Futebol queira consultar outras pessoas sobre uma escolha tão importante, mas essa consulta deveria ser feita às claras. O segredinho, revelado agora, suscita algumas dúvidas: quem seriam os outros jornalistas? Essa troca de confidências pode implicar em favorecimento a este ou aquele veículo? Pode interferir na imparcialidade da cobertura da seleção brasileira? Pode levar um jornalista a se sentir comprometido com essa administração? Na dúvida, é melhor não ter nenhum tipo de associação com Ricardo Teixeira."


Em seu site <www.miltonneves.com.br>, Milton Neves deu a seguinte resposta a Soninha:


"Eu, hein, Soninha?

Ainda por conta de minha involuntária (e honrosa) indicação de Felipão para técnico da seleção em telefonema que recebi de Ricardo Teixeira ? que foi motivo de nota publicada pela jornalista Soninha, na Folha de São Paulo ?, reproduzo aqui o texto que enviei à colega: ?Querida (não é hipocrisia, você sabe.) Soninha, permita-me: de onde você tirou que foram 7 ?jornalistas?? Você não ouviu a matéria, né? Orelhou. Ou então escreveu errado. ?A precipitação e a superficialidade são as doenças psíquicas do século 21. E mais do que em qualquer outra parte essas doenças se refletem na imprensa (esportiva?). Para ela, a análise em profundidade de um assunto é um anátema.? É claro que o raciocínio e afirmação não são meus, mas de Alexander Solzhentisyn, um dia, em Harvard. A Folha publicou certo na segunda ou terça. Leia, por favor. Pergunte para o Ricardo Teixeira ? um sujeito que não conheço ?, para alguma fonte e não faça nunca ilações tão infelizes. Sei lá quem ele consultou e se consultou. Eu apenas atendi uma ligação de 1 ou 2 minutos do cara (o Teixeira) que pedia minha opinião. Do meu lado estava o colega Fred Júnior, no estúdio da Jovem Pan. Antes, eu dormia. Dei minha opinião, a darei sempre, não fico no muro e teria aceito, se convidado, até ser o técnico da Seleção. O grande João Saldanha em 69 não aceitou em plena ditadura? E como havia patrulha naquela época, né? E o interessante, hoje, é que meus patrulheiros não estão preocupados em investigar, mas só em denegrir. Como fizeram com você outro dia. Por que o Teixeira ligou? Problema dele. O que o Milton Neves ganhou com isso além de, involuntariamente, ?ter alterado a história?? E o Felipão? Por que ninguém pergunta para ele ?o que eu cobrei pela indicação?? Ora, ele nem sabia e eu não ?comando? cobertura nenhuma, faço programas, chego, faço, vou embora e não produzo nada. Outros o fazem. Faltam-me horas, em 7 atividades, mal tenho tempo para dormir e, em minha agência de publicidade, o principal cliente é coincidentemente ?inimigo mortal? dos que cercam e cercavam a CBF no ramo de bebidas. Digo isso porque soube que um coleguinha teria abordado exatamente esse imbecil tipo de papo. Vou verificar melhor, muitíssimo bem melhor. E mais: a mesma opinião que dei ao telefone para o Teixeira, naquele domingo, sobre a ida do Felipão para a seleção, eu dava exaustivamente no SuperTécnico e na Jovem Pan, inclusive enchia o saco dele permanentemente ao vivo no SuperTécnico, da mesma forma que hoje estou ?convocando? o Romário em minhas tribunas. Comprometimento? Parcialidade? Associação? Como você foi cruel, hein, moça? Supor, deixar no ar, sugerir, dói até mais do que afirmar. Sabia? Justo você que soube recentemente o que é a força da maldade, do exagero, da injustiça e da incompreensão. E, ali, joguei no time da compreensão, por correto achar. Medite e nunca mais faça isso. Minha carreira é uma luta constante, independente e vitoriosa, graças a Deus. Você talvez tenha se fiado em fantasmas que não se parecem comigo ou se contaminado por colérica proximidade. Fique com Deus, saiba que você me magoou muito, mas te desejo tudo de bom nesta vida."


Milton se obrigou a responder também a internautas que o interpelaram:


"Caro internauta, obrigado por me acompanhar em várias tribunas e até mesmo quando me citam por aí. Olha, tenho trabalhado muito há 30 anos em São Paulo e do zero dei uma subidinha. Peço até que você leia minha história no site www.miltonneves.com.br, na seção ?Biografia?. Deus foi muito bom comigo, continuo lutando e (antes) até enfrentando a ira de alguns superados observadores do sucesso alheio (hoje, ando até ignorando, porque a inveja é o mau hálito da alma). Mas, um já se ferrou na Justiça e outro está no mesmo caminho. Até lamento, mas a irresponsabilidade precisa ser contida ou, melhor, enfrentada. A inveja é uma m… No caso do correto Felipão, fui chamado (estava dormindo) ao telefone na redação da Jovem Pan, num domingo, à tarde, numa ligação de 1 ou 2 minutos, pelo presidente da CBF (eu não conheço esse homem) que pedia minha opinião sobre o novo técnico da seleção que ele estava escolhendo. Ele estava ligando porque ?me respeitava e me consultava por me ver justamente entre os técnicos? todo domingo à noite no então SuperTécnico da Rede Bandeirantes de Televisão, alegou. Eu disse: ?Ué, eu digo agora o que venho dizendo há meses aqui na Jovem Pan e lá no SuperTécnico. Ou seja, o Felipão é o homem?. A opinião pública dizia o mesmo no Brasil, à época. Aí, o presidente disse que então seria mesmo o Felipão, pois ele já tinha ouvido outras pessoas. E PT saudações. Que culpa tenho eu por esbarrar e até, involuntariamente, influir e alterar a história? E estou superorgulhoso de tê-lo feito. Aliás, está na hora de jornalista esportivo também assumir posições e riscos. Meter o pau em todo mundo… depois do jogo, é muito fácil. Eu ainda serei presidente do Santos FC e, se der, assumo a CBF e topo ser (até, hoje!!!) técnico da Seleção Brasileira!!! O grande João Saldanha não pensava o mesmo, em 1969? O resto é conversa maldosa de jornalista que odeia o sucesso do próximo. Eu trabalho e trabalho muito, luto e tenho chegado a alguns patamares que jamais imaginava sequer poder passar perto. Isso incomoda, mas azar. Quem torce contra mim tem tido péssimas notícias desde 1982, quando nasceu o Terceiro Tempo na Rádio Jovem Pan AM de São Paulo. E, Terceiro Tempo, hoje, 20 anos depois, é marca de programa esportivo da Rádio Jovem Pan-AM, de debate esportivo da Rede Record de Televisão, de coluna no Jornal Agora-São Paulo do Grupo Folha, de Agência de Publicidade em São Paulo, de Incorporadora Imobiliária em Minas Gerais e de site-UOL na Internet. Não é uma dádiva de Deus? Concluindo, ainda quanto ao Felipão (que tanto foi importante para o sucesso do ?meu? SuperTécnico, ao lado de Zagallo, Parreira, Leão e etc…), peço considerar: você acha que esse coleguinha invejoso foi verificar junto ao Felipão se eu obtive ?alguma vantagem? com a ?indicação?? Ora, perguntem para o Felipão!!! Eu ganhei foi sua ausência posterior em 97% das vezes em meus programas, mas ganhei uma vitória pessoal e a reafirmação de ter um lugar de destaque na mídia, fruto de trabalho, capacidade, luta e sorte. E vamos ganhar a Copa com 7 vitórias em junho. E eu serei o ?24? jogador campeão do mundo?, pois, pelo menos, num dos treinos ministrados pelo Felipão, ?eu terei cobrado ao menos um lateral?. Valeu? Fique com Deus. Você é especial. Ah, se perdermos a Copa, terei tido 50% de ?culpa?. Certo? (risos). Milton Neves, jornalista profissional diplomado e publicitário"


Ao pedido de entrevista do Observatório sobre a repercussão do episódio entre jornalistas, ele assim se expressou:


"Querida, soube que não foram "jornalistas", mas "jornalista", no singular. O mesmo que me ataca há anos numa briga de um só: ele contra seu mau humor. Um amigo já pediu a fita. Ah, meu telefone é (xxx), obrigado pelo e-mail e sobre minha honrosa e involuntária "indicação" do Felipão ligue-me quando quiser e peço ler o texto padrão que mandei para 9 (nove) internautas que abordaram o mesmo tema. Fique com Deus e parabéns pelo ótimo Observatório da Imprensa comandado pelo mestre Dines. Fique com Deus. Valeu? Saúde!"


O prezado leitor há de perguntar por que reproduzir assim na íntegra todas as manifestações escritas de Milton Neves. Porque foram necessárias duas longas conversas para descobrir que é impossível entrevistar Milton Neves por telefone. E interurbano.

Em primeiro lugar, ele não se conforma em ser alvo de qualquer questionamento ético, pois trabalha "19 horas por dia há 30 anos para chegar" aonde chegou. Em segundo lugar, ele diz que tais questionamentos são motivados pela inveja. "E se não for inveja? E se for uma verdadeira contestação ética à sua postura?" Ele nem pensa na resposta: "Minha ética quem determina é Deus. Se eu ferisse a ética minha carreira tinha ido pro espaço há muito tempo." Dizer o quê? Não é fácil entrevistar credenciados divinos que raramente permitem a fala dos interlocutores. Ainda mais com o sotaque de paulista do interior, que ele exagera ao máximo para ficar bem engraçado. Na primeira entrevista, em meio a muitos risos, alguma exacerbação e pouca informação útil, acabou sem resposta a pergunta principal: por que ele não divulgou na hora a tal consulta de Ricardo Teixeira? Na segunda, a resposta:

?Milton Nevista tombado?

"Ah, porque eu vivia dizendo que vamos ganhar a Copa com sete vitórias, se o Brasil perdesse eu ia ser o culpado, e eu só disse o que vinha repetindo há tempos no meu programa, que Felipão era o homem certo, era o que o Brasil inteiro pedia. Eu dizia ao próprio Felipão que ele tinha que assumir esse chamado, que era um dever dele de patriota, que se me chamassem eu aceitaria no ato, ele não podia dar uma de Baloubet de Rouet, o cavalo do Rodrigo Pessoa [que refugou nas Olimpíadas de Sydney], e porque…."

E por que finalmente revelou, depois de 10 meses?

"Ah, porque o meu programa dominical da Jovem Pan estava terminando e a produção achou o Ricardo Teixeira, todo mundo queria falar com ele, mas ninguém sabia onde ele andava, e conseguiram botar o homem na linha, e aí eu pedi a ele: ?Vamos restabelecer um detalhe histórico?."

E por aí foi, risos cedendo lugar a muita exacerbação ? gritos mesmo, contra os críticos, contra a matéria ("tanto safado aí e uma publicação séria como essa vem questionar a minha ética, logo eu, que sou a vítima, tendo que me explicar?"). Os comentários de um leitor do Observatório, Guilherme Estanislau do Amaral, reavivaram a certeza de que sim, havia ética em jogo, pouco importando os penduricalhos envolvidos. Eis o e-mail dele reproduzindo a entrevista de Milton Neves com Ricardo Teixeira:


"Milton disse: ?Para estabelecer uma verdade histórica eu gostaria que você confirmasse se é verdade que o senhor me telefonou para saber quem deveria ser o técnico da seleção e que outros 6 jornalistas já haviam votado, 3 no Luxemburgo e 3 no Felipão, e o meu voto para o Felipão foi o voto de Minerva que o colocou no comando da seleção.? (Hoje em dia ele diz que eram 6 pessoas, mas tenho na minha memória, que pode estar errada, que ele disse que eram 6 jornalistas)."


Daí, talvez, o teor da coluna da Soninha. Continua o leitor:


"O Ricardo Teixeira confirmou, contou toda a história novamente e aí o Milton disse, todo orgulhoso, que se a seleção ganhasse ele teria uma pequena participação na vitória (0,000001%) e caso perdesse seria responsável por 50% da derrota (não me lembro da porcentagem, mas o valor era alto)."


A conclusão de Guilherme: "Nunca vi um repórter dando voto de Minerva para definir quem deveria ser o ministro quando indagado por um presidente da República. Esta atitude foi lamentável, e eu senti mais ainda por ser um ?Milton Nevista tombado?. Sou admirador do seu trabalho no futebol e acredito que este tipo de pisada de bola compromete sua credibilidade com o seu fiel público".

Amizade e interesse

Procurado pelo Observatório, Juca Kfouri tem opinião parecida: "Ninguém está a salvo de receber uma ligação do Ricardo Teixeira. Ele a recebeu e tem a obrigação de atender. Também não há como não dar a opinião pedida, até porque publicamente ele, como qualquer outro jornalista esportivo, tem suas preferências e as manifesta. Dito isso, desligado o telefone, ele deveria ter ido ao microfone e contado o sucedido. Ao não fazê-lo não agiu como jornalista."

Para o repórter Luiz Augusto Nunes, que cobre a Seleção Brasileira para o Jornal do Brasil, Milton Neves deixou escapar a oportunidade de fazer uma grande matéria. "A vaidade falou mais alto, e com isso deixou de agir como jornalista."

Quem assiste ao programa da Record, Terceiro Tempo, nas noites de domingo, vê momentos constrangedores de intimidade entre Neves e os técnicos convidados. Num deles, Wanderley Luxemburgo se disse magoado com o voto do apresentador. Neves respondeu: "Viu, você fica brigando comigo, eu não te escolhi. O Felipão é meu amigo, por isso escolhi o Felipão".

Para Milton Neves, isso não é nada de mais. "Eu sou assim, minha intimidade é a irreverência, falo tudo sem ódio no rosto, porque aprendi muito cedo que se mostrar ódio perde a razão. Eu sou diferente! Eu falo a verdade, não sou como os hipócritas e patrulheiros que tem demais por aí. Se o Felipão se sair mal e o Ricardo Teixeira ligar de novo eu digo: demite o Felipão, bota o Parreira."