Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Força e fragilidades dos números

PESQUISAS ELEITORAIS

Rachel Moreno (*)

"Roseana despenca", "Serra dispara", "Lula se estabiliza em seu patamar histórico". As manchetes vendem os jornais, captam a atenção do leitor e do telespectador, e entram no planejamento do marketing político recebendo críticas quanto à sua credibilidade, ou elogios à sua fidedignidade, dependendo do candidato estar "subindo" ou "caindo" em comparação à última medição da intenção de voto. Finalmente, passada a eleição, cientistas políticos são convidados a debater, na mídia, a sua interpretação da razões da vitória de tal ou qual candidato.

Numa iniciativa inédita, a Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (SBPM) organizou em São Paulo, em 18 de março, um debate em que a transversalidade dos três segmentos estava em questão. Jornalistas, cientistas sociais e pesquisadores discutiram suas fragilidades, necessidades de intercâmbio e o atendimento das necessidades do… eleitor.

O rei está nu

Rogério Schmidtt, professor de Ciências Sociais da Escola de Sociologia e Política da USP, apontou a fragilidade de formação dos cientistas sociais e políticos em pesquisa quantitativa; em pesquisa qualitativa, essa formação simplesmente inexiste. E lamentou o fato de os cientistas políticos basearem suas análises em dados desagregados em vez de pesquisas de opinião, que subsidiariam melhor a análise.

Os jornalistas Silvio Bressan e José Roberto de Toledo sublinharam a dificuldade dos jornalistas em ler e interpretar adequadamente os resultados de pesquisas, e identificar o que pode ser efetivamente entendido como uma variação significativa da intenção de voto manifesta.

Marcus Figueiredo, doutor em ciências políticas, professor e consultor do Iuperj, apontou o interesse político do responsável pela manchete com a defesa dos interesses econômicos e políticos do dono do jornal, revista ou emissora de rádio e TV ? em geral identificado na diferença do espaço concedido aos diversos candidatos.

Eliane Cantanhêde, diretora da sucursal de Brasília e articulista da Folha de S.Paulo, criticou algumas pesquisas divulgadas em eleições anteriores e defendeu a necessidade do jornalismo investigativo, isto é, o jornalista não deve se limitar a escrever sobre o resultado da última pesquisa, tomada como verdade única e definitiva. E enfatizou a riqueza da pesquisa qualitativa como ferramenta para a compreensão das tendências e das expectativas dos eleitores.

Silvia Cervellini, do MCI-SP e Márcia Cavallari, do Ibope, salientaram o caráter de diagnóstico e de descritivo do momento dos resultados das pesquisas eleitorais, e a limitação da cobertura jornalística das eleições à interpretação dos resultados das pesquisas divulgadas como se fossem predições.

As mudanças na legislação eleitoral, introduzindo novidades a cada ano (necessidade de aprender a usar as urnas eletrônicas, mistura de urnas eletrônicas com as antigas, regras para coligações partidárias etc.) também confundem o eleitor e introduzem uma variável não mensurada pelas pesquisas.

Convém ainda notar que particularmente a televisão e algumas publicações não mais divulgam o número de indecisos nos resultados das pesquisas, passando ao eleitor/leitor/ouvinte/telespectador a impressão de uma tendência de voto já consolidada quando a maioria dos eleitores ainda não se definiu por um candidato. Na verdade, a mais de seis meses da eleição, mais significativos seriam os resultados espontâneos e não os obtidos de forma estimulada (os únicos divulgados principalmente pela TV), que refletem melhor a opinião do eleitor já decidido.

Entre pesquisadores

Mauro Paulino, do Datafolha, questionou o fato de os institutos se prestarem a fazer pesquisas posteriormente utilizadas pelo marketing político-eleitoral. O Datafolha teria tomado a decisão de não fazer pesquisa para candidaturas, mas apenas para órgãos de divulgação. Entretanto, também pareceu questionável o critério de quando fazer, quando divulgar e a que interesses servir a divulgação de resultados de pesquisa 8 ou 6 meses antes da eleição, quando a maioria dos eleitores sequer definiu seu voto.

As pesquisas "precoces" são um bom instrumento para os candidatos conseguirem recursos financeiros para as suas campanhas, quer porque contem com um bom recall, quer pelo contrário: mobilizar recursos para derrotar o candidato ameaçador que toma a dianteira.

Em outros momentos, pesquisas oportunamente divulgadas "enterram" uma candidatura que sofreu algum acidente de percurso, ao mostrar a queda do candidato pouco depois alguma denúncia de fragilidade ou falcatrua. E servem aos interesses de quem, com isso, reforça a sua própria candidatura ? ou a de seus defensores, simpatizantes, padrinhos e patrocinadores.

Importa esclarecer, ainda, quais os nomes dos prováveis candidatos apresentados aos entrevistados na pergunta estimulada ? "se fossem estes os candidatos, em quem o sr./a. votaria se a eleição fosse hoje?". Em nenhuma das pesquisas divulgadas ? salvo na véspera da prévia do PT, em São Paulo ?, o nome do senador Eduardo Suplicy apareceu como alternativa, embora disputasse a indicação de seu partido na prévia eleitoral.

"Já ganhou"

Os resultados de pesquisas fazem a cabeça do eleitor na reta final? Gustavo Venturi, da Fundação Perseu Abramo, negou que a divulgação da pesquisa defina o voto, quanto mais perto da hora da decisão.

Trata-se de uma informação a serviço do eleitor, que pode decidir votar em quem está na frente (ou em quem não está) para ajudar a definir o jogo eleitoral da forma que lhe parecer mais conveniente. Mesmo porque, nessas circunstâncias, há outras informações em circulação ? da propaganda, das manchetes dos noticiários, das pesquisas não registradas para divulgação mas que "vazam" para a imprensa voluntária ou involuntariamente e que, dependendo do momento de seu "vazamento", não deixam tempo hábil para a realização de outra pesquisa que possa checar seus resultados. No fundo, é justamente a multiplicidade de pesquisas que faz com que uma pesquisa controle a outra, limitando a possibilidade de divulgação do resultado desejável para quem a patrocinou, juntamente com as regras de sua boa divulgação.

Na rodada final do debates, mais uma vez foi salientada a importância das manchetes ? e eventualmente do lead das matérias ? que carregam a principal responsabilidade de "fazer a cabeça" do eleitor. E que refletem mais os interesses políticos dos donos da mídia do que os resultados efetivos de qualquer pesquisa eleitoral. Além disso, não têm data-limite para a sua publicação, criando impressões muitas vezes falsas ou no mínimo imprecisas, que possibilitam impunemente um clima de "já ganhou" ou de "já perdeu" imune a qualquer checagem ou verificação.

Perspectivas de continuidade

Ao final dos debates, foram os seguintes os principais resultados do encontro:

1. A SBPM se dispôs a preparar um curso especial para os jornalistas, treinando-os na leitura correta dos resultados das pesquisas.

2. Profissionais de pesquisa dos diversos institutos presentes e os representantes da universidade explicitaram sua vontade de viabilizar o teste de hipóteses existentes sobre os principais fatores que explicam o voto do eleitor brasileiro. Isso se deu diante da queixa dos acadêmicos pela escassez de verba para realizar pesquisas eleitorais e das reclamações de institutos de pesquisa quanto à concorrência desleal da universidade, que não paga a mão-de-obra que utiliza nem os impostos normalmente recolhidos pelos institutos.

3. Os pesquisadores decidiram retomar e aprofundar a discussão sobre a possibilidade de viabilizar a inclusão de novas questões para os eleitores, mesmo em pesquisas encomendadas por candidaturas, que possibilitem um maior conhecimento do eleitor sobre as variáveis às quais ele é sujeito.

A transversalidade das abordagens pode ser esquizofrênica e empobrecedora ? cada qual, trabalhando em seu canto, com seus meios e as suas limitações. O jornalista tem a mídia; o pesquisador tem a técnica, os dados e a rapidez em colhê-los e interpretá-los; a academia tem o tempo de se debruçar sobre as séries históricas e as teorias eventualmente construídas em outros países.

A somatória das competências, dos acessos e dos poderes ? a efetiva transversalidade enriquecida pelos diversos aportes ? nos traria um enriquecimento e fertilização mútuos.

Se aos que têm o poder de viabilizar as pesquisas somarem-se os bons propósitos explicitados pelos que põem a mão na massa, ganharemos todos ? pesquisadores, acadêmicos, jornalistas e eleitores. Caso contrário, fica aqui registrada a intenção como testemunho para o futuro.

(*) Pesquisadora do Instituto Opinião e presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisa de Mercado, Opinião e Mídia (SBPM)