Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Futebol, literatura, imprensa

IRRITAÇÕES PAROQUIAIS

Deonísio da Silva (*)

O Rio Grande do Sul foi independente por quase dez anos na primeira metade do século 19. Temas e problemas da Revolução Farroupilha, que levou à proclamação das Repúblicas Piratini e Juliana, no Brasil meridional ? a primeira no Rio Grande, a segunda em Santa Catarina ?, aparecem com freqüência na literatura, no teatro, no cinema, nas artes plásticas e ultimamente também na televisão, como foi o caso de A Casa das Sete Mulheres, da TV Globo. E nas praças as estátuas ajudam-nos a memorizar aqueles feitos heróicos. Figuras como José Garibaldi e Anita Garibaldi são ícones de liberdade, não apenas no Brasil.

O Brasil meridional deu-nos na literatura a obra monumental de Erico Verissimo. Mas não apenas dele, evidentemente, pois as letras daquela parte de nosso país têm muitos outros nomes de relevo, a começar por Luis Fernando Verissimo, que conseguiu desembaraçar-se da fama do pai e construir seu próprio caminho, o que não foi inteiramente possível, por exemplo, a Ricardo Ramos, grande contista, que pagou pesados tributos literários por ser filho de Graciliano Ramos. Aliás, vários destaques literários vêm surgindo no sul do Brasil, vistos não apenas nas obras de escritores como Luiz Antonio de Assis Brasil e Charles Kiefer, no RS, e Salim Miguel e Maria Odete Olsen, em SC, ou em revelações mais recentes, como Fabrício Carpinejar e Adriana Lunardi, aquele logrando o feito de diferenciar-se do pai, também poeta, e membro da Academia Brasileira de Letras, Carlos Nejar.

Ocorre que o maior evento literário para o distinto público tem lugar bienalmente em Passo Fundo (RS). São as já célebres Jornadas de Literatura. E isto há 22 anos sem interrupção. E entre os maiores prêmios para nossas letras, dois são do Sul e oferecem quantias atraentes. O "Cruz e Souza", em SC, com prêmios individuais de 80 mil reais em sua mais recente edição. E o "Passo Fundo", que oferece 100 mil reais ao melhor romance brasileiro do biênio, já está com as inscrições abertas para sua terceira edição. O vencedor será revelado em agosto próximo.

Time estrangeiro

Semana passada, quem ligasse a televisão, encontraria também ali o Sul literário. A telinha exibia filme que transpôs a obra de Josué Guimarães para o cinema. Refiro-me a Urubus e Papagaios, de José Joffily, que declarou certa vez o seguinte:


"O Joaquim Vaz de Carvalho [produtor de Mauá e co-roteirista de Luz Del Fuego] me chamou, e eu li o livro do Josué Guimarães em que o projeto se baseava [Dona Anja] e nem gostei muito. Para entender melhor o trabalho do Josué, li toda a sua obra e me comovi muito com outro de seus livros, Enquanto a Noite Não Chega. Isso era 1984 e eu não consegui ver um filme em Dona Anja, pois girava em torno de divórcio, tema muito demodê, mas o Joaquim insistiu, e eu então busquei algo na história que me atraísse, e como costumava ir quando garoto ao cinema assistir às chanchadas da Atlântida, dei este toque ao filme".


Mas chanchadas pareceram as páginas esportivas da Folha de S.Paulo e de O Estado de S.Paulo de segunda-feira (5/5). O Internacional de Porto Alegre, em partida dramática nuns lances, pitoresca em pelo menos um, manteve a liderança do Campeonato Brasileiro, um dos maiores do mundo. Venceu o Goiás por 2 x 1. A manchete do caderno Folha Esporte foi: "São Paulo puxa a rodada da superação do brasileiro". E no caderno Cidades/Esportes do Estadão: "Corinthians dá sorte em Fortaleza".

Que os leitores julguem por si mesmos! E espero que tal descaso esportivo de nossa imprensa não sirva de motivo para outras guerras separatistas. Imagino o leitor gaúcho ou catarinense desses jornais, que se pretendem nacionais, elucubrando sobre os motivos que levaram o sétimo e o décimo colocados a substituírem o primeiro lugar.

O Internacional já foi tricampeão brasileiro. É verdade que faz tempo (1975, 1976 e 1979). Mas quando o Grêmio arrebatou títulos semelhantes, tendo, aliás, superado o conhecido rival, pois sagrou-se campeão do mundo, houve igual descaso por parte da imprensa paulista, que dava a entender que algum time estrangeiro do Cone Sul tinha ficado campeão.

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(*) Escritor, professor, escreve semanalmente neste espaço; seus livros mais recentes são A vida íntima das palavras, A melhor amiga do lobo e Os segredos do baú