Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Gabriel Priolli

QUALIDADE NA TV


OS MAIAS

"`Maias’ merece platéia maior", copyright O Estado de S. Paulo, 21/01/01

"A televisão brasileira atual, com certeza, não está para profecias oswaldianas. A massa não comerá o biscoito fino que também ela fabrica, eventualmente, em meio ao habitual artesanato de mediocridades e à florescente manufatura do lixo. Seguirá locupletando-se no banal ou mesmo no degradado, tão convenientes a uma certa concepção de lazer que antagoniza diversão e cultura, e que identifica relaxamento com baixa estimulação cerebral. A claudicante trajetória da minissérie Os Maias, na Rede Globo, é o mais recente exemplo disso, demonstrando quão longo e angustiante é o caminho a percorrer, na busca pela qualidade na programação da TV.

Que mais o telespectador poderia esperar da ficção de TV, que a Globo estivesse negligenciando nesta excelente adaptação do romance de Eça de Queirós, publicado em 1888? Paixão, preconceito, intolerância, traição, êxtase, abandono, angústia, as mais variadas poções do receituário emocional dos folhetins estiveram presentes nas duas primeiras semanas da minissérie, e apenas antecipando o que ainda virá de mais quente: suicídio, incesto, desespero. Em cena, um elenco fabuloso, repleto de veteranos no esplendor de sua técnica, jovens astros e estrelas de talento, e uma promissora estreante, a paranaense Simone Spoladore, no papel destacado de Maria Monforte, pivô da primeira parte da trama. Tudo embalado em rigorosíssima reconstituição do Portugal do século 19, com cenografia, figurinos e locações perfeitas, um espetáculo de direção de arte. E, no entanto, nem por isso vem agradando à patuléia.

Os Maias encerra a sua segunda semana com audiência inferior a 20 pontos na Grande São Paulo, 10 a menos que a média da semana de estréia. Metade dos telespectadores que estão sintonizados na Globo mudam de canal ou desligam o televisor quando a série entra no ar. Mais de 15 pontos são perdidos apenas nos minutos iniciais de cada capítulo, antes que o primeiro bloco termine.

Junto com o público, fogem os anunciantes e, mesmo com o poder de persuasão que detém no mercado, a emissora não consegue obter patrocinadores para o seu refinado produto.

Problemas operacionais que atrasaram a edição dos primeiros capítulos, e importaram em alguns (pequenos) problemas técnicos; uma narrativa de estilo claramente cinematográfico, em ritmo pausado, despreocupada do frenesi ‘videoclipeano’ que assola a TV; uma iluminação arrojada, centrada no contraste de claros e escuros, e de recepção problemática em antenas e televisores desajustados – estas foram algumas explicações aventadas para a frustrante performance da minissérie. Mas são todas insuficientes diante da evidência maior, de que há, de fato, um rebaixamento no gosto do telespectador médio, e de que a televisão popularesca que se faz sofregamente nos últimos anos já se converteu no padrão estético dominante.

Que não se abalem, entretanto, a Globo e, em especial, a autora Maria Adelaide Amaral, o diretor Luiz Fernando Carvalho e a equipe, que dão o máximo de si para levar o melhor ao telespectador. É amargurante, decerto, fabricar tão apetecível biscoito e vê-lo preterido pelo pão mais bolorento.

Mas a História fará justiça àqueles que tentam qualificar a televisão brasileira, quando tudo conspira para que ela afunde cada vez mais no pântano moral e artístico em que atolou. (Gabriel Priolli é jornalista, professor universitário e diretor da TV PUC)"

"O Eça sumiu", copyright no. (www.no.com.br), 18/01/01

"A adaptação de Os Maias para a televisão é um primor de esmero visual. O tratamento de pseudo-sépia, os planos longos, a iluminação de tirar o fôlego, as locações, tudo isso faz da minissérie um luxo com a assinatura de Luis Fernando de Carvalho. Mas, por Camões!, copidescaram o Eça. Esconderam o texto, talvez porque atrapalhasse a câmera deslizando soberba sobre móveis, rostos, sombras e figurinos. Fala-se pouquíssimo. Uma voz em off narra direto do livro, e na noite de quarta-feira o olhar do príncipe derramava pela sala o langor sombrio de seu olhar de veludo – mas ainda é pouco Eça para nossos ouvidos. Simone Spoladore, com seus inacreditáveis tremoços arfando sob o decote, domina a cena. Na mesma quarta-feira, ela viveu o primeiro momento de sexo proibido com o príncipe. De cara contra a parede de um convento, cercada de mendigos, ela ria diabólica e saciada. Erotismo de primeira. Os espectadores começaram a acordar da entediante rotina de desacontecimentos. Falta acordar o Eça.

O trance do boi

A Globo transmitindo o Rock in Rio tem aquele mesmo ar espantado do Carlinhos Brown diante das garrafadas dos fãs do Gun’s and Roses: Mas esses caras só gostam de rock? O R.E.M entrou em cena para um show que se tornaria antológico, mas o Márcio Garcia deve ter achado o rock chato demais – e começou a narrar por cima da música alguns dados biográficos manjadésimos do grupo. O Oasis teve música interrompida pelo meio. Rock mesmo só no Multishow. O canal fechado está transmitindo todas as apresentações e nos intervalos parte para boas resenhas com João Marcelo Mariano e Simone Zuccoloto, uma dupla de especialistas que sabe direitinho onde começa o trance e acaba o house. Na Globo, onde acabou de chegar de alguma matéria no nordeste, Maurício Kubruskly transforma tudo na mesma, e eternamente gaiata, dança do boi.

Coitado do Mick

A modelo Luciana Gimenez estreou esta semana na apresentação do Superpop da Rede TV! e foi logo avisando ao jogador Adhemar, do São Caetano, que a vida na Alemanha, para onde ele acaba de se transferir, é muito complicada. ‘Tem que comprar papel higiênico até meio-dia de sábado, porque depois, meu filho, fecha tudo e você tem que se apertar até segunda-feira”. Finíssima. Luciana Gimenez, abre currículo, é mãe de um filho de Mick Jagger, fecha currículo. Nada em especial que capacite um ser humano a apresentar um show de televisão. Mas é Brasil, há outras apresentadoras que o são apenas porque louras, e lá está Luciana todas as noites, a partir das nove horas, somando mais algum à pensão de 15 mil dólares que Mick deposita todo mês. Não tem carisma, a simpatia é zero, o QI das perguntas é zero zero. Luciana, totalmente fora de casa, ricocheteia pelas paredes do estúdio. Parece que vai dar um nó em suas enormes pernas e, a qualquer momento, desabar. Esta semana, coitada, seus olhinhos só piscaram quando viram um par de algemas na mão do dono de uma pornoshop. Caiu a ficha e finalmente Luciana vibrou: ‘Isso eu sei para que serve, que eu não sou boba”. Bobo, nessa história, só o roqueiro inglês."

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