Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Gabriela Goulart

GLOBO vs. SBT

"Disputa pela noite de domingo", copyright Jornal do Brasil, 30/11/01

"Com um coringa escondido na manga, Silvio Santos atrapalhou a maior cartada de final de ano da Globo, a estréia da terceira versão do reality show No limite, na noite de domingo. Produzido em esquema de sigilo absoluto, o programa A casa dos artistas, exibido em duas etapas pelo SBT no mesmo dia, derrotou no ibope parte do Domingão do Faustão (31 a 27), parte do Fantástico (33 a 25) e encostou em No limite, que teve média de 32 pontos contra 27 do SBT na meia hora em que as duas atrações se enfrentaram no ar. A briga não vai ficar restrita à disputa pela audiência. A Globo anunciou que vai acionar seu departamento jurídico para processar o SBT sob a alegação de que A casa dos artistas é uma cópia de outro reality show, o Big brother, cujos direitos lhe pertencem. Mais que isto. A Globo, que, em agosto, assinou contrato com a produtora holandesa Endemol Entertainment – criadora do programa -, também está desenvolvendo o seu próprio Big brother.

No SBT, a lei do silêncio continua em vigor quando o assunto é A casa dos artistas. De acordo com comunicado da assessoria de imprensa da emissora, o ?programa inovador abre aos telespectadores a intimidade de artistas conhecidos do público, mostrando suas qualidades, seus defeitos, suas vaidades e suas aptidões.?

Famosos – Trocando em miúdos. Durante sete semanas, 12 famosos do terceiro time (Alessandra Iscatena, Mari Alexandre, Patrícia Coelho, Núbia Ólive, Nana Gouvêia, Bárbara Paz, Supla, Alexandre Frota, Matheus Carrieri, Taiguara, Marco Mastronelli e Leandro Lehart) ficarão confinados em uma casa cheia de câmeras. Jornais, TV e telefone são terminantemente proibidos. No final, o vencedor leva R$ 300 mil. O número de participantes e o prêmio são iguais aos do No limite. A mecânica de isolamento, semelhante. Na comparação com o Big brother, que já esteve nas mãos do SBT no ano passado, mas não foi para frente por problemas nas negociações com a Endemol, a atração é idêntica.

?A intenção é fazer com que, diante de situações extremas, cada um se mostre exatamente como é?, explica o comunicado da emissora. A partir da terceira semana, os artistas serão eliminados. Quem sai, leva passagens para diferentes lugares do país. Na adaptação que o SBT fez do Big brother, o programa irá ao ar em doses homeopáticas: meia hora de segunda a sábado, depois da novela A pícara sonhadora, e uma edição maior no domingo, comandada por Silvio Santos, depois do Domingo legal.

O primeiro A casa dos artistas, exibido em duas partes, das 20h40 às 21h43 e das 22h45 às 23h32, se restringiu à apresentação de seus participantes glamourosos e a chegada na tal casa. Já o terceiro No limite, que na média geral teve 33 pontos contra 22 do SBT, foi além. Além da apoteótica chegada dos concorrentes de pára-quedas, deu uma pincelada no perfil de cada um e mostrou corpos, muitos corpos. Volta e meia a câmera boba flagrava, em close, uma região glútea de fora, uma troca de roupa, um peitoral malhado. Não restou dúvida depois deste primeiro episódio: entre as mulheres, não ser baranga foi quesito fundamental.

Ibope – Mesmo com tantas curvas, a audiência ficou aquém do esperado. A primeira versão do programa, em julho de 2000, registrou 47 de média e a segunda, em janeiro, alcançou 35. Fora a diferença numérica – que faz uma grande diferença, principalmente quando se lembra que apenas uma cota de patrocínio foi vendida até a estréia -, ficou evidente a intenção de resgatar o clima do primeiro No limite nesta terceira fase do programa.

Até nos perfis dos participantes: teve o carioca marrento (o sushiman Diuare), a sensível que chora (a estudante de Direito Janaína), a enfezada que dá bronca (a dona de casa Cláudia Lúcia), o figuraça gente boa (o policial militar Rodrigo), a mal-humorada (a fisioterapeuta Adriana), só para citar algumas semelhanças com os integrantes da primeira versão do programa. Mas teve mais, como o desafio de fazer fogo sem fósforo, comer comida fria direto da lata, pescar, trepar no coqueiro para tirar coco.

Como no primeiro, a divisão entre os times (água e fogo) buscou a oposição. Um mais unido – com direito ao pastor evangélico Pedro, que anda com um bonezinho com a inscrição Jesus e, a cada dificuldade ou conquista, reúne o grupo para orações – e o outro mais individualista. Outro quesito que parece ter influenciado a escolha dos concorrentes é o bom humor.

Clima – Neste terceiro No limite, todo mundo é mais light. Têm vontade de ir ao banheiro e o colega de equipe pergunta se é o ?número um ou o número dois?. Cantam ?eu vou, eu vou, para o acampamento agora eu vou? enquanto caminham pela estrada repleta de lama. Dão olhadelas disfarçadas durante as trocas de roupa. E tomam muito, muito banho de rio. De biquíni ou calção. Sempre.

Tudo também é mais light no entorno. Cada acampamento tem seu poço de água, a comida é mais farta, o rio é cheio de peixes e as provas da gincana testam mais habilidade do que propriamente resistência física. Mesmo assim, as diferenças entre os participantes e os esperados conflitos de relacionamento já começaram a surgir. Bisteka, adepta do candomblé, foi a primeira a ser eliminada do grupo em que o pastor evangélico funciona como guia.

Politicamente correto, o programa não mostrou o voto dele no portal high tech – onde cada concorrente aparece em um monitor de TV. A escolha de quem sai é feita em um sistema de paint brush e Zeca Camargo contabiliza o resultado teclando no computador, ?muito mais rápido?. E também muito mais fake, considerando que o programa é gravado em uma fazenda próxima ao município de Soure, antiga aldeia dos índios Maruanazes, na Ilha de Marajó, no Pará."

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"Globo e SBT em guerra declarada", copyright Jornal do Brasil, 31/10/01

"Informal e, de certa maneira, elegante até agora, a guerra entre o SBT e a Globo foi finalmente declarada de forma oficial. Através de comunicados para a imprensa, as duas maiores emissoras da TV aberta brasileira estão usando artilharia pesada na troca de acusações pelo formato do reality show holandês Big brother. Dona dos direitos e idealizadora de mais uma versão do show – que já rodou 17 países -, a Globo acusa o SBT de plagiar o conceito no programa Casa dos artistas, que começou a ir ao ar no último domingo para concorrer com No limite, e está processando a emissora de Silvio Santos por concorrência desleal. O tom dos comunicados, no entanto, mostra que a rixa entre Globo e SBT extrapolou, em muito, a própria disputa.

O primeiro round começou no fim da tarde de segunda-feira, quando a Globo, em comunicado oficial, demonstrou sua intenção de recorrer à Justiça para tirar do ar o programa do SBT, que roubou alguns pontos da audiência de No limite. Além de acusar a emissora de Silvio Santos de pirataria ?com um plágio sensacionalista do Big brother?, a nota ampliou a questão para o limite da ética e da moral. ?Um país que não respeita o direito intelectual jamais será desenvolvido. A indústria brasileira de entretenimento só pode crescer se for baseada no respeito à lei e em princípios morais. Nossa indignação é ainda maior, porque no momento em que a sociedade brasileira anseia por ética, esse tipo de comportamento é um exemplo de descaso com um dos valores mais elementares, o de que o direito de um acaba quando começa o do outro?, diz o comunicado da Globo.

Foi justamente esta postura que fez o SBT revidar, na manhã de ontem. ?A indústria brasileira do entretenimento só pode crescer se a TV Globo deixar. Não satisfeito em derrotar o índice de audiência da TV Globo durante todo o domingo, o SBT cometeu a leviandade de, pela primeira vez, derrotar o Fantástico, sem pedir as desculpas devidas a este pilar de moralidade e correção que é a TV Globo. Por tudo isto, é justo que a Globo nos processe, ainda que seja por plágio de um programa que não está sequer produzido. Será plágio por adivinhação, por premonição?, diz a resposta, em tom irônico, o comunicado assinado pela diretoria do SBT.

A nota da emissora de Silvio Santos não pára aí. Aproveita para fazer uma espécie de acerto de contas com a Globo e sua política agressiva de contratação de pessoal. ?Como sabemos, é altamente moral e ético pagar as multas e assumir os processos judiciais de autores sob contrato para que o SBT não possa contar com um único escritor; é extremamente ético comprar eventos para não exibi-los; aliciar contratados apenas para desorganizar os concorrentes.?

O fato de as organizações Globo terem divulgado o seqüestro da filha de Silvio Santos, Patrícia Abravanel, também entrou no pacote. ?Como sabemos, é extremamente ético vender jornais à custa da desgraça de pais desesperados e de filhas seqüestradas. Tudo isto é altamente elogiável, é exemplar?, ressalta, sempre em tom de ironia, o comunicado do SBT.

Ontem, no fim da tarde, depois de um dia inteiro de reuniões para discutir o assunto, a Globo liberou sua tréplica. Na nota, defende seus artistas, autores e profissionais e critica o tom do comunicado do SBT e seu ?mal disfarçado ressentimento?. ?O mais lamentável, porém, no episódio que estamos assistindo é ver que o SBT reconhece o valor dos direitos da Globo, até porque durante vários meses negociou com a Endemol (produtora que comercializa os direitos do programa Big brother) e teve acesso a todos os detalhes do formato de produção, comprometendo-se a não utilizá-lo. Triste é vermos uma empresa demonstrar publicamente o orgulho de ser ?esperto? e de usurpar o direito de terceiros.?

O imbróglio é quase tão polêmico quanto a repercussão do reality show Big brother – pelo mundo. Com nome inspirado no clássico 1984, de George Orwell, o programa promove a convivência forçada de 10 anônimos em uma casa, sem qualquer contato com o mundo exterior. Ou seja, não há TV, jornal, revista, rádio ou telefone.

Durante três meses, 30 câmeras – uma delas até no chuveiro – observam e registram o dia-a-dia e os efeitos deste confinamento, que podem ir de brigas a cenas quentes de romance. A cada semana, os telespectadores escolhem um participante para sair da casa. O vencedor recebe uma quantia em dinheiro. Nos diversos formatos pelo mundo, o valor do prêmio variou entre US$ 124 mil e US$ 500 mil.

A audiência, logo no início, foi estrondosa. Nos Estados Unidos, onde foi exibido pela rede CBS, o primeiro programa da série teve 22,4 milhões de telespectadores. O sucesso mundial do formato provocou uma rajada de críticas, de autoridades a religiosos, que compararam o programa a uma experiência com animais enjaulados, com total desprezo pela dignidade humana.

No programa do SBT, 12 famosos – entre eles Alexandre Frota, Supla, Nana Gouvêia e Mari Alexandre – ficarão trancados em uma casa durante sete semanas. Observados por câmeras, também não terão contato com nada que supere os limites da Casa dos artistas. No fim, o participante que não for eliminado receberá R$ 300 mil.

Para o advogado Marcelo Gandelman, especializado em propriedade intelectual, pela Lei de Direito Autoral, para se configurar plágio, é preciso analisar elementos de roteiro, formato, cenário, figurino, conceito, tempo de duração e até valor da premiação. ?Em tese, a Globo argumentar que tem um contrato com a produtora do programa é válido. Por outro lado, o SBT dizer que seu programa não pode ser comparado porque o da Globo ainda não está no ar também é válido. A Justiça tem que analisar cada caso do ponto de vista prático?, diz ele."

 

"Globo estuda processar SBT por ?Big Brother?", copyright Folha de S. Paulo, 30/11/01

"Advogados da TV Globo avaliavam ontem de manhã a viabilidade de acionar na Justiça o SBT, que anteontem à noite estreou um programa inspirado no ?Big Brother?, cujos direitos autorais pertencem à Globo. Exibida em duas partes, ?Casa dos Artistas? provocou a primeira derrota no Ibope do ?Fantástico?, que está no ar desde 5 de agosto de 1973.

Os advogados da Globo, no entanto, já dão a causa como ?muito difícil?. O problema é que Silvio Santos copiou o conceito de ?Big Brother?, mas não o formato exato do original.

Seria uma discussão jurídica muito longa que, no momento, só ajudaria o SBT. O ?Casa dos Artista? reúne 12 ?famosos não top de linha? que ficarão 45 dias isolados em uma casa na região do Morumbi, em São Paulo. Entre os artistas, estão Supla (filho de Marta Suplicy), os atores Alexandre Frota e Taiguara Nazareh (de ?Presença de Anita?) e as modelos Núbia Ólive, Mary Alexandre e Alessandra Iscatenna. A idéia é provocar situações de sexo entre os concorrentes -o vencedor levará R$ 300 mil.

Idealizado por Silvio Santos (que em 2000 negociou a compra dos direitos de ?Big Brother?), ?Casa dos Artistas? começou a ser produzido há um mês e em segredo. Os contratados assinaram cláusula de sigilo. Os artistas só foram contactados na semana passada. Pelo menos um, Lady Lu, desistiu. Diretores do SBT só ficaram sabendo na sexta.(…)"

    
    
                     
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