Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Garotinho rasga a fantasia

CARTA CAPITAL CENSURADA

Alberto Dines

O pré-candidato do PSB à Presidência da República, Anthony Garotinho, abriu o jogo. Quer transparência e deu o exemplo ? desnudou-se de corpo e alma. Um horror.

Em apenas 10 meses a criancinha travessa desvendou sua verdadeira carranca: o comunicador adora truculências contra os meios de comunicação. Reviveu em grande estilo a censura prévia e impediu que duas publicações veiculassem denúncias sobre seus negócios particulares (onde também aparece sua mulher, Rosinha Garotinho, igualmente pré-candidata).

Mesmo pretexto: defesa da privacidade. Primeiro no Globo (julho de 2001), agora no semanário CartaCapital, Garotinho tenta abafar duas matérias efetivamente investigadas. Este Observador, há alguns anos, tem se manifestado contrário à mera transcrição de grampos, legais ou ilegais, sem o imperioso suporte investigativo e a busca de evidência. A prática foi estimulada por políticos e empresários com interesses contrariados e acabou viciando os procedimentos “reporterísticos” em nosso país. Notadamente em Brasília, o que deu margem à consolidação de um sistema de tráfico de influências, chantagem e abusos.

Nos dois episódios, porém, as fitas foram acompanhadas por um intenso trabalho de reportagem. Não se tratou do famigerado “jornalismo de arapongagem” tantas vezes aqui denunciado.

No caso do Globo as fitas só apareceram no terceiro dia da série, no de CartaCapital as fitas sequer seriam reproduzidas ? um dos interlocutores das conversas assumia, em entrevista, a responsabilidade pela divulgação e reiteração das denúncias.

A violência contra o jornal carioca foi neutralizada por seu concorrente direto, o Jornal do Brasil, que driblou a proibição e apresentou com destaque parte das conversas e o teor das denúncias. Solidariedade ou senso de oportunidade, não importa, vale o gesto e a difusão da informação. Censura noticiada é tiro pela culatra.

Agora, o semanário censurado teve ajuda mínima ? apenas o Globo noticiou a violência com algum destaque (sábado, 18/5, chamada na primeira, matéria grande em página interna). Os demais jornalões contentaram-se com discreto registro. Concorrentes diretos nem isso ? não era com eles.

Nesta reação coletiva embute-se questão tão grave quanto a própria ação: a imprensa brasileira só se comporta como instituição nas questões que mexem com o negócio. A algidez e insensibilidade dos pares perante a violência perpetrada contra um veículo desvenda a existência, no establishment mediático, de um perverso sistema de idiossincrasias, preconceitos, vendetas e listas negras.

A grande verdade é que ao se omitirem da cobertura de gravíssimo episódio envolvendo diretamente um concorrente na disputa presidencial ? o que não aconteceu com outros postulantes ? assumem abertamente sua incapacidade para a isenção e eqüidistância. [Concluído às 19h50 de 20/5/02]

 

CARTÃO AMARELO

A.D.

Manchete da primeira na Folha de S.Paulo de quinta-feira (16/5): “Maluf tem 33% e Alckmin, 29%”.

Antetítulo: “Há um empate técnico em cenário com Quércia; as demais simulações do DataFolha apontam para o pepebista isolado em 1?”.

Na página interna (A-6) volumosas interpretações numerológicas. Em ambas os indefectíveis infograficos para tornar absoluto o que é necessariamente relativo.

Dia seguinte, o mea culpa vergonhosamente escondido no pé da página 3 como se fosse errinho de grafia ou irrelevante troca de bilhão por milhão, como soe acontecer. Nele são admitidos nada menos do que 6 (seis!) erros estatísticos graves que alteram as avaliações destacadas no dia anterior . Um dos erros, no antetítulo da primeira, é de suma gravidade porque o amado pepebista não está isolado em primeiro lugar. E sabendo dos rígidos princípios morais de Paulo Maluf, a esta altura sua máquina de propaganda já está explorando a informação errônea.

Como sondagens e simulações são falhas, manipuláveis e imprecisas, a estatística fica de lado e assomam duas questões éticas e morais de grande porte:

** A insignificante errata no dia seguinte poderá apagar os arrasadores efeitos das duas manchetes do dia anterior? Enganos dessas dimensões, num momento como este e numa questão dessa importância, podem ser compensados com a sumária admissão de negligência? O “Erramos” da página 3 será suficiente para substituir a desinformação aleatória pela informação correta ?

** A Folha bateu no peito e assumiu todas as faltas. Prêmio para ela. Mas foi erro dos jornalistas ou dos estatísticos do DataFolha? Se o jornal avoca a si todos os desacertos cometidos na interpretação dos números fornecidos por um instituto autônomo, não estará procurando imolar-se para preservá-lo? Evidencia-se que a direção do grupo não teve dúvidas: preferiu arranhar a credibilidade do jornal ? instituição cívica e política ? para preservar a confiabilidade de uma subsidiária comercial.

Desculpando-se enquanto jornal Folha (no minúsculo recanto destinado às penitências e confissões) fica dispensado a pedir perdão enquanto Instituto Datafolha num comunicado obrigatoriamente mais visível.

O que nos leva a questão ainda mais transcendente: diante do mais elementares deveres de transparência de um serviço público não deve o jornal esclarecer, junto com a indicação sobre a metodologia da sondagem, seu relacionamento com a empresa que a realizou?

Pressa, pressões da concorrência, falha humana ? tudo é válido, compreensível, relevável. O episódio não teria maior importância se a Folha não estivesse manifestando inequívocas preferências eleitorais: Enéas, Garotinho, Itamar, Roseana e Lula todos eram ou são maravilhosos candidatos, o único que não pode ser eleito é José Serra. Este não passará.

Indícios:

** Artigo do Diretor de Redação onde em meio a profundas elocubrações políticas sai esta pérola de ponderação: “O tucano tem uma sede de poder jamais vista”. Lula foi candidato quatro vezes, Enéas outro tanto, Ciro Gomes duas, José Serra uma. Se números servem para medir alguma coisa, a quantificação da “sede de poder” do pré-candidato do PSDB é menor do que a de seus rivais. O resto é subjetividade, ou agressão pura e simples.

** Iniciado o affaire Vale do Rio Doce, antes mesmo de qualquer apuração a cobertura da Folha já era batizada com o selo “Sombra sobre o tucanato”. Profecia, desejo recôndito ou suspeição antecipada, o nome certo é preconceito.

** Nos desdobramentos do caso, um dos personagens secundários que, como todos, ainda não pode ser considerado legalmente como suspeito, é apresentado todos os dias como “sócio de Serra”. Claro que não é linchamento, é impulso estético para compor títulos com mais letras e menos claros.

Extraordinária coincidência: os erros na pesquisa e as doçuras da edição da cobertura política visam o mesmo partido.

 

AMBIGÜIDADES

A.D.

Quem, porventura, tiver dúvidas sobre o sentido real da palavra ambigüidade deve recorrer à capa da Veja que circula nesta semana (22/5, edição 1.752) e aprenderá tudo a respeito.

Título principal: “Por que Lula assusta o mercado”.

Por que (separado) ou porque (junto), com interrogação ou sem interrogação, duvidando ou afirmando, não importa ? ficou estabelecida, de forma sutil, a relação causal entre a subida do candidato e um mercado assustado.

Ambigüidade é isto?

No alto da capa, chamada menor informa que “Empresários disputam a agenda do petista”. Entende-se que o mercado não está assustado como se diz alguns centímetros abaixo, tanto que os empresários estão correndo para encontrar-se com o ex-bicho-papão. Lula [já] não assusta o mercado por que os empresários [já] estão disputando as suas benções.

Ambigüidade é isto?

As duas mensagens são colidentes ou complementares? Pelo tamanho na capa a formulação do título maior (negativo) impõe-se ao menor (positivo) ou será o contrário, a colocação no alto do titulo favorável domina o outro, desfavorável?

Ambigüidade é isto?

Certamente aparecerão exegetas propondo interpretações diferentes, o que levará o leitor a perguntar: o que Veja pretende dizer na sua capa?

Ambigüidade é exatamente isto.