Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Gilles Lapouge

MONITOR DA IMPRENSA

ASPAS

PUTIN & NTV

"Só milagre salva TV independente russa na guerra com o Kremlin", copyright O Estado de S. Paulo, 11/4/01

"A liberdade de imprensa na Rússia de Vladimir Putin começou mal. Um dos últimos meios de comunicação a ilustrar a independência de pensamento no país, a rede NTV, está prestes a alinhar-se ao pensamento oficial, o do Kremlin.

O que aconteceu? O grupo Media-Most, ao qual pertence a NTV, está indócil há muito tempo. Os editoriais de seu diretor, e jornalista famoso, Yevgueni Kisseliov, são talentosos e ao mesmo tempo, provocantes. E isso desde 1993.

Kisseliov foi uma das raras vozes russas a tratar de maneira imparcial a terrível primeira Guerra da Chechênia em seu programa Itogi (Balanços).

Mas, por trás de Kisseliov, havia Vladimir Gussinski, o patrão do grupo Media-Most. Gussinski pertencia àquela categoria social denominada ?oligarcas?, pessoas que se multiplicaram no corpo carcomido da URSS e acumularam fortunas impressionantes.

Esse foi o calcanhar de Aquiles do Media-Most e, conseqüentemente, da NTV.

Na verdade, o presidente Vladimir Putin, que não gosta que os jornais pensem diferentemente do Kremlin, ficou nervoso com os jornalistas da NTV, que se permitiam criticar o poder, a guerra na Chechênia, etc. Então, caiu sobre o ?elo fraco?, Gussinski.

Desde 1999, as contas do Media-Most, que havia apoiado, nas eleições legislativas, a centro-esquerda contra Putin, foram bloqueadas. Em abril de 2000, foi aberto um inquérito contra o Media-Most. No fim de julho, Gussinski abandonou a Rússia e refugiou-se na Espanha (o Ministério Público acusa Gussinski de ter recebido US$ 1,5 bilhão de modo ilícito).

Em novembro, o Media-Most assinou um acordo de venda de ações com o gigante Gazprom, enorme conglomerado perfeitamente submisso ao poder de Putin. Os homens do Media-Most protestaram – disseram que a venda foi feita sob coerção. Pouco importa. O Kremlin prosseguiu. Foi aberto um inquérito contra Gussinski por fraude. E, infelizmente para a liberdade de imprensa, tudo leva a crer que, de fato, Gussinski não é um modelo de moralidade financeira.

Em 13 de novembro, a Justiça ordenou a prisão de Gussinski. Em seguida, Moscou pediu à Espanha a extradição dele. No dia 3, a Gazprom assumiu o controle da NTV. Começou a queda-de-braço entre os jornalistas da NTV e o Kremlin.

Obviamente, o Kremlin (Putin) nega estar envolvido com a ressaca da NTV.

Trata-se de um litígio banal entre dois acionistas e nada mais. Como Putin se permitiria entrar em uma querela entre dois agentes econômicos? Esse foi o discurso que Putin manteve ontem para o chanceler da Alemanha, Gerhard Schroeder, que foi a Moscou e se sentiu na obrigação de defender a liberdade de imprensa, em geral, e a da NTV, em particular (aliás, sem muita coragem, pois nem sequer pronunciou o nome da NTV!!!).

A batalha de Schroeder não surtiu efeito. Ao contrário. Permitiu a Putin mostrar-se mais branco que o cordeiro pascal e ?bem decidido a garantir a liberdade de expressão dos cidadãos e, principalmente, a liberdade de imprensa?.

A NTV, de forma heróica, ou seja, como fenômeno quase único de liberdade intelectual na Rússia, pode esperar ser salva? Ontem, a opinião pública estava bem pessimista. A chance da NTV escapar do controle da poderosa Gazprom é ínfima. Gussinski continua rico, é um homem exilado. Ele se esforça para agitar com seus telefonemas, mas não tem mais muito poder.

A redação da NTV, muito popular e admirada, une-se (quase inteiramente) a Kisseliov, mas começa a afrouxar. O prefeito de Moscou, Yuri Lujkov, antes aliado e suporte financeiro da NTV, de repente, muda de campo. Ele acaba de declarar que a prefeitura espera recuperar os US$ 200 milhões concedidos ao Media-Most. O céu está nublado. A não ser que um milagre…"

"Repórteres Sem Fronteiras ?indignados?com controlo da NTV", copyright O Público, de Lisboa 15/4/01

"Os Repórteres Sem Fronteiras (RSF), uma organização de defesa da liberdade de imprensa, declarou-se ontem ?indignada com a ocupação pela força da NTV, único canal de televisão independente na Rússia?.

Em carta enviada ao ministro russo do Interior, Boris Grizlov, o secretário-geral dos RSF, Robert Ménard, considerou ?inadmissível que os agentes do Estado tenham actuado para mudar a direcção de um órgão de comunicação social e expulsar os jornalistas dissidentes?.
A NTV, canal de televisão independente com audiência nacional na Rússia, passou ontem de manhã para o controlo da nova direcção pró-Kremlin, num ?golpe? denunciado por jornalistas e defensores dos direitos do homem.

?Os Repórteres Sem Fronteiras acusam as autoridades russas de serem os principais responsáveis pela perseguição que a NTV sofreu nos últimos tempos?, refere o comunicado dos RSF.

Na sexta-feira à noite, forças especiais do Ministério do Interior compareceram na sede da NTV, em Ostankino, Norte de Moscovo, para permitir à nova direcção, nomeada em 3 de Abril pela empresa Gazprom, entrar em funções e tomar o controlo do canal."

"Estatal tira jornalistas rebeldes de TV russa", copyright Folha de S. Paulo, 15/4/01

"A única grande rede de TV russa independente do Kremlin está desde ontem sob controle de administradores nomeados por uma empresa estatal, em uma ação classificada por jornalistas da emissora de ?golpe contra a democracia?.

A manobra que permitiu a troca de comando da NTV ocorreu há duas semanas. Em uma reunião de acionistas, a Gazprom, estatal russa de gás que detém 46% da emissora, proclamou-se sócia majoritária da TV e anunciou a mudança de administradores.
Para os antigos diretores, a reunião de acionistas foi ilegal. A decisão da Justiça sobre o caso está marcada para 10 de maio.

Desde o anúncio da mudança, uma equipe ?rebelde? da emissora mantinha os estúdios da TV sob ocupação. Na madrugada de ontem, a direção indicada pela Gazprom trocou os guardas de segurança do prédio e mandou que os jornalistas se demitissem ou assinassem um termo comprometendo-se a respeitar seus novos chefes.

Boris Jordan, o financista americano apontado pela estatal russa para dirigir a NTV, disse que a retirada dos ?rebeldes? foi ordeira.

Para analistas, a crise da NTV indica os estreitos limites da tolerância do presidente Vladimir Putin em relação a quem o critica.

Putin disse que não tem nada a ver com uma disputa que, para ele, é somente ?comercial?. Entretanto, no dia em que os jornalistas ?rebeldes? da NTV eram expulsos da emissora, o presidente russo fez uma surpreendente e ruidosa visita à Tchetchênia, com seus principais ministros. A emissora de TV RTR, dirigida pelo governo, classificou a visita de ?principal notícia do dia?.

Dívidas e ?golpe?

Depois de expulsos da TV, os jornalistas da NTV usaram a pequena estação TNT para relatar sua versão e acusar o governo de promover um golpe. A TNT pertence ao empresário Vladimir Gusinsky, um dos principais adversários de Putin.

Gusinsky era acionista majoritário da NTV, mas sua participação foi bloqueada pela Justiça no âmbito de um processo em que ele é acusado de fraude fiscal pelo governo. Gusinsky classifica o processo como uma perseguição política.

A Gazprom, por sua vez, diz que decidiu intervir na direção da emissora em razão do crescimento das dívidas da TV.

O diretor Jordan afirmou ontem que apenas 35 dos 1.200 empregados da emissora manifestaram sua intenção de se demitir. Dos 35, apenas 10 são jornalistas, segundo Jordan. ?Não aceitamos essas demissões e temos esperança de poder dialogar com essas pessoas nas próximas semanas. Apesar do otimismo oficial, funcionários da NTV disseram esperar que dois terços da antiga equipe da emissora se demitam.

Os programas da emissora já foram ao ar ontem sem os logotipos de protesto dos jornalistas, que apareceram nos últimos dez dias.

O grupo ?rebelde? recebeu ontem o surpreendente apoio de Oleg Dobrodeyev, um dos fundadores da NTV, que deixou a emissora para dirigir a estatal RTR.

Em entrevista, Dobrodeyev anunciou sua demissão da RTR, dizendo-se perturbado com todo o episódio envolvendo a NTV.

A tomada hostil da NTV complicou a intenção do fundador da TV CNN, Ted Turner, de comprar parte da emissora e manter sua independência.

Turner havia dito que, se a equipe de jornalistas que fez a fama da NTV fosse obrigada a deixar a emissora, o trabalho de jornalismo na TV ficaria insustentável."

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