Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Gislene Bosnich

DIPLOMA EM XEQUE

"’Jornalismo ‘Classe Média’", copyright Novaeconomia (www.novae.inf.br), 30/11/01

"A questão do diploma não passa exatamente por discutir sua necessidade ou não, mas sim sua retirada como condição para o exercício de uma dada profissão. O governo joga no obscurantismo muitos cursos que podem comprometer a expansão do exercício de refletir e querer mudar a realidade a partir desta reflexão.

Retirar a obrigatoriedade do diploma de jornalista não é nada se comparado a não permitir que qualquer pessoa possa freqüentar uma universidade. Convenhamos, se já é difícil adentrar no mundo do jornalismo para aqueles que advém das camadas mais pobres desta nossa sociedade, que se extingüe na miséria de espírito, imagine agora que não há nenhum argumento louvável para pleitear a vaga.

A classe média vai espalhar-se cada vez mais pelas redações e penso, pelo que se tem visto, ouvido e falado, que não será com o ímpeto que move os que vivem e vêem as piores infâmias e mazelas. Sei que não é verdade que é preciso viver mal para vislumbrar um mundo digno e lutar por ele, mas também sabemos que a maior parte da classe média acha que o mundo vai bem desde que se possa sair com seus cachorros para passear pela alamedas e bosques dos rincões da elite financeira (Nada contra os cães !) . E alguns dirão que penso como ditadora, mas perto daquilo que se vê, digo que não é exatamente assim.

(Outro elemento que ninguém lembra é que se a liminar concedida pela juíza quer democratizar o acesso ao jornalismo; ela deve considerar que a população brasileira fala e escreve de maneira compreensível. Democratizar para quem ? A periferia vai começar a escrever e apresentar telejornais ? A periferia não tem trabalho, não come, não tem dentes, não sentou em nenhuma carteira de escola – o que também, é verdade, pode não garantir nada. É preciso democratizar sobrevivência, primeiro.)

Jornalismo é talento, é sacudida constante do conhecimento, é ímpeto que identifica uma possível pauta e também a discussão em sala de aula de temas que, notoriamente, cutucam nossas cabeças há muito. Escola de Frankfurt, história do jornalismo brasileiro com seus ‘bacharéis’, o quarto poder ? A legislação e o direito autoral também são temáticas abordadas.

Este mesmo governo democrático-cristão-liberal acaba de proibir o ensino de sociologia e filosofia no ensino médio, porque – segundo o Presidente da República, Sr. Fernando Henrique Cardoso – ‘as disciplinas já estão suficientemente diluídas em outras’. A esta inquietante frase de efeito, da parte dos professores ficou a resposta óbvia: ‘Tão diluídas estão que sequer parecem existir’.

Poderíamos dizer que também outras atividades não exigiriam o diploma, que tal começarmos por Medicina e Direito. Quem assistiu ao filme Regras da vida com Michael Kayne interpretando um médico que trabalha num orfanato e que em dado momento resolve falsificar o diploma de um púpilo seu (um dos garotos que não foi adotado e ficou no orfanato como ‘funcionário’) que já dispunha de condições para ‘clinicar’.

Ou quem sabe assistir à paródia do cotidiano em Mamãe é de morte, em que a atriz Kathelen Turner interpreta uma mãe que mata quem desagradar a um de seus filhos. No final, num daqueles fatídicos tribunais que são tão corriqueiros nos filmes estado-unidenses quanto à obrigatória bandeira, a personagem da atriz pede, e obtém o consentimento, para que ela mesma advogue em sua causa. Enfim, que ela seja sua própria advogada. O argumento: estudos de leis e jurisprudência. A vitória acontece: o personagem é absolvido de seus seis assassinatos.

Pronto. Argumentos insólitos tanto quanto os utilizados pelos poderosos de Brasília em seus vários escalões para jogar em prol da extinção de cursos, começando por descredenciá-los e elitizá-los ainda mais. Atitude correta para um governo que está mostrando suas intenções para com o ensino: desmantelá-los com atitudes que podem ter certa fisionomia vanguardista, mas – em verdade – apenas repassam para a iniciativa privada a condição de alfabetizar as crianças, jovens e adultos – aqueles que pagarem, é claro.

É claro que a esta altura, alguns podem dizer que o raciocínio é bastante improvável de verificar-se na realidade, mas para estes digo apenas que não se precipitem na afirmação, afinal, estão (querendo) mexer (ou mexendo) na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que não é das melhores (assunto merecedor de outro artigo) pode piorar muito a condição do trabalhador ao flexibilizar tudo. E ainda dizem que é para o bem do trabalhador. Ora se é para o bem do trabalhador porque então não se mantém a legislação e se discute conquistas em patamares superiores ? O óbvio nos persegue, mas parece que a obviedade também tem sua classe social.

Retornando ao diploma, vale a pena ler o artigo do Professor universitário de Lages (SC), Gilberto Bombardieri publicado na revista Carta Capital (n?167) que diz, retomando artigo de Mino Carta, ‘jornalismo não é ciência… O jornalista não faz ciência quando investiga um fato, nem o médico quando receita uma pastilha (…), ou o advogado quando analisa um processo à luz dos códigos judiciários jurássicos brasileiros. São todos eles técnicos por mais que a palavra afronte determinadas corporações que conseguem impor suas verdades à sociedade quando consideram necessário …/ Mas é a atividade jornalística substrato para a ciência na medida em que o fazer jornalístico se traduz em mediação social, em produção de sentido social, em construção social da realidade’.

Na verdade, Bombardieri vai por linha um pouco distante da minha, embora seus argumentos tenham bastante relação com os que apresento. O artigo do professor combate aquilo que ele denomina de liberdade de empresa e não de imprensa. Talvez o professor esteja com toda a razão, porém, acredito que precisamos ter claro que a questão do diploma está relacionada ao desmantelamento do ensino. E pode chegar a atingir o ensino fundamental, pois, o mesmo governo (em relação à capitulação dos ditames do FMI e da burguesia local) pode dizer que as crianças estão tão hábeis que já poderão aprender a ler e escrever sozinhas… Nenhum medida é solitária e não pode ser analisada desconectada da totalidade."

"Jornalistas fazem protesto pró-diploma", copyright Folha de S. Paulo, 29/11/01

"A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) mobilizou ontem seus 31 sindicatos, espalhados por todo o país, para protestar contra a decisão da Justiça que derrubou a obrigatoriedade de obter o diploma para conseguir o registro profissional de jornalista.

Em São Paulo, cerca de 50 estudantes e profissionais de jornalismo se reuniram em frente ao Tribunal de Justiça para pedir a volta da obrigatoriedade. O Sindicato dos Jornalistas do Paraná realizou protesto no centro de Curitiba.
Em 23 de outubro, a Justiça suspendeu liminarmente a obrigatoriedade do diploma para a obtenção do registro no Ministério do Trabalho."