QUALIDADE NA TV
LAÇOS DE FAMÍLIA
"Globo regrava cenas de LAÇOS DE FAMÍLIA", copyright Folha de S. Paulo, 16/11/00
"A Central Globo de Produção corre contra o tempo. Proibida pela Justiça de exibir ‘LAÇOS DE FAMÍLIA’ antes das 21h caso não retire as cenas de sexo que vêm sendo exibidas e também de levar ao ar menores de idade, a emissora tem de reescrever, cortar e regravar várias cenas da novela.
Os capítulos de hoje a sábado estarão entre cinco e dez minutos mais curtos -tempo que será compensado com a prolongação do ‘Jornal Nacional’.
As cenas da festa de casamento de Edu (Reynaldo Gianecchini) e Camila (Carolina Dieckmann) foram reescritas, sem a participação de crianças e adolescentes. Isso significa que até a atriz Júlia Almeida, 17, filha do autor Manoel Carlos, que vive Estela, irmã de Edu, teve de ficar de fora da gravação da festa, feita ontem.
O texto do casamento, cujas gravações iniciaram-se na segunda, está sendo reescrito e deve ser regravado entre hoje e amanhã.
Na semana passada, uma liminar concedida pela 1ª Vara da Infância e da Juventude à ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Rio proibiu a participação de menores na novela e determinou sua exibição a partir das 21h. A Globo recorreu da decisão, mas seu recurso foi negado na terça. A emissora estima que esteja gastando em torno de R$ 100 mil para reescrever e regravar as cenas sem os menores.
O casamento, segundo a Globo, seria regravado mesmo que as crianças pudessem participar. Na terça, nota oficial da Arquidiocese do Rio ameaçou inabilitar a capela São Pedro de Alcântara, na UFRJ, onde haviam sido gravadas, na véspera, cenas iniciais da cerimônia, caso elas fossem ao ar.
A inabilitação significaria que não poderiam mais ser realizados atos religiosos no local. A universidade então decidiu voltar atrás.
A Globo já tem pronto seu contra-ataque jurídico: entra hoje com um agravo regimental no Tribunal de Justiça do Estado para tentar derrubar, em segunda instância, a liminar concedida pelo juiz Siro Darlan, da 1ª Vara Vara da Infância e da Juventude.
Em nota oficial divulgada ontem, o Ministério Público do Estado afirma não ser ‘um órgão censor’. Segundo a nota, ‘caso não haja intenção de alterar as cenas, basta que a novela seja veiculada no horário apropriado. A suspensão da participação de menores na novela decorre do fato de a emissora não ter providenciado o alvará judicial perante o Juizado’.
Segundo nota da emissora, tal procedimento não seria necessário porque uma portaria da 1ª Vara de Infância e Juventude do Rio dispensou a exigência dos alvarás.
A recém-criada Associação dos Roteiristas de TV convocou seus integrantes, artistas e intelectuais para uma reunião hoje, às 17h, no Planetário, para a produção de manifesto contra a portaria do Ministério da Justiça que trata da classificação da programas de TV."
"Ministro está satisfeito, diz assessoria", copyright Folha de S. Paulo, 16/11/00
"O ministro da Justiça, José Gregori, está satisfeito ‘com os rumos’ que está tomando a portaria 796 (que altera as regras de classificação dos programas de TV), segundo sua assessoria de imprensa.
A portaria assinada por Gregori foi publicada no ‘Diário Oficial’ da União dia 12 de setembro. Ela cria uma nova faixa etária de classificação, a dos 16 anos, e prevê punições às emissoras com base no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A publicação do documento trouxe à tona a discussão sobre televisão e incentivou a ação de promotores na fiscalização da programação da TV (veja quadro ao lado).
Wilson de Oliveira, assessor direto de Gregori, disse ontem à Folha que a decisão do juiz Siro Darlan independe juridicamente da portaria 796, que determina apenas a classificação dos programas e horários de exibição. ‘Esses processos são consequências indiretas da portaria. A intenção do ministro foi criar um fato e suscitar a polêmica’, disse Oliveira."
"Manoel Carlos critica Igreja e Estado", copyright Folha de S. Paulo, 16/11/00
"Autor de ‘LAÇOS DE FAMÍLIA’, o escritor Manoel Carlos diz que sua novela está sendo vítima de uma ‘censura cheia de saudades do autoritarismo’.
Em entrevista à Folha, por e-mail, o autor acusa o Ministério da Justiça, Igreja, promotores e juízes de ‘estarem babando de vontade de exercer o controle da sociedade’. Ex-seminarista, Manoel Carlos não poupa críticas à Cúria Metropolitana do Rio. A seguir, trechos da entrevista:
Folha – A liminar que proíbe a TV Globo de empregar menores nas gravações de ‘LAÇOS DE FAMÍLIA’ é uma forma de censurar a novela, uma vez que exigir que ela seja exibida após as 21h não altera muita coisa? Ou é apenas marketing?
Manoel Carlos – Com relação ao horário, eles estão chovendo no molhado. A novela entra todos os dias entre 20h55 e 21h05, à exceção das quartas-feiras, por causa do futebol. Quanto ao marketing, gostaria que fosse isso, mas não é. É censura mesmo, com as características que tão bem conhecemos. E uma censura que chega cheia de saudades do autoritarismo, que vem com mais sede e fome e que começa como sempre: o Estado pretensamente em defesa da família. Depois, será o Estado em sua própria defesa. É quando se proíbem críticas ao governo.
Folha – Como o sr. vê essa onda de impor limites à programação das TVs? A TV tem exagerado?
Manoel Carlos – O alvoroço é próprio de quem está ansioso por mandar. Estão babando de vontade de exercer o controle da sociedade, por meio de um programação que eles julgam saudável, mas que é apenas hipócrita. Se há excessos -e os há-, devem ser, como são, resolvidos pelas TVs. O Estado não tem que se meter nisso, não tem competência para tal.
Folha – Nas cenas do casamento de Edu, a personagem Estela não poderá aparecer. Como o sr., pai da atriz Júlia Almeida (de 17 anos), que interpreta a personagem, encara isso?
Manoel Carlos – Encaro com profunda preocupação. Não admito que ninguém, sob qualquer pretexto, dê ordens e estabeleça normas para a minha família. Seja um juiz, o presidente da República ou o papa. Essa gente que vá cuidar das crianças que estão nas ruas, sem oportunidade de trabalho. Minha filha estuda, ganha seu salário, trabalha oito horas por dia. É o que eu queria para todos os adolescentes do meu país.
Folha – O sr. pretende aliviar as cenas que tenham violência e indicação de sexo?
Manoel Carlos – Tenho consciência de que o que coloco na novela está dentro do aceitável, porque faço meu trabalho com responsabilidade. Por fim, gostaria de denunciar a atitude não-cristã da Igreja, que ameaça descredenciar a Capela da Reitoria da Universidade do Rio. Esses são os que querem nos fazer engolir que falam em nome de Deus. Essa atitude só revela ódio e crueldade. Passa longe de Deus. De qualquer Deus.
Folha – Que tipo de novela as TVs brasileiras teriam de fazer se tivessem que atender às reclamações de setores da sociedade?
Manoel Carlos – Tudo o que for anestésico. Desse modo, os escândalos públicos, o caixa dois, o juiz fujão, o senador ladrão, as crianças com fome, a violência das ruas, a ineficácia e a preguiça do Estado e da Igreja na solução dos grandes problemas e injustiças sociais – das quais o Brasil é campeão olímpico – ficarão amortecidas. E a sociedade dormirá tranquila, certa de que todos esses problemas não existem, já que não aparecem na televisão. Nem mesmo na ficção."
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