Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Gugu e a alma da TV

IMAGEM DA MÍDIA

Paulo Roberto de Figueiredo (*)

Pesquisa realizada pelo IBOPE, encomendada pela Federação do Comércio de São Paulo, entre os dias 12 e 19 de setembro passados, indicou que a televisão brasileira é uma das instituições de menor confiança entre a população. Deve-se considerar, entretanto, que a data da realização da pesquisa foi muito próxima do episódio da falsa entrevista no Domingo Legal, cuja repercussão negativa remanesce mas aos poucos vai se dissipando; e quem tem domínio de conhecimento do comportamento coletivo sabe disso melhor que eu.

Contudo, somos gratos ao Sr. Augusto Liberato pela façanha de descortinar a alma da mídia brasileira. Sempre que alguém de fora da mídia tentava fazer isso; ou lhe fechavam os espaços, se fossem pessoas de pouca notoriedade; ou lhes desacreditavam o senso de observação e até de moralidade, caso tratando-se de pessoas detentoras de credibilidade perante a opinião pública. A verdade é que a mídia nunca gostou de ser criticada, sempre se postou como soberana guardiã da verdade e das vontades. Assim, o Sr. Gugu prestou um grande serviço à verdade, não por intenção direta de assim fazer, mas guiado pelas mãos cuidadosas e implacáveis da vaidade que sobeja nos meios de comunicações.

Tenho certeza que muitas das pessoas que responderam a esta mencionada pesquisa, condenando a televisão, hoje já terão mudado de idéia, encantadas com as belas imagens da TV e os belos discursos de seus locutores, embalados por eloqüentes impostações vocais e temas psicologicamente bem adaptados às receptividades dos anseios da massa. O glamour das celebridades. Não é por acaso que alguns manuais, mesmo os apócrifos, que tratam o relacionamento dos poderes com o povo, trazem algumas sentenças muito interessantes: "(…) Os povos somente vêem as aparências das coisas. Incapazes de raciocinar por si, os homens, quer sejam ou não da plebe, guiam-se exclusivamente por suas paixões mesquinhas, suas tradições e teorias sentimentais…"; "(…) toda decisão da multidão depende de uma maioria ocasional, ou pelo menos superficial; na sua ignorância dos segredos políticos a multidão toma resoluções absurdas…"

Este resultado da pesquisa, creio, retratou apenas o momento em que o assunto PCC/Gugu esteve efervescente. Já agora, em dezembro, o resultado deveria ter outra fachada. A massa não resiste aos encantos da magia. E grande parte dessa magia está na embalagem e não no conteúdo. Para corroborar esta idéia, vimos há pouco tempo, neste sítio, a enorme repercussão sobre um artigo que criticava a linguagem utilizada nos meios noticiosos. A observação do autor era inteiramente válida, pois cobrava uma postura mais digna, condenando o linguajar vulgar e banal, comumente utilizadas pelos bandidos, disseminado entre os profissionais da mídia. Esta preocupação justa do seu autor foi inteiramente mal interpretada por muita gente, pois achavam que este era o maior, senão o único problema que afeta a credibilidade dos nossos meios de comunicações. Preocupados unicamente com as embalagens, nem percebem que o conteúdo, ou a falta deles, é que é o maior problema da péssima utilização das notícias ou omissão deliberada das mesmas. Que se use a linguagem de bandidos, mas que falem sobre os escândalos que atingem de morte a Nação, mesmo que envolvam os seus próximos.

Simbiose da sacanagem

O pacto de silêncio da grande mídia brasileira sobre as investigações da roubalheira através das contas CC-5 do Banestado é uma abjeção extrema. Muitos profissionais do jornalismo detentores de respeitabilidade também entraram nessa. São raros os que ousam tocar no assunto. Não se sabe ao certo se estão apenas preservando amigos, situações, condições ou se estão livrando a própria cara. E para confirmar que a massa popular só enxerga a superficialidade das coisas, não são muitos os leitores que estão observando a tramóia. Até entre os parlamentares são poucos os que se pronunciam sobre o medonho assunto. São US$ 30 (trinta) bilhões, segundo estimativas das primeiras investigações; e muitas pessoas, corporações, empresas, quadrilhas etc envolvidos, daí o grande silêncio. O suspeitíssimo silêncio. Só fala do assunto quem não tem o rabo preso.

A edição n? 247 de Cadernos do Terceiro Mundo traz a seguinte matéria sobre o caso, sob título "Simon acredita em esvaziamento da CPI do Banestado":


"Com críticas e indagações aos líderes do governo que não prestigiam a CPI que investiga a evasão de divisas do Brasil por meio das contas CC-5, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) disse que o ?Congresso Nacional está em jogo. Se essa roubalheira, que é a maior da história do Brasil, passar, vai ficar mal para nós?, afirmou Simon dizendo que até o momento o governo não deu sinais de que vá constituir uma força tarefa para apurar o crime organizado. O senador gaúcho também está estranhando porque ?a CPI, até o momento, só fez ouvir como funciona a Receita Federal, a Polícia Federal e o Banco Central, mas nenhum nome foi apresentado?. Simon disse que sente cheiro de esvaziamento porque ?até mesmo a imprensa vem fazendo um pacto de silêncio sobre a Comissão?."


O governo não investiga, a mídia silencia e assim faz-se um pacto de não-agressão. Não é à toa que a mídia não vê defeitos neste governo, como não via no governo passado. Não é à toa que a mídia que fez coro uníssono pelas privatizações e agora, diante dos fracassos desta, cala-se ardilosamente. E foi no auge das criminosas privatizações que o fluxo de dinheiro brasileiro foi mais intenso rumo ao exterior pelas contas CC-5. Talvez grande parte fosse de pagamento de "comissões". Não foi à toa que em 20/8/2000 um jornal da chamada imprensa alternativa publicou a seguinte declaração de um diretor de um banco suíço: "Nunca se roubou tanto no Brasil".

E assim o país se esvai pelo ralo da corrupção e governos incapazes e impudentes são protegidos pela imprensa que, comprometida, o preserva. Isto sim é que é a verdadeira "linguagem de bandido". A simbiose da sacanagem. E o povo preocupado só com "perfumaria" e ainda temos que ouvir um ministro falar que "só é pessimista quem quer".

(*) Dirigente sindical