Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Guilherme Fiuza e Jan Theophilo

ASPAS

ELEIÇÕES 2000

"Que virada foi essa?", copyright no. <www.no.com.br>, 31/10/00

"Poucos dias antes do segundo turno da eleição municipal, ninguém, ou muito pouca gente, dizia que Cesar Maia seria eleito prefeito do Rio de Janeiro. As pesquisas de opinião ainda davam diferenças abissais entre o sempre líder Luiz Paulo Conde e seu adversário (10 pontos pelo Ibope, 12 pelo DataFolha), e em qualquer esquina ou escritório da cidade o papo era o mesmo: ‘O Conde ganha.’ Parecia reprise da eleição anterior, quando Conde, então candidato de Cesar, liderou de ponta a ponta. Mas os jornais da véspera da eleição trouxeram a manchete impossível: Cesar empatara com Conde. A virada de última hora, que fez da eleição do Rio a mais surpreendente do país, para muitos não foi de última hora.

Conde perdeu as eleições porque criticou o metrô da Pavuna, porque disse que mentia menos que o adversário, porque não conseguiu formular uma pergunta no rádio ou por causa da ameaça de arrastão na Tijuca? Essas e outras explicações de emergência não convencem alguns observadores atentos da campanha, como o jornalista e deputado federal Fernando Gabeira, do Partido Verde. Ele fez as contas e concluiu: para que a diferença de mais de 10 pontos fosse revertida em cinco dias, Cesar teria que ter avançado algo como 100 mil votos por dia. ‘Eu não acredito nisso’, diz Gabeira, que apoiou Cesar no segundo turno.

O deputado acha que atribuir a virada a três ou quatro deslizes de última hora de Conde – o chamado efeito-Pavuna – é um diagnóstico simplista do fenômeno. ‘Aliás, o Conde ganhou na Pavuna’, lembra Gabeira. Ele acredita que o crescimento de Cesar teve uma curva mais lenta e gradual do que o salto brusco que se viu no último dia. Esta semana, o deputado vai requerer à Comissão de Direitos do Consumidor uma audiência para examinar a necessidade de normas para o uso das pesquisas de opinião nas eleições. Ele informa que a tendência dos deputados é propor a auto-regulação dos institutos, nos moldes do setor de propaganda. Outro instrumento que está em cogitação é a obrigatoriedade de auditorias sistemáticas nas pesquisas.

Alberto Dines: ‘A cobertura de ‘O Dia’ foi uma aberração’

Além das pesquisas, Gabeira observa que no noticiário da imprensa também não era visível qualquer sinal de reação de Cesar. Ele lembra que pode haver relação entre a cobertura eleitoral do jornal ‘O Dia’, favorável a Conde, e o episódio da disputa entre Cesar e o governador Garotinho em 98. Na ocasião, foram divulgadas gravações telefônicas em que Garotinho negociava a compra de emissoras de rádio. O então candidato explicou que atuava em nome do dono de ‘O Dia’, Ary de Carvalho, que acabou confirmando a versão.

O jornalista Alberto Dines, editor do ‘Observatório da Imprensa’ <www.teste.observatoriodaimprensa.com.br>, também acha que o episódio gerou uma predisposição do jornal contra Cesar Maia. ‘A cobertura de ‘O Dia’ foi uma aberração. Caiu a máscara de um jornal que se pretendia respeitável’, afirma Dines. Ele observa que a parcialidade do jornal na eleição não seria possível no rádio e na TV, engessados por uma legislação que certamente inibiu, em sua opinião, a cobertura da campanha nesses veículos. O tema será discutido nesta terça-feira no ‘Observatório da Imprensa’, na TVE.

Fora o comportamento de ‘O Dia’, Alberto Dines não identificou má-fé em nenhum outro veículo de comunicação. Ele acha que houve nuances e alguns erros editoriais, como o do jornal ‘O Globo’, ao noticiar de forma discreta a gafe de Conde ao dizer ‘Eu minto menos’. No mesmo dia, a gafe de Conde foi a manchete principal de primeira página do ‘Jornal do Brasil’. ‘Na hora de decidir a edição, alguém apertou o botão errado. Mas não houve má-fé, o ‘Globo’ hoje é um jornal preocupado em errar pouco, e erra pouco’, avalia Dines.

Gabeira: ‘Quem detectou a virada foi o ‘JB’‘

Gabeira também não acha que ‘O Globo’ tenha tomado partido, mas diz que quem detectou a virada de Cesar foi o ‘Jornal do Brasil’ – com manchetes nos últimos dias de campanha como a que anunciou, em primeira mão, que o candidato do PTB havia chegado ao empate técnico. ‘O Globo fez uma cobertura elegante e discreta, às vezes discreta demais. Mas não houve omissão’, analisa o jornalista e deputado federal. Ele acha que a eleição reforçou a importância de haver a concorrência entre dois jornais qualificados na cidade.

Quanto às pesquisas, Alberto Dines acha que se os jornais as colocam no topo da hierarquia da notícia (o que ele chama de ‘imprensa pesquisolítica’), deveriam publicar também boletins diários dos institutos, como faz a imprensa nos Estados Unidos, para evitar saltos e surpresas como a desta eleição no Rio. Diretores do Ibope e do Vox Populi (que não participou do segundo turno no Rio) defenderam a metodologia e a confiabilidade científica dos índices divulgados no Rio.

Márcia Cavallari, do Ibope, sustenta que a virada de mais de 10 pontos de Cesar se deu mesmo nos últimos dias da campanha e que quem supervaloriza as pesquisas são as manchetes de jornais. Marcos Coimbra, do Vox, concorda: ‘A parcela do eleitorado que acompanha pesquisas é pequena, a que entende as pesquisas menor ainda e a que vota induzida por elas, ainda menor.’ Gabeira acha que as pesquisas podem ser decisivas numa eleição, pois são capazes de desestimular os eleitores de quem está perdendo, além de invariavelmente abalar as doações financeiras ao candidato que está atrás.

Virada teve ajuda do PT e do PSDB na maior mina de votos

A história da virada inesperada de Cesar, contada pelo comando de sua campanha, teve alguns de seus principais lances na conquista da Zona Oeste da cidade, maior colégio eleitoral do Rio. Especificamente ali, o apoio de caciques do PT e do PSDB foi fundamental para evitar a surra anunciada no candidato do PTB. No bairro de Campo Grande, por exemplo, Cesar venceu depois de ter ficado em terceiro lugar no primeiro turno. ‘Nós ganhamos porque perdemos de pouco na Zona Oeste’, admitia ontem o vereador Paulo Cerri, que será o líder do governo de Cesar Maia na Câmara Municipal do Rio.

‘Num primeiro momento, Conde havia herdado a maior parte desses votos. Conseguimos reverter o quadro graças aos esforços do deputado Jorge Bittar e do vereador Edson Santos’, diz ele. Cerri lembra que, proibidos pelo PT de posicionarem-se publicamente a favor de Cesar, os petistas trabalharam em silêncio. ‘Eu não declarei meu voto, mas neutralidade nesse caso é óbvio que não existe’, admite o vereador do PT, que está cotado para assumir uma secretaria da área social no futuro governo de Cesar Maia.

O pastor evangélico Everaldo Dias, também do PT, responsável pelo polêmico programa Cheque Cidadão e vereador eleito pela Articulação – corrente de Benedita da Silva- -, foi apontado pelo deputado Eduardo Paes (do grupo mais próximo a Cesar) como personagem fundamental na obtenção dos votos dos evangélicos. O pastor Everaldo Dias havia se manifestado a favor de Cesar logo após o primeiro turno. Enquadrado pelo governador Garotinho, teve que declarar voto a Conde. Nos bastidores, porém, agiu de modo diferente. ‘Ele organizou reuniões importantíssimas’, conta Eduardo Paes.

Segundo o comando da campanha de Cesar, outro personagem fundamental na virada foi o ex-governador Marcello Alencar, que andava em baixa no cenário político fluminense desde 1998 – quando saiu da disputa pela reeleição contra Cesar e Garotinho. Na última semana da eleição, Marcello, que teve na Zona Oeste um grande reduto, realizou duas grandes assembléias com militantes e candidatos a vereador do PSDB que não foram eleitos, mas tiveram milhares de votos. Até o prefeito reeleito de Duque de Caxias, José Camilo Zito, teria ajudado a virada. ‘O apoio dele influenciou muito em áreas da Zona Oeste que estão mais ou menos próximas a Caxias, como a própria Pavuna, por exemplo’, diz Paulo Cerri.

Cesar Maia também conseguiu atrair o apoio de alguns grupos e categorias a que Conde não deu a devida atenção. A 20 dias das eleições, por exemplo, ele se reuniu com as principais associações de vans, que haviam decidido não apoiar Conde em função da promessa do pefelista de que iria dar autonomia a 12 mil taxistas auxiliares do município. ‘Eles haviam votado em peso na Benedita. Os convencemos a vir para o nosso lado lembrando que foi o Cesar quem regulamentou esse transporte e que, por isso, não iria criar problemas para eles’, conta o deputado Eduardo Paes.

Na semana final da campanha, motoristas de vans e kombis organizaram duas grandes carreatas pela Zona Oeste. ‘Uma delas reuniu uns 400 carros. Levando em conta que eles transportam centenas de pessoas por dia, imagine a reverberação que esse apoio teve’, comemora Eduardo Paes."

"Um voto pela decência", copyright O Estado de S. Paulo, 25/10/00

"O que menos importa neste segundo turno da eleição paulistana é o fato de estarem em confronto uma candidata do PT e aquele que se apresenta como o político antipetista por excelência. Se fosse essa a questão central do pleito de domingo, seria relativamente simples: os petistas votariam em Marta Suplicy, os antipetistas em Paulo Maluf e os que não são nem uma coisa nem outra – a maioria do eleitorado – votariam nela ou nele de acordo com a conclusão a que chegassem diante do inevitável dilema, à parte todos os outros, sobre qual o menor dos males: uma prefeita petista ou um prefeito antipetista?

Mas será cair numa armadilha imaginar que o que está efetivamente em jogo e fará toda a diferença para a vida na cidade pelos próximos quatro anos é a filiação partidária da vencedora do primeiro turno (ou a aversão do oponente pela sua legenda). Do ponto de vista de quem vive em São Paulo, muito mais decisivas do que os efeitos da influência do Partido dos Trabalhadores no governo municipal, em caso de vitória de ‘dona Marta do PT’, como a deprecia a propaganda de Maluf, deverão ser as conseqüências da continuidade de um esquema de poder, de um estilo de fazer política e de uma forma de administrar a coisa pública a que se denomina malufismo.

Em estrita obediência ao princípio de que, apesar de todos os ‘indícios veementes’, ninguém pode ser chamado disso ou daquilo enquanto não for carimbado como tal por uma sentença definitiva, coloque-se entre parênteses a certeza compartilhada por muitos eleitores – e confirmada implicitamente em nove decisões judiciais de primeira instância – de que malufismo é sinônimo de corrupção. Apenas para avançar o argumento, admita-se, por exemplo, que seja falso de ponta a ponta o laudo, divulgado dias atrás, segundo o qual o Túnel Ayrton Senna, uma das obras mais decantadas da última gestão malufista, tenha custado aos paulistanos R$ 96,3 milhões além do que deveria, para gáudio das empreiteiras que o construíram.

Levando as coisas ao extremo: suponha-se que Maluf venha a ser absolvido, ao fim e ao cabo, em cada um dos 40 processos em que é réu. Pois bem. Mesmo que jamais se consiga provar a sua alegada responsabilidade na subtração de um único centavo do contribuinte, o malufismo continuará a bater de frente com os padrões de decência política que a cidade tem o direito de exigir daqueles que a desejam governar. A decência na política é mais do que não roubar: desde logo, é ter escrúpulos numa competição eleitoral. E nada mais vulnerável, desse ângulo, do que a atual campanha malufista – pelo que diz, pelo que omite e pelo que insinua.

A sua propaganda quer convencer que São Paulo sucumbirá ao caos se o PT conquistar a Prefeitura, com uma candidata sem experiência administrativa, como é o caso de Marta Suplicy. Depois do desgoverno Celso Pitta, noves fora o que veio antes, não é preciso ser petista, nem ignorar as limitações da candidata, para perceber a triste ironia desse lance de terrorismo eleitoral. De caos e de incompetência a população está até aqui – e se o PT fez algo nesse período de treva foi tentar punir os responsáveis pela bancarrota financeira, administrativa e, sobretudo, ética, em que a cidade foi mergulhada.

O paulistano premiou o partido aumentando a sua bancada de 9 para 16 vereadores e dando a ‘dona Marta’ 38% dos votos válidos. Não se faça a todo esse contingente do eleitorado a injustiça de atribuir o seu voto a uma suposta afinidade com as posições, no plano federal, do partido da estrela, nem a este a injustiça de subestimar o valor de sua luta pela restauração da moralidade em São Paulo. Além disso, compromissos com a ética representam meio caminho andado para uma administração satisfatória, porque experiência se adquire, ninguém governa sozinho e a Câmara Municipal não é mais aquela; quando, porém, tais compromissos são discutíveis, a experiência pode ser uma faca de dois gumes.

Se a propaganda malufista se limitasse a proclamar que a vitória de Marta será o fim do mundo e que o ex-prefeito, este sim, é um administrador capaz, vá lá – embora seja o caso de lembrar, mesmo prendendo entre parênteses a questão da honestidade, que a marca registrada das administrações Maluf sempre foram as obras a serviço do automóvel, que desfiguraram a cidade, sem diminuir os problemas da circulação e do transporte de massa. Mais grave é a exploração da legítima ansiedade do povo em matéria de segurança. Desde quando, no Brasil, um prefeito pode ‘pôr a Rota na rua’? Prometer coisa do gênero, numa eleição municipal, é pior do que trapacear com a verdade – sempre a primeira vítima dos candidatos desprovidos de autocensura. É esfregar sal nas feridas dos cidadãos já acuados pela violência urbana.

Nem isso se compara, porém, às tentativas de atingir a pessoa da candidata e a sua família com insinuações que beiram a torpeza – como as dos outdoors difamatórios que pretendem fazer supor, obscuramente, que a presença de Marta Suplicy na Prefeitura será uma ameaça aos bons costumes, no sentido convencional do termo. Goste-se delas ou não, nada há de escandaloso ou de imoral nas suas propostas de deputada federal sobre a regulamentação do aborto em hospitais públicos, nos casos previstos em lei, e sobre a união civil de parceiros do mesmo sexo. E, principalmente, não é essa a agenda de uma eleição para prefeito.

É tiro e queda: a forma como um candidato busca atrair o eleitor proporciona uma antevisão cristalina de seu comportamento caso eleito. Eis aí um critério seguro para saber em quem votar, quando se trata de dar um voto pela decência – o que a maioria dos paulistanos fez no primeiro turno. (Luiz Weis é jornalista. E-mail: luizweis@uol.com.br Site: www.werbo.com.br)"

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