Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Histórias deliciosas

SOBRE OS POLÍTICOS

Deonísio da Silva

A editora Geração Editorial relançou em novembro do ano passado, num único volume, Folclore político, do jornalista Sebastião Nery. As edições anteriores foram publicadas pela Politika (que editou o primeiro volume, em 1973) e pela Record. (que lançou os outros três: em 1976, 1978 e 1982).

Não tem sido fácil encontrar a obra, de 651 páginas, nas livrarias. Mas vale a pena procurá-la. São 1.950 histórias, quase todas deliciosas. Com a intenção de prestar um serviço aos leitores do Observatório da Imprensa, eis os contatos, para o caso de o leitor não encontrar nas livrarias a coletânea: <geracao@geracaobooks.com.br>. Que o editor, o escritor brasileiro Luiz Fernando Emediato, explique o motivo de chamar livros de "books".

Vamos a algumas amostras. Frases atribuídas a Luiz Carlos Prestes: "Se a missão for de coragem, não mandar Juarez, porque não vai. Se a missão for de dinheiro, não mandar João Alberto, porque não volta. A Coluna tinha três grandes problemas: a concupiscência de Siqueira Campos, a covardia de Juarez e a desonestidade de João Alberto". Acrescenta Sebastião Nery: "Tirante a concupiscência de Siqueira Campos, o resto era mentira".

Alguns flagrantes e indiscrições bem poderiam servir a registros e comentários de nossas mentalidades. Como a história 1.251, dando conta de um conselho dado por Pinheiro Machado a seu colega Bernardo Monteiro, também senador, a quem visitava num hotel do Rio. Sebastião Nery não revela como é que Pinheiro Machado descobriu que o amigo usava ceroulas comuns, mas relata a recomendação: "Bernardo, você deve estar preparado para morrer na rua. Vista-se de seda por baixo. Seja um cadáver decente". Pinheiro Machado dava o exemplo. Assassinado algum tempo depois no Hotel dos Estrangeiros, no Rio, tornou-se um cadáver decente. Vestia ceroulas de seda.

De Flores da Cunha, dando réplica ao deputado Teixeira Coelho, do Maranhão, que reclamara que o gaúcho colocava mal os pronomes, começando seus pronunciamentos com a indefectível "me parece que…". "Ora, deputado, quem é V. Exa., para corrigir minha linguagem?". "Sou um deputado, como V. Exa". "Mas sem autoridade nenhuma para falar em pronomes, V. Exa. olhe sua carteira de identidade, V. Exa. é "Teixeira" Coelho. Em nome do purismo da língua, deveria chamar-se "Xeira-te" Coelho".

Pesquisa e boa leitura

A de número 1.749 é muito curiosa. Ulisses Guimarães apresenta o futuro ministro da Fazenda, Bresser Pereira, ao presidente José Sarney. Bresser Pereira diz que assumirá o ministério, todavia jamais estará em Brasília nas quintas-feiras: "Meu analista me atende em São Paulo nas tardes de quinta". Bem, nisso o Brasil mudou de verdade. O antigo ministro da Fazenda era paciente. O atual, Antonio Pallocci, é médico. Mas continuamos tratando a economia como domínio conexo da Saúde, de hospitais e clínicas, para não dizer hospícios, pois a conclusão de José Sarney na época foi a seguinte: "Era só o que faltava, o Ulisses indicou um doido para a Fazenda".

As histórias cobrem todo o Brasil. Esta é de Pernambuco. Agamenon Magalhães era interventor e uma doída seca afligia todo o Nordeste. De repente, chuva generosa interrompe a seca na região do São Francisco. Um prefeito puxa-saco telegrafa ao interventor: "Chove copiosamente na região, graças à profícua administração de V. Exa.". O alcaide é demitido sumariamente pelo "governador".

Diálogo no Catete. Visitantes bajuladores elogiam dois cachorrinhos do presidente Getúlio Vargas. "Que belezinhas que eles são!". Um dia perguntaram o nome dos dois cãezinhos. E Getúlio: "Dip e Dasp. O Dip late e o Dasp morde".

Claro que num livro de folclore político não poderia faltar Aparício Torelly, Barão de Itararé. Getúlio Vargas encontra-o na bancada da imprensa, no Palácio Tiradentes, no Rio, durante a Constituinte de 1946. "És tu o Barão?" E ouve a resposta do humorista, que estivera nos cárceres de Getúlio Vargas: "Ex-tubarão é V. Exa.".

E para quem se queixa de que governos do PT fazem muitas reuniões, eis o conselho de Benedito Valadares: "Reunião, só depois do assunto resolvido".

Pode até soar divertido, mas políticos como Benedito Valadares exerceram o poder num tempo em que a democracia estava em recesso e quem mandava eram uns poucos, que tudo podiam. Daí o conselho parecer mais uma confissão do que uma prática a ser recomendada.

Os cinco volumes, agora reunidos, representam excelente material de pesquisa. E são, principalmente, fonte de entretenimento e de boa leitura.