Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Hora de quebrar paradigmas

VEÍCULOS E RÓTULOS

Fernando Torres (*)

Criada pelos próprios receptores, a tradição moldou a cara do jornalismo brasileiro. Estereotipou as semanais de informação com seus respectivos "is" ? Veja é a "Indispensável", IstoÉ, a "Independente", e Época, por fim, a "Irrelevante". Entre os diários, a longínqua tradição definiu a Folha de S.Paulo como de esquerda e o Estado de S.Paulo, direita. Segundo ela, o Jornal Nacional tem vocabulário pobre e seus apresentadores são incapazes de se aprofundar nas notícias; já o Jornal da Globo, o elitizado, só estraga por ser da mesma emissora.

Tidos como verdade absoluta, os rótulos impostos acolhem ou afastam leitores, sugerem ou refutam críticas. A circunstância estabeleceu paradigmas incontestáveis, idéias imunes a modificações. Entretanto, percebe-se que na prática não é bem assim. Ora, seria pedir demais a um veículo de comunicação que permanecesse estático em meio ao agitado ambiente pós-moderno, marcado pelo achismo e agnosticismo. A sociedade evoluiu (?), o homem evoluiu (???), nada mais natural que os mass media também evoluíssem.

Tomemos como exemplo a revista Época. É bem verdade que quando ela nasceu, em 25/5/98, não era sinônimo de qualidade. No entanto, Época mudou. Os textos, antes truncados e salpicados de lides, passaram a seguir a linha interpretativa condizente aos semanários. A revista engatinha ainda no lucro das vendas, mas já ultrapassou a concorrente da Editora Três (Época imprime cerca de 800 mil exemplares, contra 650 mil da IstoÉ.). Porém, os críticos insistem em vê-la de forma arcaica, ultrapassada e sem conteúdo relevante.

Época não está sozinha. Sempre metidos a saber tudo, teóricos e intelectuais teimam em definir o perfil editorial deste ou daquele veículo. Esquecem-se de que, assim como o resto do mundo, a mídia também está em constante mudança, incessante adaptação. Quanto à tendenciosidade, extrapolam. Vêem maldade até mesmo na vírgula do articulista. Ora, quem poderá dizer o que realmente ocorre no interior das redações da grande imprensa?

Afirmações levianas

Há cerca de um mês, na segunda-feira após o primeiro turno eleitoral, examinei as respectivas edições das três maiores revistas. Veja e IstoÉ compunham-se, basicamente, de informações pré-eleição; ambas trouxeram data de quarta, 9 de outubro. Época saiu atrasada, mas chegou à frente. A revista exibiu na capa o resultado do primeiro turno e tratou de não enrolar o leitor: datou-se de segunda, 7, dia em que chegou às bancas.

No segundo turno, a situação se inverteu. Aprendendo a lição, Veja foi honesta com seus leitores: divulgou que, excepcionalmente, atrasaria o fechamento para trazer, em primeira mão, o nome do novo presidente. Não adiantou muito. IstoÉ demorou um pouco mais para ficar pronta, mas alcançou o topo. Abordou desde a pré-história do PT até a provável equipe técnica do futuro presidente. Também se diferenciou das demais por ser a única a revelar o perfil do vice. Época, por sua vez, parecia uma cópia das demais. Mesmo apregoando "edição histórica", mereceu o título de supérflua. Ah, sim: todas traçaram o perfil da primeira-dama.

Confusão semelhante também ocorre nos telejornais. Afirma-se por aí que o grande público do Jornal Nacional é de baixo nível intelectual, diferente dos espectadores do Jornal da Globo. Em entrevista à revista Imprensa, Ana Paula Padrão, apresentadora do JG, assumiu que seus telespectadores não são muito diferentes dos espectadores do JN. "Nós temos basicamente o mesmo corte de público do JN; a diferença é o público fiel, que é um pouco mais velho, de uma classe social um pouco mais alta e de um padrão cultural um pouco mais elevado", declara. O depoimento leva-nos a crer que a qualidade desenvolvida no JG é a mesma do açoitado JN. Pra que contestar?

Quanto aos diários, cabe o velho paradigma já citado. Estadão, direita; Folha, esquerda. Quem afirma isso o faz levianamente. Esquece-se ? ou desconhece ? da visita do candidato petista à Agência Estado, e de como este foi longamente aplaudido pelos jornalistas, bem como do suspeito almoço com o diretor de redação da Folha, do qual Lula se retirou indignado. Diante disso, é impossível delimitar com certeza a política partidária das miscigenadas redações e o quanto essa ideologia se reflete na produção de artigos e reportagens.

De lobo a fada

"Bem", diria você, "isso significa que os rótulos não estão bem colocados". Veja seria a "Irrelevante", IstoÉ a "Indispensável" e Época a "Independente"? Folha direitista e Estadão esquerdista? E, pra forçar um pouco, o Jornal Nacional teria um público segmentado?

Não. Os paradigmas não devem ser invertidos; devem ser quebrados. Cada edição de um noticiário, seja lá qual for a forma em que ele se apresente, é única. Num mundo em que tudo muda a cada segundo não dá pra sair por aí ditando um perfil para este ou aquele veículo, qualificando qual é bom e qual é ruim. Baseado nesse pressuposto, pode-se afirmar que cada exemplar traz uma boa dose de manipulação, mas também algo de positivo. Aqui e acolá vêem-se boas reportagens; lá e cá, entretanto, percebem-se aberrações: na mesma edição.

Assim, como a antiga teoria hipodérmica não é mais aplicada, a generalização editorial precisa ser banida das análises jornalísticas. Com o passar do tempo, a idéia de unicidade de cada edição ou exemplar também terá se transformado em paradigma. Destinado à aposentadoria, o dogma será invalidado e, por fim, destinado às prateleiras de obras sobre teoria da comunicação.

Não se deve esquecer que, do surgimento da imprensa de Gutenberg, especulava-se que os livros poderiam sugar o pensamento criativo da humanidade. Aflitos, conservadores e fanáticos trataram de condenar seus autores. O tempo mostrou ser exatamente o contrário. Quem sabe, um dia, a imprensa não passe do status quo de lobo mau para fada-madrinha.

(*) Aluno do 2? ano de Jornalismo do Unasp (Centro Universitário Adventista), editor da revista eletrônica Canal da Imprensa <www.canaldaimprensa.com.br>