Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Horror a acidentes ortográficos

PORTUGUÊS DE MENAS

Raphael Perret Leal (*)

Complicada. Difícil. Cheia de regras. Detalhista. A língua portuguesa e sua gramática já foram xingadas de tudo. É verdade que há alguns excessos no vernáculo e não faz mal nenhum questioná-los. Faz parte da democracia e da liberdade de expressão. Debates como esse ajudam a evolução da nossa língua.

Entretanto, construir frases que tenham algum sentido ainda segue certos padrões exigidos pelas regras gramaticais. Veículos de comunicação, se quiserem transmitir uma informação ? seu produto por excelência ? precisam utilizar o código (a língua portuguesa) com corretude e perfeição. Infelizmente, isso não vem acontecendo.

Durante o intervalo de um bom filme na Bandeirantes, na segunda-feira, 15, assustei-me com um anúncio da própria emissora:

"Você está assistindo Doces poderes."

Aprendi, nos tempos de colégio, que assistir no sentido de ver é transitivo indireto, exigindo a preposição a, que, pelo visto, foi abolida pela Bandeirantes.

Mas há casos em que se peca pelo excesso, e não pela falta. No mesmo dia, mais cedo, o jornal diurno da Rede TV! explicava, com seus caracteres, as novas regras de transferências financeiras entre bancos diferentes. Para exemplificar o processo, a emissora pôs no ar o seguinte título:

"Banco A à Banco B"

Alguém pode levantar o braço e reclamar: mas crase tem muitas regras, acaba confundindo a gente! Na verdade, crase é uma só: contração da preposição a com o artigo definido a (ou sua variação as), ou com o pronome demonstrativo aquele (e variações). Esqueçamos o caso do pronome. Bem, crase só vai existir quando houver a tal preposição e o artigo definido no feminino. A menos que eu tenha perdido alguma aula, banco é uma palavra masculina, e não fica bem dizer "a banco". A crase, portanto, não é bem-vinda no exemplo.

Show de descaso

Nos dois casos, o mais irritante é que ambos representam casos de aplicação de regras fáceis ou muito marteladas por nossos professores no longínquo Segundo Grau, ou Ensino Médio, como queiram. Não usar crase antes de masculino e de verbos (outro erro recorrente) nem se trata de uma regra adicional, mas sim corolário da própria definição do acidente ortográfico. Mesmo assim, nossos mestres repetiam essa frase, mas conclui-se que muitos alunos ou não queriam entender isso ou não entenderam até hoje. Como conseguiram sair da escola é uma dúvida.

Quanto à regência verbal, de fato há muitos verbos com regras idiossincráticas. Porém, convenhamos que assistir é um verbo muito citado nas aulas de gramática da tia Maricota, além de extremamente utilizado em televisão. Não se justifica, portanto, a ausência da preposição no anúncio da Bandeirantes. Salvo se o texto foi feito por alguém que não concluiu o Ensino Fundamental.

É triste ver incorreções desse tipo nos mais diversos textos, retrato da má formação escolar do brasileiro. Mas encontrar esses erros nos meios de comunicação, que deviam primar pelo melhor formato de uma mensagem, é de doer o estômago. É descaso com a informação, principal oferta dos veículos. Descaso, portanto, com a sociedade.

(*) Jornalista e mestrando em Sistemas de Informação pelo NCE-UFRJ