Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Iara Bernardi

RADIODIFUSÃO EM DEBATE

"Uma agência para a radiodifusão", copyright Folha de S. Paulo, 31/7/01

"O governo colocou em consulta pública, pela internet, um anteprojeto que mexe profundamente com a área de comunicações. Apesar de conter avanços, possui um vício basilar, que é o da manutenção da excessiva concentração de poderes nas mãos do Ministério das Comunicações. Não é exagero afirmar que o que se pretende com tal proposta é a permanência de critérios pouco definidos nas concessões e no controle da radiodifusão brasileira, onde impera, como em vários outros campos de atuação do Estado, a discricionariedade dos donos do poder, na clássica expressão de Raymundo Faoro.

De acordo com o anteprojeto, o Ministério das Comunicações ficará responsável pela análise de todas as outorgas e por suas renovações, pelo acompanhamento e pela regulamentação da programação de rádios e TVs abertas -inclusive pelo recebimento de reclamações de telespectadores e ouvintes- e pela aplicação de sanções às empresas de radiodifusão, incluídas as sanções por desrespeito à programação fixada pelo ministério. Terá ainda, sob seu comando, um Conselho Nacional de Comunicações, órgão que prestará consultoria sobre as outorgas e analisará os programas de rádios e TVs.

A proposta governamental cria uma agência -inclusive com verbas da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações)- que terá de repassar ao ministério um quarto dos recursos arrecadados com a fiscalização das concessões, mas sem as prerrogativas e a independência de uma agência. O que é extremamente perigoso, além de indefensável, sob qualquer prisma.
Vivemos num cenário em que a convergência entre meios de comunicação de massa, telecomunicações e informática será cada vez maior. O ideal seria que tivéssemos uma agência que englobasse todos esses campos. E nada mais natural do que passar tais atribuições à Anatel. Essa era a intenção do falecido ministro Sérgio Motta. Vários estudiosos também já se manifestaram no mesmo sentido, dentre os quais o professor e atual diretor da Faculdade de Comunicação da UnB, Murilo Cesar Ramos.

Além das telecomunicações, a Anatel já controla hoje as TVs por assinatura e as TVs a cabo. Por que não cuidar do restante da radiodifusão?

No Brasil, desde o surgimento do rádio, nos anos 20 do século passado, as outorgas de emissoras de comunicação de massa ficaram centralizadas nas mãos do Executivo, que usou desse poder para troca de favores. Com a Constituição de 1988, tivemos um progresso, pois o Congresso passou a ser ouvido nos processos de concessão. Para o cumprimento dessa função, previu-se a criação de um Conselho de Comunicação Social.

O terceiro passo, agora, deveria ser o da transferência de toda essa área para a administração de uma agência. Grosso modo é dessa forma que funciona, desde 1934, a Comissão Federal de Comunicações, nos EUA, país do qual copiamos o modelo de radiodifusão, centrado nas concessões à iniciativa privada. No Brasil, se já existe a Anatel, que se dê a ela a incumbência e os meios adequados para o exercício de regular, controlar e fiscalizar todo o espectro das comunicações.

Quanto à programação das TVs e rádios, a bancada feminina no Congresso esteve reunida, em junho deste ano, com os presidentes das duas Casas, reivindicando a instalação do Conselho de Comunicação Social, a fim de que se efetivasse a criação de um órgão que pudesse ser um fórum de análise do conteúdo da TV e do rádio. É inadmissível que esse órgão ainda não tenha saído do papel, passados quase 13 anos da Constituição e dez anos da promulgação da lei n? 8.389/91, que regulamentou o artigo 224 da Constituição.

A Anatel poderia se utilizar desse conselho, ou criar uma estrutura integrada, específica para a análise dos programas e o recebimento de reclamações de telespectadores e ouvintes. Precisamos que haja uma instância que, efetivamente, faça pressão com emissoras em favor dos direitos dos telespectadores e ouvintes, especialmente no que tange ao respeito às diferenças, seja de raça, de gênero ou de orientação sexual, e à infância.

É bom que se diga, aliás, que o projeto do governo avança positivamente no que toca à programação. Podem ser citadas, dentre outros, a previsão da adoção de dispositivos eletrônicos, embutidos nos aparelhos de TV, que possibilitarão aos pais o controle dos programas (é preciso lembrar que já existem vários projetos no Congresso propondo o mesmo mecanismo); a obrigatoriedade de inclusão de programação educativa para o público infantil, inclusive obrigando as empresas de televisão a disporem de pedagogos e psicólogos para avaliação dos programas; e a obrigatoriedade de as TVs veicularem percentuais mínimos de filmes e teledramaturgia nacionais.

O debate está começando. É necessário o empenho e o envolvimento de toda a sociedade. Temos a chance de avançar num projeto fundamental para o país, mas corremos o risco de retroceder. Todo cuidado é pouco."

 

"Provedores temem monopólio de acesso à Internet na TV digital", copyright O Estado de S. Paulo, 31/7/01

"Os provedores de Internet estão preocupados com o anteprojeto de Lei de Radiodifusão, que está em consulta pública pelo Ministério das Comunicações até o dia 21 de agosto. O texto não garante que outras empresas de dados possam usar os sistemas de radiodifusão para a venda dos serviços.

Os provedores temem que, quando tiver início a televisão digital no País, as emissoras tenham o monopólio do acesso à Internet via TV.

?Os detalhes poderiam ser definidos em regulamentação complementar, mas o projeto já deveria garantir o acesso irrestrito de outros provedores à plataforma de radiodifusão?, afirma o diretor de regulamentação da Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet (Abranet), Álvaro Marques.

O executivo propõe um modelo como o adotado para o setor de TV a cabo, onde as operadoras são obrigadas a criar empresas separadas para o serviço de acesso à Internet e oferecer as mesmas condições de uso de sua infra-estrutura para outras companhias.

O diretor da Abranet acredita que a televisão pode se tornar o principal meio de acesso à Internet pelos usuários residenciais no País. Segundo dados da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), existem cerca de 80 milhões de televisores no Brasil. São aproximadamente 5,5 milhões de aparelhos vendidos por ano.

Outra crítica feita ao anteprojeto de radiodifusão refere-se ao fato de não se integrar à legislação atual do setor de telecomunicações. A digitalização da TV permitirá que se acrescente novos serviços – como comunicação de dados, acesso à Internet e telefonia – à transmissão de sons e imagens.

De acordo com a empresa de pesquisa Ovum, o mercado mundial de serviços interativos via TV digital deve movimentar US$ 62 bilhões em 2005, enquanto as transações de comércio eletrônico via TV devem somar US$ 44,8 bilhões no mesmo ano.

Um consultor de comunicações, que não quis se identificar, disse que a proposta de lei de radiodifusão pode gerar conflitos futuros no próprio governo, entre o Ministério das Comunicações, que se tornaria responsável pela radiodifusão, e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). ?A convergência entre radiodifusão é mais do que lógica. Deveria haver uma legislação e uma autoridade única para os setores?, afirma o consultor.


Abrangência – O superintendente de engenharia da Televisão Bandeirantes, Miguel Cipolla, também afirma que o anteprojeto de radiodifusão deveria ter abrangência maior. ?O setor não pode ser isolado de outros meios de comunicação. Devemos estimular o governo para que se estabeleça uma política pública unificada para o setor?, diz Cipolla.

Apesar de o cronograma não estar ainda definido, espera-se que a TV digital esteja em funcionamento no País a partir de 2003."

"Radiodifusão: anteprojeto tem 359 sugestões", copyright O Estado de S.Paulo, 1/8/01

"Com pouco mais de 40 dias em consulta pública, o anteprojeto de Lei de Radiodifusão já recebeu 359 sugestões. As idéias, que estão sendo analisadas por técnicos do Ministério das Comunicações, no entanto, não precisam ser acatadas pelo governo.

A prorrogação do prazo por mais 30 dias levou os consultores das principais redes de televisão e emissoras de rádio em todo o País, além de pessoas interessadas no assunto, a rever os documentos que seriam enviados ao ministério. No mês passado, o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, preferiu estender o prazo por causa do significativo número de sugestões que chegaram, principalmente, pela Internet.

O objetivo do processo de consulta pública, segundo Pimenta, é fazer com que a população participe de decisões que são de seu interesse. ?É o alto grau de participação do cliente final do sistema de radiodifusão, o cidadão comum, que se tem manifestado sobre vários aspectos do anteprojeto?, disse o ministro.

Para o coordenador de Comunicação Social do Ministério das Comunicações, Laerte Rimoli, ?não existe obrigatoriedade de consulta pública?. Segundo ele, a consulta permite, porém, que o projeto chegue com mais respaldo ao Congresso.

O deputado Alberto Goldman (PSDB-SP) considera positiva a consulta sobre o anteprojeto da Lei de Radiodifusão, mas critica o fato de não estar sendo delegada a regulamentação a uma agência, com autonomia própria. Pelo anteprojeto, o ministério será responsável pelo setor. Para o deputado, deveria haver uma única agência para os setores de telecomunicações e radiodifusão. ?A lógica da intersecção das tecnologias levaria a uma agência única?, afirma.

Goldman acredita que será difícil a Lei de Radiodifusão ser votada na atual legislatura. ?A previsão inicial para que o texto fosse apreciado pelo Congresso era 1999?, lembra o deputado. ?Será complicado trabalhar num projeto complexo como esse em 2002, um ano eleitoral.?


Obrigatórias – Ao contrário do que ocorre com o Ministério das Comunicações, as consultas públicas realizadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) são previstas em lei, sendo, portanto, obrigatórias.

O artigo 42 da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) prevê que todos os atos normativos da agência devem ser submetidos à consulta. As sugestões seriam examinadas e permaneceriam à disposição do público na biblioteca do órgão. O advogado Guilherme Costa, especialista em telecomunicações e sócio do escritório Vieira Ceneviva, ressalta que o regimento interno da Anatel regulamenta as consultas públicas realizadas pela agência.

Costa chama atenção para o fato de a agência não acatar sugestões que mudem as idéias que estão por trás dos regulamentos. ?Nós encaminhamos algumas sugestões que foram aceitas, que normalmente diziam respeito à forma dos textos em consulta. As modificações foram acatadas em trechos que permitiam dupla interpretação.?

O conselho consultivo da Anatel registrou na ata da reunião de 28 de maio a crítica de que 99,9% dos textos não são modificados após consulta pública.

?Na prática, a Anatel recebe contribuições, mas é muito difícil mudar a redação?, afirma."

    
    
                     

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