Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Imprensa subserviente não é imprensa

RORIZ vs. CORREIO BRAZILIENSE

Luiz Martins (*)

A imprensa jamais poderá ser um poder subserviente aos demais, sob pena de ser apenas um aglomerado de folhas impressas, o que não pode ser tomado por jornalismo. O Correio Braziliense, ao mesmo tempo em que vive um dos melhores momentos de seus 42 anos de história, exatamente pela sua independência econômica e política, enfrenta ameaças de boicote e intimidações, em função de estar cumprindo uma função precípua: denunciar escândalos administrativos. Existir numa sociedade ainda em desenvolvimento econômico e político um jornal independente já é, por si só, um prodígio. A sociedade ir em defesa desse jornal quando ameaçado será um avanço ainda maior. Significa que a imprensa atingiu, de fato, o patamar de instituição.

A independência econômica e política do Correio Braziliense em relação ao governo do Distrito Federal, conquistada especialmente durante as administrações do governador Joaquim Roriz, tem demonstrado o quanto uma imprensa livre é importante para a sociedade, para o cidadão e para a pluralidade de informação e opinião, fatores essenciais para o bom funcionamento da vida democrática.

Foi durante a era Roriz que floresceu o chamado "Projeto Correio", laureado com mais de uma centena de prêmios, nacionais e internacionais, tanto pelo bom jornalismo de seus profissionais quanto pela sua qualidade gráfica e estética. Foi também nessa conjuntura que o Correio consolidou-se como empresa de mercado, incorporou avanços tecnológicos e até a imponência física dos novos prédios e demais instalações. Foi a época de outro notável investimento do CB, o jornalismo online com o projeto Correioweb.

Por que será que o Correio Braziliense experimentou na era Roriz um renascimento à altura dos mais elevados sonhos independência e emancipação do seu prócer maior, Hipólito José da Costa? Não foi simplesmente por fazer oposição, pois a história está bem ilustrada de casos de jornais que fizeram oposição a governos e regimes e desapareceram. Foi pelo bom jornalismo e pelos serviços prestados à Capital Federal.

Coro dos contentes

Ironicamente, foi durante as administrações do governador Joaquim Roriz que o Correio e os seus jornalistas mais sofreram dificuldades para a realização de seu trabalho e, por vezes, foram vítimas de obstrução, pois houve ocasiões em que lhes foram negadas informações, declarações e até vedado o acesso de seus repórteres a eventos públicos para os quais toda a imprensa havia sido convidada. Foi um período de intimidações, ameaças e propostas de boicote, enquanto os demais veículos eram objeto de atenções, simpatias e publicidade oficial.

O governador Joaquim Roriz não tem poupado manifestações de hostilidade e qualificações depreciativas para com o Correio Braziliense. "Jornal petista" e "jornal falido" são algumas das expressões utilizadas em sua campanha. Entretanto, mais do que impropérios e descargas emocionais o governador tem proposto ao seu eleitorado um boicote ao jornal, nada, porém, que esteja à altura do boicote de publicidade com que o GDF tem atingido o Correio. Nem isso, porém, comprometeu a sobrevivência do Correio e a consolidação do seu projeto.

Neste momento, não é só o Correio Braziliense que, mais uma vez, é atingido em seus propósitos de prestar ao Distrito Federal e à sociedade brasileira o serviço público da informação. Neste momento, também está sob ameaça uma condição imprescindível à democracia, que é a liberdade de imprensa que, por sua vez, depende da liberdade de empresa. Se o Projeto Correio for abalado, sabotado, boicotado é sinal de que não se evoluiu muito da era getulista para a era Roriz. Será uma demonstraç&atiatilde;o de que a vida institucional brasileira não andou muito. Getúlio não só intimidava as publicações que ousassem qualquer crítica, como contribuía financeiramente ? além da publicidade oficial -, para o sustento dos jornais colaboracionistas, com uma diferença: naquela época, as transferências de recursos para a imprensa eram algo sabido e transparente, tanto que historiadores chegam a registrar as tabelas de repasses do antigo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) às empresas jornalísticas.

O mesmo não tem acontecido no panorama brasiliense das últimas décadas. Em certo momento desse breve passado da imprensa da capital brasileira circulou uma piada segundo a qual os jornais de Brasília tinham de ser privatizados, tal sua dependência e seu comprometimento com o GDF. O afastamento do Correio dessa esfera de cooptação veio, no entanto, demonstrar que existe um risco muito grande a ser enfrentado, um obstáculo nada desprezível, um governador que, a despeito de sua popularidade e obras monumentais, não está disposto a ver irregularidades de sua administração presentes no noticiário.

A independência dos poderes é o fiel da balança de um sistema democrático. A imprensa, enquanto Quarto Poder, não pode estar subserviente a nenhum deles, muito menos ser ameaçada por um deles, sob pena de não poder exercer o seu poder fiscal. Em Brasília, são poucas, neste momento, as vozes e expressões do contraditório. No que se refere à imprensa, com exceção do Correio, o que se tem é um grande coro dos contentes. Entretanto, o que se espera genuinamente de jornais é que o seu principal vínculo seja com o cidadão e com a sociedade. Só assim a imprensa será, de fato, um poder independente. Afinal, qualquer coisa que se imprima em papel-jornal pode ser chamada de jornal. Mas não de jornalismo.

(*) Professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, onde coordena o projeto de extensão SOS-Imprensa; integra a diretoria do Sindicato dos Jornalistas do DF