Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Imprensa venera Gorby, o Verde

ECOLOGIA

Leneide Duarte, de Paris

Dez anos depois do fim da União Soviética ? que se esfacelou em dezembro de 1991 ? Mikhail Gorbatchev ainda faz a imprensa correr atrás dele. O ex-presidente russo, mentor da perestroika, a "revolução que pretendia ser uma reforma mas que mudou a face do mundo" (expressão do sovietólogo Andrei Gratchev, ex-assessor de Gorby), sabe como ninguém avaliar o papel didático e o poder de transformação da informação. Por isso, ele convida a imprensa a ser uma aliada na luta pela salvação do planeta. E quando convoca os jornalistas, como no dia 12 de dezembro, em Paris, eles vêm em tão grande número que as cadeiras da grande sala de imprensa da Maison de la Radio, no Centre d?Accueil de la Presse Étrangère? não são suficientes para todos.

O tema da coletiva não pretendia ser um balanço político do mundo atual. Mas acabou sendo. Como estar com Gorbatchev, um dos homens que ajudaram a escrever a história do século 20, e não lhe fazer perguntas sobre política? Mesmo que o centro do debate fosse sua ONG, a Green Cross International, fundada em 1993, Gorbatchev não pôde escapar de perguntas em torno de armas químicas, Afeganistão e Oriente Médio.

"A imprensa faz um trabalho inestimável para promover as idéias ecológicas", disse o prêmio Nobel da Paz, declarando-se, contudo, pouco satisfeito com o que se passa no mundo. "Há populações que não têm acesso à água potável e isso traz conseqüências desastrosas como epidemias graves. Estamos convencidos de que os conflitos do século 21 serão provocados pela água, por omissão das nações no tratamento da questão da água e na prevenção de conflitos onde esse recurso é escasso. O que fazer para que os governos não pensem apenas nas próximas eleições, mas se preocupem com o que vai se passar daqui a 20 ou 30 anos?"

Ele falou da Green Cross International, que tem por objetivo lançar o debate sobre as conseqüências ecológicas das guerras e conflitos, e o apoio a iniciativas de educação ambiental. Gorbatchev citou muito a Rio-92. Disse que pouco se avançou de lá para cá. Mas se declarou esperançoso quanto à nova conferência mundial para o meio ambiente e o desenvolvimento, que acontece em Johannesburgo, em setembro de 2002. Como preparação para o grande fórum, sua ONG, juntamente com a Unesco e o governo francês, realizam o encontro denominado "Earth Dialogues", em Lyon, de 21 a 23 de fevereiro de 2002.

Complexo industrial-militar

Para Gorbatchev, a ecologia é o tema mais importante da pauta do século 21. Mas os jornalistas, refletindo o imediatismo da profissão, queriam conversar sobre o que se passa no mundo de hoje. A agenda do século 21 para eles ainda não está na ordem do dia. O ex-presidente russo não se recusou ao debate politico. Eis um resumo do que disse:

? Fiz 35 cartas a chefes de Estado e de governo pedindo ações concretas para a destruição de armas químicas. Todos me responderam. Os Estados Unidos e a Rússia são detentores de armas químicas. Os Estados Unidos estão mais avançados do que a Rússia na destruição das armas químicas, mas o presidente Putin me informou que o orçamento para destruição dessas armas foi multiplicado por 6.

? Tanto o governo de Israel quanto o dos palestinos têm que estar prontos para assumir compromissos e, provavelmente, não poderão fazê-lo sozinhos. A conseqüência dessa escalada da violência é catastrófica tanto para esses dois povos quanto para a região e para o mundo inteiro. O terrorismo tira proveito da situação para mostrar que, como a comunidade internacional é impotente, é preciso impor a solução pela força. A Rússia está pronta a participar, mas acho que a iniciativa deve partir do Conselho de Segurança da ONU. Se uma das partes fizer passar seus interesses sem que haja um compromisso aceito pelas duas partes, obviamente não será uma solução durável. Há coisas que devem ser solucionadas imediatamente e outras que podem ser solucionadas mais à frente, para que o tempo acalme as paixões. Mas é preciso começar a agir imediatamente.

? Espero que os Estados Unidos não imaginem que devem bombardear países com os quais têm problemas. Não se pode chegar à conclusão de que a cada vez que se descobrir um grupo terrorista num país qualquer, os Estados Unidos devem enviar seus navios e seus aviões para bombardear um país inteiro sob justificativa de combater um grupo ou movimento terrorista. É preciso sobretudo evitar que sob pretexto de uma luta antiterrorista se faça uma ação militar com vistas a estabelecer uma dominação política ou controlar uma determinada região do mundo. É preciso não esquecer que ações desse tipo servem de pretexto ao complexo militar-industrial de diversos países para aumentar seus orçamentos e desenvolver novos armamentos; e também para compra e venda de armas.