Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Indignação paulistana

Beth Klock (*)

 

A

nalisar o papel da mídia nesta última semana paulistana não é tarefa fácil. Fácil é se indignar com os vereadores que riam enquanto se ausentavam do plenário para nem ter que votar contra a CPI da máfia das regionais. Fácil é ficar chocado com o Anhangabaú inundado até o teto, o Pirajuçara e o Tietê fora de seus leitos, a população jogada à própria sorte, no meio do lixo e da lama. Difícil é avaliar se só a indignação – manifestada pelos jornais impressos, pelo rádio e pela TV – serve para alguma coisa.

É bem verdade que alguns deram nomes aos bois – como a Folha de S. Paulo, que publicou o número do telefone de cada vereador disposto a votar contra a CPI. Outros, como o Chico Pinheiro no novo SP TV ou o Boris Casoy, no Jornal da Record, parecem ter assumido uma nova campanha (não será de marketing?) em prol dos cidadãos menos favorecidos desta cidade. Tudo isso, para mim, não passa de paternalismo e de soberba. É como se à mídia coubesse o papel de uma espécie de Procon dos direitos civis.

Será este o seu papel? Parece-me que não. Espero que não, porque senão estamos todos perdidos. Se a população tiver só o Sr. Roberto Marinho, o bispo Edir Macedo e o Otávio Frias Filho a quem recorrer para reconquistar os seus direitos civis, estaremos realmente perdidos e mal pagos. Não muito tempo atrás o cidadão cansado de recorrer à polícia ou a qualquer órgão público ligava para o Aqui-Agora, do SBT, lembram-se? Para quem devem ligar hoje, para o Ratinho? Para o Cidade Alerta? Qual dá mais ibope? Qual o comunicador capaz de resolver o problema no lugar da polícia, da administração regional, do pronto-socorro?

Qual o órgão de comunicação que vai nos devolver a cidadania? O jornalismo, a cada dia que passa, mais se distancia da sua verdadeira função que é a de informar. Apurar os fatos com rigor, comunicá-los com isenção, esclarecer, explicar e – por que não? – instruir seus leitores, seus ouvintes, seus telespectadores, municiando-os com dados suficientes e confiáveis para que possam tecer seu próprio julgamento, este me parece ser o papel da imprensa.

Mas a primeira das tarefas deste ofício – a de apurar com rigor – há quanto tempo não é praticada? Tremo só em pensar se o caso da máfia das regionais não pode vir a ser um novo caso da Escola de Base. Imagine se os administradores regionais e os vereadores são inocentes, vítimas de uma trama escabrosa, fruto da vingança dos camelôs e dos comerciantes que estão fora da lei? É bem pouco provável, mas não é impossível.

Melhor seria se a imprensa cobrisse, de fato e diariamente, a Câmara dos Vereadores e o gabinete do prefeito. Se comunicasse, de fato, qual o papel do Executivo e do Legislativo, o poder e a responsabilidade de cada um e o que cada um dos eleitos faz durante o seu mandato. Melhor seria que a imprensa não cobrisse só os distritos policiais, mas acompanhasse os casos até o final, na Justiça, para acabar com a falsa idéia de que é a polícia quem resolve tudo – o cara foi preso e ponto final.

Há poucos anos atrás perdi um amigo assassinado num estacionamento de uma lanchonete no Itaim. Pois nenhum – eu disse nenhum – dos jornais que noticiaram o caso o fez como de fato ocorreu. Nem mesmo o nome das vítimas – uma felizmente sobreviveu – estavam certos. O caso teve repercussão porque os envolvidos eram pessoas conhecidas, mas nem isso facilitou o trabalho da imprensa. Tudo o que se publicou a respeito continha erros primários, sem contar que nunca mais ninguém ouviu falar que fim levou o assassino. Sempre me lembro disso quando abro os jornais pela manhã. O que estarão me escondendo? Em que linha estará o erro fundamental? Quanto tempo determinado assunto merecerá cobertura? Quanto tempo mais dará ibope, entreterá o telespectador, o ouvinte?

O jornalismo hoje está mais para um show de horrores – parece que quanto pior, melhor, (o âncora do Cidade Alerta no dia 3 de março deixou escapar que era difícil fazer o programa sem enchente, porque naquele dia não choveu em São Paulo – graças a Deus! – corrigiu ele depois). Na mídia eletrônica, os âncoras assumem o papel de Robin Hood e, com a sua verborragia, disfarçam as imperfeições do trabalho da imprensa. Não tenho a pretensão de ser uma articulista do OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA. Muito menos de ensinar o padre nosso ao vigário. A minha experiência no jornalismo se limitou ao serviço, aos veículos femininos. Ao escrever uma legenda de moda de 12 linhas, procurava dar o máximo de informação correta à leitora. Portanto, nunca sofri com a censura, não ganhei nenhum Prêmio Esso, o patrão nunca se mostrou muito preocupado com o que eu publicava. Sua preocupação, no meu caso, restringia-se ao número de páginas vendidas aos anunciantes em cada edição.

Mas nem por isso eu e meus colegas jornalistas de revistas femininas fazíamos o nosso trabalho no tapa. Uma matéria de beleza, sobre tratamento contra rugas, por exemplo, é muito bem apurada. Ouvimos vários dermatologistas, cirurgiões, fármacos, esteticistas. Não nos contentávamos com os press-releases que a indústria de cosmética nos despeja. Para mim o BO do distrito policial não basta. Talvez porque numa matéria de beleza a responsabilidade do jornalista seja mais evidente. Uma informação errada pode levar a leitora à uma deformidade no rosto. Mas quem se importa se a vítima se chama Pedro ou Paulo? Se a denúncia se baseia em fatos ou em boatos? Se ali, naquela escolinha de educação infantil estão duas pessoas a cuidar de crianças, ganhando seu dinheiro honestamente, ou se acobertam verdadeiros monstros a prostituir menores? Se o delegado está a fim de se promover? O que importa é ter uma boa manchete, é vender, é dar ibope. Se estiver errado, publica-se a correção na seção Errata do dia seguinte e pronto. Dois dias depois, ninguém – além do envolvidos – se lembra mais de nada e fica por isso mesmo. Desculpem-me o desabafo, mas é que eu continuo com a macaca!

(*) Jornalista