Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Inglês em português

MUNDO AMERICANIZADO

Fernando Machado (*)

Passa na Band, sábado à noite, somente para loucos. Vídeos de acidentes de todos os tipos que se possa imaginar e para todos os gostos. Um carro de corrida a mais de 200 km/h que sai da pista e vai na direção do público, um cervo enfurecido "que ataca violentamente" um fazendeiro azarado, incêndios que transformam casas "em verdadeiros infernos", uma erupção vulcânica que leva os habitantes de uma ilha "a nunca mais se esquecerem daquele dia", tudo isso e muito mais acontece nos Vídeos mais incríveis do mundo. E a linguagem é exatamente esta. Com uma fantástica adjetivação, como esta.

Muitas vezes, pensa-se estar assistindo ao desenho dos Super-Amigos. Só falta mesmo o clássico "enquanto isso, na Sala de Justiça…". Ninguém morre e, no final, o "sobrevivente" ainda conta sua experiência com toda a sabedoria que uma pessoa que é atropelada por um cavalo reúne. Ficou mundialmente famosa a série de vídeos chamada Faces da Morte. O telespectador de Os vídeos mais incríveis do mundo bem que gostaria de um pouco mais de sangue, mais realidade. Mas o programa guarda uma relação com Faces da Morte semelhante à que as pornochanchadas e a sextaséquice mantêm com os filmes pornográficos: aparece quase tudo, mas nunca o principal.

Nas poderosas ligas esportivas americanas, a equipe que conquista um campeonato interno nos Estados Unidos é considerada campeã mundial, "world champion". Tem lá alguns estrangeiros, como na NBA (liga de basquete), mas são poucos e não recebem muito destaque. As tragédias exibidas nos "vídeos mais incríveis do mundo" chegam de todos os cantos do planeta, mas a maioria dos acidentes acontece mesmo nos Estados Unidos. Logo, representam o mundo, ou o que existe de importante nele, ou seja, eles mesmos. A mensagem do programa é de que o mundo todo devia falar inglês, consagrando de vez a americanização do mundo, que insistem em chamar de globalização.

Um dos acidentes mostrados foi o desmoronamento de um barraco em uma favela de São Paulo. E foi aí que aconteceu a transnacionalização da língua, a origem do título deste texto. Os garotos que relataram o acontecido para as câmeras (e perderam suas casas), vestidos com a camisa da Gaviões da Fiel, foram dublados por outros brasileiros de dentro de um estúdio. Na dublagem substituíram os "mano", os "ôrra meu" dos dois jovens paulistas, e colocaram todos os cacoetes do chamado "black English", o inglês falado pelos negros.

Aquele mesmo que Eddie Murphy tagarela nos tradicionais Um tira da pesada. O novo dialeto, na verdade, é um ritmo. A fala foi mais ou menos assim: "Bom? eu estava lá e de repente uau?aquilo foi rápido cara. A casa simplesmente saiu rolando?foi incrível!!"

Talvez todas as línguas do mundo possam se adequar a este ritmo, a esta espécie de esperanto da hegemonia cultural americana. Não importa se não se saiba falar inglês, basta macaquear. Como fazem Pepê e Nenê imitando Michael Jackson, ou como Kelly Key e Sandy, e outras iguais a elas em outros países, sendo as versões Britney Spears em seus respectivos países. Qualquer dia, quando o atacante Guilherme errar um gol para o Timão, talvez possamos ver algum torcedor da Fiel gritando "muda fucka", em vez de simplesmente liberar o bom e velho grito de gol.

(*) Estudante de Jornalismo da Universidade de Uberaba, MG