Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Investigação e a anatomia das listas

CASO BANESTADO

Claudio Julio Tognolli (*)

Laivos atenciosos de humanidade brotaram das cabeças de aúlicos investigados na semana passada pela CPI do Banestado, quando, nessas primeiras manhãs luminosas de inverno, as manchetes de jornal começaram a pipocar nomes de grifes glamourosas da política como tendo chancelado, com seus lustrosos nomes, papeladas imundas da lavagem de 30 bilhões de dólares via a agência do Banestado de Foz do Iguaçu.

Por que humanidade? Porque as baterias, agora, são assestadas contra as fontes. Parece que se começa a poupar jornalistas de processos. Em novembro do ano passado, este Observatório já anotara que…


"…as ações contra jornalistas e empresas de comunicação tiveram notável crescimento nos últimos anos. Atualmente, e tomando-se como exemplo apenas as grandes redações, entre ações civis e criminais a TV Globo e a Editora Globo respondem cerca de 350 processos; a Editora Abril cerca de 300; o jornal O Globo, 230; Folha de S.Paulo, 200 e Estado de S.Paulo, 164. O valor médio das indenizações pretendidas é de 20 mil reais, ainda segundo a pesquisa do Consultor Jurídico" [remissão abaixo]. 


Em que pese ouvir o outro lado, lembremos que há três anos o diário Zero Hora foi condenado em processo numa reportagem que ouvia 22 vezes o acusado, em box ao lado da reportagem acusatória. Ok, dirão advogados, citando um sonoro "ex lege naturae jure merotique" (por lei natural, com pleno direito): escreveu, tem de se responsabilizar, afinal esse é o barato, o bag da coisa jornalística.

Com a CPI do Banestado o quadro muda de figura, parece, ainda que produza sons e barulho tão estranhamente inarticulados que não chegam a ribombar nas manchetes principais. Estamos falando na mais nova disposição, que é ir caçar judicialmente a fonte, não mais o jornalista. Lentamente, na semana passada, brotaram aqui e ali na imprensa, à moda de espartilho apuratório, sinais de que as malignidades invulgares agora não são mais obra de repórteres, mas das fontes primevas da notícia, vulgo autoridades. Numa notícia de meio de página, na quinta-feira (26/6), a Folha de S. Paulo detalhava que:


"O presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), entregou aos integrantes da CPI do Banestado uma série de documentos que provariam sua inocência de acusações feitas contra ele pelo procurador da República Luiz Francisco de Souza, de suposto envolvimento com remessa ilegal de recursos, por meio de agência do Banestado em Nova York.

Dizendo-se ?indignado" com a publicação de acusações ?caluniosas?, Bornhausen aproveitou a primeira reunião da CPI, destinada à eleição do presidente e do vice-presidente e à indicação do relator, para fazer um apelo aos parlamentares que vão investigar a evasão de divisas de US$ 30 bilhões efetuada entre 1996 e 2002, por meio de contas CC-5.

?Espero que a CPI impeça novas agressões à minha honra, que os responsáveis pelos crimes contra mim cometidos sejam devidamente identificados e apontados à Justiça para a devida punição, conforme a lei?, afirmou.

O senador disse que, apesar de ter enviado a veículos de comunicação toda documentação provando não ser o beneficiário de remessas de recursos para o exterior, o procurador Luiz Francisco fez acusações contra ele.

?Com o noticiário dos escândalos do Banestado, volta ao cenário o procurador Luiz Francisco de Souza, conhecido pela sua disposição de divulgar os assuntos que investiga, expondo temerariamente as pessoas de forma irresponsável, cometendo criminosos abusos de poder, acobertando-se pelo respeito à alta missão de Estado que exerce?, afirmou o presidente do PFL, em pronunciamento na comissão.

Em entrevistas à imprensa, Luiz Francisco declarou que a família de Bornhausen seria proprietária do Banco Araucária, instituição pela qual, ainda conforme o procurador, teriam sido lavados US$ 5 bilhões. Bornhausen interpelou judicialmente o procurador, afirmando que o banco é da família Dalcanale, à qual pertence uma cunhada sua.

O senador apresentou uma série de documentos à CPI do Banestado. Entre eles, certidão do Banco Central atestando que inexistem no banco de dados da instituição quaisquer registros de remessas ou recebimentos de valores, no período de 1992 a 2002, em seu nome e ofício do Banco do Brasil dizendo que não é dele uma conta na agência de Nova York que teria recebido um depósito de US$ 16 mil".


O escândalo Watergate explodiu no Washington Post num domingo de junho de 1972, sob o título "5 held in plot to bug Democrats office here" (5 pegos conspirando para grampear a sede Democrata). Al Lewis, um repórter que estava há 35 anos no jornal, foi quem assinou a matéria. Bob Woodward e Carl Bernstein confeccionaram o box. Editorial tecido por Phil Geleyin, no dia seguinte, levava o título "Missão impossível". E começava com citação do seriado homônimo da CBS ? "Como sempre, se você ou alguém de sua equipe for pego ou morto, o secretário de Estado negará qualquer conhecimento de suas ações" (In: Personal Story, Katharine Graham, Alfred A. Knopf, New York, 1977, p.532). Portanto não era de se esperar que algo ou alguém admitisse sombra de culpa, agora na vez do Banestado. A novidade é que, pela velha tradição das raposas políticas, a culpa sempre é da reportagem ?naquele termo tão empregado pelos acusados, nos EUA, que é chamar jornalistas de "kedgers", vulgo "ancoretas" ou aleijados.

Na época do Watergate, o secretário de imprensa de Nixon, Ron Ziegler, distribui nota referindo que "usando insinuações, rumores, acusações sem substância, fontes anônimas e manchetes sensacionalistas, o Post procurou, maliciosamente, dar a aparência de uma conexão direta entre a Casa Branca e Watergate ? acusação que o Post sabe e meia dúzia de investigações descobriram ser falsa. A marca da campanha do Post é a hipocrisia ? e sua reputada ?tendenciosidade? está hoje evidente para todos aqueles que quiserem ver".

Políticos são professores ex-officio nesta arte. No caso ebúrneo do Banestado, as chancelas lustrosas, tão negadas por Bornhausen, começaram a vir à luz pública na edição antecipada que IstoÉ Dinheiro mandou para as bancas já na quinta-feira (26/6). A revista traz nomes de mais políticos envolvidos, com documentação em fac-símiles. Um estardalhaço, tumultuoso e estouraz. O farto cacho de uvas pendente nas mãos da reportagem, no caso Banestado, atende pelo nome de "listas".

Toma-lá-dá-cá

Advogados de políticos citados nas listas do Banestado já procuram repórteres, na idéia de que a partir de suas bocas descomponham-se as incontáveis esperanças de alguns inimigos políticos em serem poupados da divulgação. Como os processos são sigilosos, tais homens das leis vão prospectar seus clientes e mandam para frente, é óbvio, apenas as informações constantes do processo e que tratem de seus inimigos políticos. Foi assim durante toda a semana. Alguns repórteres tiveram a promessa de serem poupados de processos desde que, na próxima edição, soltassem os nomes dos políticos que desagradavam os seus clientes. Tudo tem se negociado a partir da lista do Banestado. A paroquial promessa advocatícia de mais nomes da lista, dados de cambulha, é aventada como nítido acréscimo ao milagre do furo em seu todo.

Episódio igual a este, de fome por listas, só ocorreu na história recente em 1993. O jornal O Globo e a TV Globo emplacavam impetuosas matérias exclusivas sobre a "lista do Biscaia", na qual o ex-promotor carioca Antonio Carlos Biscaia, hoje político dos mais probos, mostrava quais políticos famosos estavam deslavadamente comendo grana das mãos de banqueiros do bicho do Rio de Janeiro.

Alertado por uma coluna de Janio de Freitas, na qual este escrevia que por detrás da divulgação da lista estavam interesses da máfia italiana, um dono de jornal pede a um repórter que investigue a dica do Janio. O repórter consegue uma fonte que o indica Paulinho Queirós, um tira que ano depois seria assassinado na favela Vigário Geral. Paulinho, que conhecia pessoalmente os bicheiros Raul Capitão e Paulinho Andrade, filho do Castor, mete o repórter dentro da Polinter, no centro do Rio, para conversar com os dois banqueiros, às três da manhã e sem autorização judicial. Paulinho Andrade pede que o repórter volte no dia seguinte, por volta das três e meia da manhã. Ele volta. Ali, ao lado dos bicheiros, um famoso advogado carioca, de empreiteiras, dá ao repórter, após revoadas densas e incertas de má conversa, documentos preciosos.

O que estava ali provava que, por influência do ex-sócio de Roberto Marinho no Papatudo, o empresário Artur Falk, as Organizações Globo estavam interessadas em implantar no Brasil o jogo do bicho online. Que, para acontecer economicamente, teria é claro de implodir (numa fé descuidada na puerícia jornalística) o jogo do bicho dos banqueiros. O relatório do repórter trazia documentos comprobatórios de que a empresa que fazia nos EUA as máquinas do jogo do bicho online estaria, de acordo com o FBI, nas mãos da máfia italiana. Estava morta a charada cifrada do bem informado Janio de Freitas. Bem como o interesse "jornalístico" global em divulgar, em manchetes tremeluzentes, a famosa "lista do Biscaia".

Se sob os fulgores das listas pesam tantos e tamanhos arcanos da história do jornalismo brazuca, o que dizer das listas de agora, as do Banestado? Eis o porquê de as autoridades estarem querendo processar as fontes, e não mais jornalistas. Com os primeiros, nada tem se negociado. Já com jornalistas, a moeda tem sido a informaç&atildeatilde;o pela contra-informação. Dirão: eis o toma-lá-dá-cá do Estado de direito jornalístico. Perfeito. Mas as formidáveis energias que se agitam no centro cinético jornalístico, no caso Banestado, não são as que vemos impressas. São, antes, sublunares, laterais, ladinas, oblíquas, enviesadas.

(*) Jornalista

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