Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Isso interessa ao público?

DIPLOMA EM XEQUE

Ana Paula Mira (*)

O que de melhor existe em uma sociedade? Valores morais, responsabilidade, critérios? Essa não é uma questão fácil e nem de resposta única, porém, pode-se chegar a uma elucidação se considerarmos que, influindo nessa mesma sociedade, está a comunicação. Não só o jornalismo, tópico central destas modestas linhas, mas também a publicidade, a comunicação interna, empresarial, institucional e outras que interferem na maneira de pensar e agir de qualquer ser humano.

A partir do momento em que se questionam práticas dessa comunicação, começa a surgir nessa mesma sociedade uma discussão narcisista, afinal, quem mais é o principal alvo do que se escreve, fala-se ou se cria? Para a sociedade, a autocrítica sempre é necessária e acredito que, com a decisão liminar de acabar com a obrigatoriedade do diploma para a prática jornalística, muitos devem estar questionando o porquê de tal decisão e quem ela favorece. Além disso, vários debates estão surgindo nas mais diferentes instâncias: tribunais, sindicatos, faculdades, meios de comunicação.

Atraso intelectual

No entanto, ainda resta uma lacuna: o público está interessado em questionar essa obrigatoriedade? Aliás, esse mesmo público sabe qual a realidade que permeia os cursos de Jornalismo e as grandes redações? Provavelmente não. Não devem saber que, por uma abismal falta de senso e critério, não há estímulo para a área humanística no Brasil. Letras, Artes, Comunicação não valem investimento para pesquisa. Também ignoram que, para ser jornalista, não bastam apenas a prática do dia-a-dia ou o conhecimento específico de economia, cultura ou qualquer outro assunto que caiba em uma editoria, mas também a busca incessante pela informação honesta. E o pior dos desconhecimentos: informação e liberdade de expressão apenas combinam na rima; não há nada que possa compará-las ou colocá-las em um mesmo patamar que sirva de argumento à extinção do diploma.

A autocrítica a que me referi, por conta dessa ignorância ? no sentido menos pejorativo da palavra ? inexiste. É possível considerar que Carla Abrantkoski Rister tenha feito um favor à sociedade, evitando a elitização da comunicação? É lógico que não. O público continua alheio ao que acontece. Em vez de serem abertas discussões sobre liberdade de imprensa, poder de manipulação da informação, necessidade de repensar a maneira como os veículos de comunicação se posicionam sobre determinados fatos, a juíza preferiu abolir o diploma ? a ponta de um iceberg gigantesco que continuará encobrindo erros da mídia. A decisão da juíza apenas enfatiza uma prática asquerosa que ainda acontece no Brasil, de atender a interesses particulares valendo-se de argumentos coletivos. Desconsiderar o diploma para a prática de qualquer profissão não é sinônimo de melhorar o acesso ao mercado de trabalho nem garantir maior qualificação.

Tomar uma decisão dessas é contribuir para o atraso intelectual do Brasil e para a continuidade da idéia de que, aqui, qualquer “jeitinho” resolve um problema. Até para quem quer ser jornalista porque acha “bonito de ver na televisão”.

(*) Jornalista diplomada e professora da Universidade Tuiuti do Paraná

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