Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ivan Angelo

CANAL A CANAL

"Quem deixaria de ver Lady Godiva na TV?, copyright Jornal da Tarde, 18/8/01

"Qual é a relação entre Lady Godiva e a tevê? Bem, em certo momento do distante ano de 1040, no condado de Coventry, na Inglaterra, ela representou o que equivaleria hoje ao mais sensacional programa de mulher pelada da televisão, programa único, sem bis ou replay. Godiva, uma dama respeitável, aceitou o desafio de cavalgar completamente nua pelas ruas da cidade. Isso equivaleria, digamos, a Ana Paula Arósio desfilar nuazinha pela avenida Paulista.

Era uma bela mulher, benfeitora da cidade, esposa do conde de Mercia e senhor de Coventry. Ele havia aumentado os impostos e Godiva, atendendo aos apelos da população, intercedeu, pedindo ao conde que suspendesse a taxação. Ele, não querendo voltar atrás, fez-lhe uma proposta absurda: só suspenderia se ela atravessasse a cidade pelada num cavalo. E ela, atrevida: pois muito bem, aceito.

A notícia espalhou-se pela cidade, junto com o pedido dela de que ninguém assistisse à sua passagem. No dia do grande evento, a população inteira ficou dentro de casa e fechou as portas e janelas. Só um homem, o alfaiate Tom, entreabriu a janela e espreitou. Diz a lenda que ?Peeping Tom? ficou cego em conseqüência. O conde cumpriu a palavra.

E agora nós. Por que é tão difícil convencer o público a não assistir a programas de baixaria na tevê, que no fundo funcionam contra ele, tanto quanto os impostos da distante Coventry? Uma parcela importante do público da tevê é como o alfaiate Tom: prefere olhar e se prejudicar. No caso atual é um prejuízo social e cultural. Quantos desligariam a tevê se houvesse uma situação paralela envolvendo uma Lady Godiva moderna? Quem, para baixar os impostos, deixaria de ver a bela dama nua na tevê? Desligar a tevê ou mudar de canal é menos um ato de vontade do que de força de vontade. E, para isso, o público precisa ser treinado, educado, politizado. Só assim poderá deixar de ser um ?Peeping Tom? manobrado pelas emissoras de tevê.

Contra

Trabalha contra o livro do professor Pasquale Cipro Neto a propaganda que está sendo veiculada na televisão. Ouvi de passagem nesta quinta-feira à tarde, na Rede Globo. A certa altura, o locutor fala em ?gratuíto?, com acento forte no ?í?, erradamente.

?Anita?

Já vai um órgão do governo criar caso com a minissérie Presença de Anita, porque os dois personagens centrais são viciados. Em cigarro, uma droga cancerígena permitida. Manoel Carlos adora esses casos criados, ?polêmicos?. Em Laços de Família, foram os bebês e menores participando de gravações sem alvará, que é uma exigência legal, inclusive em cena de conflito familiar, o que motivou uma proibição do Juizado de Menores, logo alardeada como ?censura?. O fumacê de agora de fato irrita quem não fuma, mas não é ilegal. Se os autores acham que é um recurso artístico válido e estão dispostos a irritar parte do seu público ao usá-lo, têm o direito de fazê-lo. Esteticamente, entretanto, esse recurso para marcar psicologicamente os personagens é coisa do passado, já está muito batido. E Anita não está caracterizado como um drama de época. Se surgir um atrito real por causa do cigarro, pode-se imaginar a piada: ?O Ministério da Saúde adverte: esse programa é prejudicial à saúde.?"

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"’Anita’ na TV: tão ruim quanto no livro", copyright Jornal da Tarde, 16/8/01

"O romance de Mário Donato é fraco. O que encorajaria uma emissora de tevê a bancar uma esperançosa adaptação de Presença de Anita – um daqueles livros que se lêem com uma só mão, no dito saboroso de Jean-Jacques Rousseau – senão a fama da sacanagem que dá sentido à trama? A escrita do livro é a comercial comum, a intriga é primária, as personagens não têm profundidade.

A adaptação ora apresentada pela Rede Globo é, nesses aspectos, equivalente ao romance.

A adaptação de um livro medíocre para outra linguagem não precisa, obrigatoriamente, ser do nível dele. Pode até ser melhor. Os autores da minissérie – roteirista Manoel Carlos e diretor Ricardo Waddington – optaram por manter o nível, mas ficaram abaixo.

As situações são ruins e mal-desenvolvidas, como aquela em que a filha de Fernando (José Mayer) vai à casa em que ele está transando com Anita. Tudo parece desconjuntado na seqüência, os tempos não combinam, as cenas são ridículas. Nos diálogos, um Manoel Carlos irreconhecível (têm algo de café requentado). Os personagens vivem emitindo conceitos, tipo ?todo homem gosta disso ou daquilo?, ?toda mulher é assim ou assada?. Até a juvenil Anita diz coisas bobocas de mulher mais velha, como ?não tem nada mais grosso num homem do que olhar o relógio quando está com uma mulher?. Os atores não estão nada bem, mas aquele que faz o papel de pai das três irmãs Lúcia, Julieta e Marta, é péssimo. José Mayer se repete, sem recursos. Também, fazer o quê, se o roteirista o obriga a repetir com Anita situações parecidas e até as mesmas falas de quando contracenava com a Íris (Deborah Secco) da novela Laços de Família: ?Vou te dar umas palmadas, menina.? Duas vezes ameaça enforcá-la, duas vezes diz que vai matá-la. Já vimos isso há pouco tempo, não? Os insultos dele para ela também são os mesmos. Mel Lisboa não chega a construir uma personagem. Fica bem quando pelada, tem um corpinho lindo, mas para quê, se nas cenas de sexo ela parece distante, nem aí, com sorrisos de Mona Lisa?

Este trabalho não honra, de maneira nenhuma, a galeria das minisséries que a Globo já apresentou.

Sexo

Simpáticas as entrevistas feitas por Marília Gabriela no GNT com Marcelo Duarte e Jairo Bouer, autores do best-seller Guia dos Curiosos – Sexo. O papo foi divertido, sexo sempre é bom assunto. Marília divertia-se folheando, lendo trechos, enquanto arrancava a história da editora Panda (que nasceu porque algumas editoras achavam que os guias de Duarte não se encaixavam no perfil delas, o que o levou a fundar sua própria editora e tornar-se um pequeno empresário de sucesso), dos livros que ela publicou e de como dois projetos de dois autores casaram-se para obter o êxito que vem tendo.

Roto

Se o telespectador prestar atenção no logotipo do Jornal Nacional que aparece atrás de William Bonner, aquele com as letras J e N em azul, verá que as letras estão rotas, descascadas. Não fica bem para o padrão Globo de qualidade.

Consumo

Engraçada a falha técnica da Rede Record, no programa Página 1, de Salete Lemos, que vai ao ar das 7h30 às 8h. O programa tem um cenário moderno, amplo, claro, e Salete, sentada, lê e comenta o que destacou nos jornais do dia. A pauta das matérias ancoradas por ela é feita a partir dos assuntos dos jornais. Na última quarta-feira, ela pegou um jornal O Globo e anunciou:

?Mais notícias para nós, consumidores.? A seguir, entrou uma reportagem sobre a feira-livre de cocaína e maconha nas favelas do Rio de Janeiro!

Terminada a matéria, entrou Salete séria, chamando a atenção para a falha, indicando na manchete principal do Globo o verdadeiro assunto a que se referia: ?Governo investiga indústria por maquiar aumento de preços.? Ufa!"

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"A tevê de sempre: problemas recorrentes", copyright Jornal da Tarde, 14/8/01

"Quanto mais a tevê diz que se renova, quanto mais parece mudar, mais igual ao que era ela fica. A crítica que se faz hoje é a mesma de quando olhamos para três, quatro, cinco anos passados. A insuficiência do noticiário, a realidade construída pelo veículo, a cópia como fundamento conservador permanecem. Poderão mudar algum dia?

Jornalismo

Para um número enorme de pessoas que não tem outro tipo de informação sobre o que ocorre na sociedade num âmbito maior do que sua casa, sua rua e seu trabalho, uma equipe de tevê é responsável pela construção da ponte entre elas e uma concepção de país, de coletividade, de valores comuns, e pela transposição desta abstração para a realidade. É apenas uma ponte, mas é a única possibilidade de elas saírem de si. Elas não lêem, não viajam, não estudam, não vão ao cinema, teatro, exposições. Não estão expostas a nenhuma crítica da sociedade, a nenhuma das idéias que transitam fora do próprio grupo. Vêem televisão. Não seria o caso de se tentar fazer uma televisão mais crítica?

Realidade: um número importante de telespectadores vê na tevê o que ela realmente é, um show. Verdade ou mentira, é um show. E o que é verdade ou mentira na tevê? Mesmo quando a realidade coincide com o mundo real, o público tem dúvidas. Sabe-se que hoje há recursos tecnológicos para criar ?realidades? como uma viagem espacial ou o naufrágio de um transatlântico.

Muitas vezes, as pessoas nem querem a realidade, querem a mentira bem vestida. Só o público mais politizado e informado é capaz de detectar manipulações no noticiário jornalístico. O mais interessante é que o contrário também é verdadeiro, ou seja: a televisão coisifica a realidade, transforma-a em matéria e leva-a para milhões de pessoas. Para milhões de não-letrados, se não deu na tevê, não existiu. A realidade passa a ser um produto da tevê. Um show.

Histórias encenadas e apresentadas como realidade fazem parte dos programas tipo Ratinho em muitos países. A ?vida como ela é? não é menos real por ser encenada; o ?show da vida? nem sempre é o fantástico, é também o reles e o falso.

Clones

A concorrência gera diversidade e criatividade. Mas nem sempre. No ramo da televisão aberta, que é fundamentalmente um produto cultural, com implicações importantes no consumo, a regra é quebrada. Em vez de seguir os padrões de diversidade e de criatividade que a concorrência produz no mundo cultural, no científico, no industrial e no macro-comercial, a televisão prefere seguir o rumo parasitário do consumismo menor: copiar para aproveitar sobras do mercado. O esquema gera produtos iguais, estilos semelhantes, clones de animadores e apresentadores e atores, noticiáaacute;rios com as mesmas notícias, com os mesmos enfoques, com a mesma superficialidade, freqüentemente com as mesmas imagens, jogos de futebol também com as mesmas cenas, resultando no que o sociólogo francês Pierre Bourdieu chama de estandardização da realidade. É o que se sente mudando de canais nos noticiários noturnos, e também nos matinais ou do meio-dia. A realidade em pacotes prêt-à-porter. Resulta também que xuxas gerem subxuxas, silvios gerem faustões e gugus, ratos gerem leões."

    
                  
    
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