Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ivan Angelo

CELSO DANIEL

"Criminalista explica a cabeça do bandido", copyright Jornal da Tarde, 24/01/02

"Impunidade. Os telespectadores estão cansados de ouvir essa palavra na boca dos apresentadores e dos políticos. Sempre com a mesma conotação que remete às falhas do Judiciário, às leis brandas e às execuções penais que favorecem os bandidos. Porém, na terça-feira, no ?Bom Dia Brasil? (Globo), o presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Brasil, Luís Flávio Borges D?Urso, explicou melhor o conceito de impunidade que está na cabeça dos criminosos: o bandido não acredita que vai ser ?alcançado? pela polícia.

Só será pego se der muito azar. É um risco, como em qualquer atividade. Exemplos: se um motorista der azar, ele vai bater; se um pedreiro der azar, vai cair da escada; se um pescador der azar, o barco vira; se o comerciante der azar, quebra. O risco de acontecer não é a norma, é a exceção. O criminoso conta com a incompetência, o despreparo e a corrupção da polícia. Não será punido, em primeiro lugar, porque não será preso. Vale a pena. O advogado Luís Flávio acredita também que penas mais severas não vão acabar com a impunidade. O bandido corre o risco não porque a pena é pequena, mas porque mesmo esta pena pequena é uma conseqüência improvável. Apenas alguns, os que forem presos eventualmente, sofrerão as tais penas dilatadas. E com a corrupção, enorme parte dos que são pegos é libertada em troca de propinas. O que é preciso é inverter a expectativa do bandido, é preciso que ele acredite que a sua prisão é uma certeza e não uma possibilidade distante, que a prisão é a norma, e que só se tiver muita sorte não será alcançado pela polícia. Aí a coisa muda, porque um comerciante não se estabelece com a certeza de que vai quebrar.

Dentro dessa visão, o problema central da impunidade é a polícia. Aliás, sente-se isso em cada entrevista das autoridades policiais: a falta de recursos técnicos e materiais, a falta de especialização, a falta de pessoal em geral, a falta de centralização, a falta de informatização unificada, a baixa qualificação dos setores especializados, a falta de inteligência, a falta de infiltração nas linhas inimigas, os baixos salários, o abandonar o caso de ontem para se ocupar do caso de hoje, a falta de armas, o uso de soldados em trabalhos burocráticos etc etc. São as próprias autoridades que alegam tudo isso, aqui e ali. Juntando o que elas dizem, dá esse quadro. É, resumindo, um problema de falta de governo.

Acrescentando-se a tudo isso as fugas de presos, a falta de presídios e as brechas da Justiça, temos um quadro mais verdadeiro do que é essa tão falada impunidade.

A proibição de celulares e a de armas

Míriam Leitão, na Globo, foi a primeira a protestar contra a proposta do governador de São Paulo de proibir a comercialização de celulares pré-pagos, muito usados pelos bandidos. Foi ela quem disse que parece aquela piada do cara que descobriu que a mulher o estava traindo no sofá da sala e mandou retirar o sofá. Ela argumenta: seria ruim para os negócios. Digo: seria ruim também para os negócios dos bandidos, mas 10 milhões de usuários seriam prejudicados pela incompetência do governo. Se nem aquela proposta de proibição da fabricação e venda de armas de fogo foi para a frente, por que esta iria? Ela defende restrição e controle. Correto.

Programas populares pegam carona

Como sempre acontece, os programas populares da tarde embarcaram no caso do assassinato do prefeito de Santo André, naquele tom deles, dramatizando, repisando, repetindo frases, chamando a técnica, intercalando discursos com cenas de velório, enterro, IML. José Luiz Datena foi reforçar o ?Note e Anote? de Claudete Troiano, na Record (surpreendeu, falando da ?injusta distribuição de renda? e dos 20 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza como fatores que abastecem a criminalidade). Cabrini dava chamadas no programa-dramalhão de Márcia. João Kleber enchia a bola de Maluf, mas dizia que aquela propaganda de Maluf não era propaganda de Maluf, e este ocupava o microfone com uma teatral voz compungida para juntar seu protesto ao punhado de bobagens dos telespectadores, muitos falando em pena de morte. O dado significante foi a indignação geral."

 

"Estudo de caso", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 28/01/02

"A primeira semana de cobertura da morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, me pareceu muito esquisita, devido à insistência dos meios de comunicação cariocas – em especial a Estrela da Morte – em seguir apenas uma pista, a que ligaria o empresário Sérgio Gomes à morte do prefeito. Não que o cara não deva ser investigado, mas o ?samba-de-uma-nota-só? é que me incomodou e por três razões.

Primeiro: quem foi assassinado foi o prefeito, não o tal empresário. Certo, o alvo do seqüestro poderia ser o Sérgio devido às supostas falcatruas. Daí a necessidade de ele ser investigado. O problema é que, nessa linha, ele poderia ser acusado de tráfico de influência, mas não do assassinato do prefeito, que é o crime concreto a ser investigado, correto? ?Mas ele poderia ser o mandante?, pode você argumentar. Certo – e as tais contradições indicariam isso, embora elas possam também ser muito bem explicadas pelo fato de o cara ter passado por uma pressão muito grande na perseguição que sofreu (aliás, cadê as testemunhas da tal perseguição? Não tem?). Mas neste caso, qual seria o motivo? ?O prefeito poder ter tomado atitudes ou atitudes que prejudicassem tanto Sérgio que ele se arriscasse a matá-lo.? Muito bem. Quais? Alguém os viu discutindo nos últimos tempos sobre algo ou soube de algum tipo de desavença? Ninguém levantou isso por não ter pensado no assunto ou simplesmente não se conseguiu nada por aí? Caso não se tenha descoberto então por que ter insistido nesta linha? Aliás, as tais denúncias contra o sujeito investigadas pelo MP estadual, hein?… Dois anos de investigação e nada…Só umas ligações (êta palavrinha melíflua e polissêmica, hein?) com um empresário que presta serviço à prefeitura por ter vencido uma concorrência para o recolhimento de lixo e, mesmo assim, uma grande divulgação agora (mas não antes do assassinato). Ah, sim… As denúncias foram feitas por um sindicato. A entidade é filiada a alguma central? Qual? Ninguém informou aqui no Rio…

Segundo ponto que me deixou grilado na cobertura. Na terça, dia 22, foi detido em São Paulo Vanildo Rossi Moretti, um desempregado que tinha em seu carro panfletos da tal Força Armadas Revolucionárias Brasileiras. A PF disse que nunca conseguiu comprovar a existência desta Farb, mas deixa o cara ir embora sem nenhum problema. Tudo bem, a PF podia estar seguindo uma linha de investigação dela (parece que estava), mas nós não tínhamos que seguir a PF que nem cachorrinho, né? Então porque repórteres não foram ao prédio invadido no bairro do Ipiranga, onde o cara disse estar morando? Ele deve ter dado o endereço no depoimento e, mesmo no caso absurdo de não o ter feito, não deve ter muitos prédios invadidos mesmo num bairro grande como Ipiranga. Quem é esse cara? Consta que ele foi filiado ao PT e até candidato a vereador no Rio. Então o partido deve ter um ficha dele em algum lugar e o TRE também. Quem são os amigos dele? Por onde ele anda? O prédio foi invadido por quem? Nada disso foi checado e, pelo que se notou, nem sequer foi tentada uma apuração mínima que fosse. Por que? Por que isso faria crescer a hipótese de crime político?

Quer outra linha de investigação? Bom, o prefeito assassinado iria assinar, na semana passada, um convênio com o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República que tornaria Santo André a primeira cidade brasileira a contar com um novo sistema de segurança. Que sistema era esse mesmo? Integrava as informações obtidas pela PF e as conseguidas pela polícia estadual e a prefeitura, era isso? A prefeitura, que tem até um secretário de combate à violência, já tinha algum plano para implementar este convênio? Quem poderia ser mais prejudicado com a implementação dele? Aliás, o prefeito tinha tomado, nos últimos meses, alguma atitude que contrariasse frontalmente algum poderoso local ou estadual? Ou quem sabe alguma máfia, tipo combustível, roubo de cargas ou narcóticos? Por que só investigar a possibilidade de um crime motivado por corrupção?

Bom, a cobertura vai entrar em sua segunda semana. Parece que pelo menos O Globo resolveu, de um lado, politizar (o que não quer dizer partidarizar) a discussão da criminalidade e, de outro, começar a tratar do assassinato de Celso Daniel como outra coisa que não um acerto de contas entre corruptos. Esperemos para ver como vai ficar e como a Estrela da Morte tratará o assunto (se é que vai continuar a dar destaque depois que as suposições de corrupção perderam força). Quem viver verá…"