Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ivson Alves

GLOBO EM CRISE

"O contra-ataque do Império", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 2/12/02

"Antes de realmente começar, devo esclarecer que a idéia central desta coluna foi-me fornecida pelo mestre Nílson Lage durante um agradável almoço no restaurante do Centro Cultural Banco do Brasil, no centro do Rio, há pouco mais de um mês. O mestre, porém, NÃO TEM NADA A VER com o desenvolvimento dela, que é de minha inteira responsabilidade. Fato que mesmo sendo facilmente observável – já que Nilson Lage teria desenvolvido a idéia com um brilhantismo e uma competência muito além do que jamais poderei atingir – é sempre bom deixar claro.

Isto posto, vamos lá.

Na sexta-feira, dia 29, uma matéria do Globo perguntava porque raios os telespectadores tinham preferido, na terça-feira anterior, ver o violento ?O Fim dos Dias?, no SBT, a prestigiar a estréia do qualificado ?Pastores da Noite?, que estreava na TV Globo. No blog, comentei que isso certamente tinha a ver com o fato de a própria Estrela da Morte ter alimentado uma ou duas gerações de telespectadores com lixo semelhante ao exibido pelo Silvio Santos. De tanto receber lixo, a galera acostumou-se e perdeu a capacidade de apreciar biscoito fino. Escrevi também que, no entanto, o jornal não precisava se preocupar, pois a Estrela da Morte estava pouco se lixando para se o pessoal assistia ou não a este tipo de programa. ?Pastores? e outros de sua espécie (isso eu não escrevi no blog) têm outro objetivo, muito mais estratégico do que ganhar pontos no Ibope.

Como os mais velhos devem se lembrar – e os mais jovens devem saber – a Globo nunca foi de ligar muito para esse negócio de cultura brasileira. O que interessava era padronizar tudo de maneira que o Brasil parecesse a si mesmo como que visto do Jardim Botânico (e, a partir de meados da década de 80, um pouco dos Jardins). Cultura regional? Ora, faça-me o favor…

Essa atitude, porém, mudou de uns quatro, cinco anos para cá. O motivo foi a pressão da globalização, que passou a ser sentida fortemente pelo Império. A concorrência, cantada pelos grupos multinacionais – e, em alguns casos, já tendo casos mais ou menos públicos – se organizou e passou a exigir que o setor de mídia também fosse aberto aos gringos como todo o resto da economia, numa tentativa de se capitalizar. Sentido-se ameaçada, a Estrela da Morte apelou para o nacionalismo, alertando que passaríamos a ser doutrinados por estrangeiros, esquecendo dos filmes que vivia passando o tempo todo e do acordo Time-Life, por exemplo.

Os Marinho, porém, não são bobos. Cometem muitos erros sim, mas bobos não são e por isso perceberam que, por mais que fizessem cera, no fim o capital estrangeiro aportaria por aqui. O Império teria, então, duas opções: ou jogava atrás, procurando apenas defender seu território, ou partia para o contra-ataque e tentava, via parcerias internacionais, se tornar um empresa global não apenas no nome. Sabiamente, escolheu-se o segundo caminho.

A partir dessa decisão, o Império partiu para associações com grupos estrangeiros com o objetivo primeiro de atingir o mercado latino-americano e de língua portuguesa, mas já pensando em ampliar a área para o mundo todo. Daí os acordos como o de coprodução para o ?remake? novela ?Vale Tudo? com a Telemundo (um fracasso…) e a venda de ?El Clon? para a mesma empresa, que está transmitindo as estripulias de Jade e Lucas para toda a América Latina e público latino dos EUA (um sucesso…).

Muito bem. Mas para concorrer num mercado global, a empresa precisa ter algo diferente (os marqueteiros gostam de dizer diferenciado) para mostrar. Por este interesse é que, quase que de repente, a Globo passou a fazer seguidas produções de fôlego utilizando autores nacionais de peso (Ariano Suassuna, Jorge Amado, Rachel de Queiroz) e assuntos nacionais que tivessem repercussão no exterior (imigração, pobreza, violência, exotismo, Amazônia, essas coisas que fazem parte da imagem da gente lá fora. Futebol também, mas aí é outro caso).

Dentro desta perspectiva, a linguagem passou também a ser mais cuidada, perdendo muito daquela irritante ?naturalidade? televisiva. ?Esperança? é uma mostra disso, com Luis Fernando Carvalho usando e abusando de planos e iluminação francamente cinematográficos, e ?Auto da Compadecida? também: a minissérie nem precisou de edição para ser levada ao cinema.

No entanto, nem a Estrela da Morte é capaz de bancar produções deste nível na escala necessária para uma empresa que queira realmente ter cacife para entrar na mesa internacional. Assim, além das coproduções com latinos (que, na verdade, ainda está em teste), a Globo criou uma política de terceirização de produções – o acordo com a O2, de Fernando Meirelles e sócios, está dentro deste contexto.

A idéia é passar as produções para as independentes, garantido-lhes distribuição e participação na comercialização no exterior, impondo apenas exclusividade para a TV aberta, negociando à parte a TV paga e as outras mídias (DVD, trilha sonora, jogos de computador, etc). Se der certo, será um caminho até para outras TVs, especialmente as por assinatura, que sofrem horrores por terem que pagar as séries em dólar e só poderem cobrar em real, num país em que o gráfico do câmbio parece o eletro de um enfarte.

E como chegar ao exterior? Aqui, além das parcerias com suas congêneres em outros países latinos – Telefonica Contenidos (Espanha), SIC (Portugal), Telemundo (EUA cucaracha) – o Império pretende estreitar seu laços com a superpoderosa News Corp, de Rupert Murdoch, por meio daquela associação de que falei semana passada. Se Murdoch ficar nem que seja com uma pequena participação acionária será um salto e tanto para a Estrela da Morte, que poderá realmente deslanchar sua estratégia de prover conteúdo em nível internacional, e aí não só através de novelas, mas também em esportes, filmes, agência de notícias, o escambau…

Como você já deve ter notado, este assunto é muito divertido, especialmente porque muda bastante, dependendo das peças movidas pelos jogadores. Assim sendo, vou me aboletar confortavelmente na poltrona e esperar pelos próximos lances.

Jogo duro – Por falar em jogo, a Sport Promotion desengavetou o projeto do Canal do Futebol Brasileiro. Idéia quase tão velha quanto a Igreja da Primeiro de Março, o canal seria uma espécie de shoptime do futebol, transmitindo 24 horas de programação sobre os clubes e vendendo produtos ligados a eles. Tem gente dentro do Império achando que na verdade é golpe para inflacionar o mercado, mesmo sendo a Sport Promotion parceira da Globo Esporte, pois não haveria dinheiro para bancar um canal destes, já que os clubes estão falidos.

Mas dinheiro há. Afinal, é bom não esquecer que Rupert Murdoch agora é dono sozinho da Sky e pretende lançar o seu Fox Sports no Brasil no primeiro semestre de 2003. E que melhor produto para marcar a chegada que o tal canal de futebol? Além disso, a história conta que australiano-anglo-americano transformou sua BSkyB na maior operadora de TV paga da Inglaterra usando exatamente o futebol como ponta-de-lança.

E a Sport Promotion nisso? Bem, ela poderia ser a catalisadora do processo, unindo os clubes à Fox. Como não sei se há exigência de exclusividade no contrato dela com a Globo Esporte, pode ser que a empresa esteja, no dizer de Leonel de Moura Brizola, ?costeando o alambrado?, pronta para cair fora da parceria. Mas eu acerdito que uma negociação bem conduzida pode botar todo mundo no mesmo borderô.

Mãozona – Em mais uma das mãozonas que o Estado brasileiro tem se esmerado em dar aos grupos de mídia nos últimos tempos, o presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), assinou a prorrogação, por dois meses, da vigência da MP 70, que foi convertida em lei na semana passada. Com a prorrogação, as empresas poderão aproveitar as benesses da MP 70 que foram retiradas da lei, em especial o artigo 9, que permitia que elas tivessem quantas outorgas quisessem, desde que não atingissem 20% do controle acionário. O prazo acaba dia 1? de fevereiro e até lá vai ser uma corrida para superar os obstáculos dos prazos de cartórios e juntas comerciais. O que vai aparecer de mãozinha estendida por aí não vai estar no gibi…"

LIBERDADE DE IMPRENSA

"Liberdade ameaçada", copyright Folha de S. Paulo, 29/11/02

"?A liberdade de imprensa, um dos pilares fundamentais de qualquer sistema democrático, corre risco no Brasil. Desta vez, a ameaça não vem dos generais, mas estranhamente do Judiciário, que nos últimos anos está, cada vez mais, ameaçando jornais e jornalistas e comprometendo o direito à crítica. Está claro que o Judiciário não está compreendendo a missão da imprensa e esse estranho confronto põe em risco o Estado democrático. Até quando nossa sociedade vai permitir esta situação, sem modificar leis e lutar pela liberdade de imprensa, que custou até mesmo a vida de brasileiros num passado não muito distante? Os excessos obviamente devem ser punidos, mas dentro da razoabilidade.? Sérgio Fleury Moraes (Santa Cruz do Rio Pardo, SP)"

EUA, MÍDIA & DEMOCRACIA

"A mídia tendenciosa", copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 30/11/02

"Esta semana, o ex-vice-presidente Al Gore disse o óbvio. ?Hoje em dia, a mídia está meio estranha, no que diz respeito à política?, declarou ele ao The New York Observer, ?e algumas vozes institucionais importantes se tornaram, falando francamente, parte essencial do Partido Republicano?.

A reação da maioria dos jornalistas da ?mídia liberal? foi um embaraçoso silêncio. Não entendo direito por quê, mas há certas coisas que você nem precisaria dizer, em especial porque são claramente verdadeiras.

A cobertura política da Fox News (rede de TV cujos programas noticiosos terminam com a frase ?Nós relatamos os fatos. Você decide?), para pegarmos o exemplo mais importante, não pode ser chamada de ambígua. Roger Ailes, o presidente dessa rede, tem assessorado o governo Bush. Brit Hume, da Fox, chegou a creditar a essa rede o resultado das eleições intermediárias. ?Isso aconteceu por causa de nossa cobertura?, declarou Hume a Don Imus, apresentador que tem um talk-show no rádio e na TV. ?As pessoas assistem aos nossos programas e absorvem as nossas mensagens eleitorais. Ninguém deveria duvidar da influência da Fox News neste assunto? (este comentário pode ter sido irônico, mas imaginem a reação se os democratas tivessem vencido as eleições intermediárias e Dan Rather, âncora do CBS Evening News, mesmo brincando, tivesse atribuído o mérito pela vitória ao seu programa jornalístico).

Mas meu propósito, neste artigo, não é ?malhar? a Fox. Quero fazer uma pergunta mais abrangente: os interesses econômicos da mídia irão prejudicar a cobertura jornalística objetiva?

Nos últimos 50 anos, os políticos concordaram em que a tendenciosidade da mídia era um problema potencial. Havia, afinal, apenas três redes nacionais de TV, um número limitado de concessões de estações de rádio e só um ou dois jornais em muitas cidades. Como poderiam aqueles que controlassem as principais fontes de notícias ser impedidos de usar mal sua posição?

A resposta foi a combinação de uma regulamentação com regras informais de conduta. A ?doutrina da conduta imparcial? forçou a mídia eletrônica a dar espaço comparável a pontos de vista divergentes. As restrições à propriedade desses veículos manteve uma diversidade de vozes. E havia uma expectativa generalizada de que as principais fontes de informação se mantivessem acima das disputas, fazendo uma clara distinção entre notícia e opinião. O sistema não funcionou sempre, mas sem dúvida estabeleceu certos limites.

No entanto, nos últimos 15 anos boa parte desse sistema foi desmantelada. A ?doutrina da conduta imparcial? foi abolida em 1987. As restrições à propriedade dos meios de comunicação foram bastante afrouxadas, e parece provável que no ano que vem a Comissão Federal de Comunicações (FCC) irá abolir muitas das restrições restantes – até mesmo permitindo, muito provavelmente, que uma grande rede compre outra. E a regra informal contra o noticiário escandalosamente tendencioso também acabou – ao menos enquanto você estiver sendo tendencioso na direção correta.

A FCC diz que as velhas regras não são mais necessárias porque o mercado mudou. De acordo com a linha oficial, os novos veículos – primeiro, a TV a cabo, depois a internet – permitiram o acesso do público a uma diversidade de novas fontes, eliminando a necessidade do estabelecimento de limites por parte do governo.

Mas isso é realmente verdadeiro? A TV a cabo ampliou bastante o espectro de entretenimento disponível, mas não expandiu tanto a cobertura jornalística.

Há hoje cinco importantes fontes de noticiário na TV, em vez de três, mas este aumento foi mais do que compensado pelo surgimento dos novos veículos.

O fato é que a influência do jornalismo impresso continua caindo. De outra parte, todas as cinco fontes de jornalismo na TV são agora divisões de grandes conglomerados – você é informado pela AOLTimeWarnerGeneralElectricDisneyWestinghouseNewsCorp.

E a internet é muito boa para os fanáticos por política e para quem quer notícias sem importância – hoje, todo mundo pode ler jornais canadenses e britânicos, ou baixar no computador análises políticas feitas por centros de estudos conservadores. Mas a maioria das pessoas não tem tempo nem disposição para isso. Realisticamente falando, a internet pouco pode fazer para reduzir a influência das cinco grandes fontes.

Resumindo, temos uma situação com muitos conflitos de interesses. As pouco numerosas organizações que fornecem informações para a maioria das pessoas têm grandes interesses comerciais que inevitavelmente as induzem a distorcer a cobertura e, de um modo mais geral, a respeitar o partido que estiver no poder.

Já tivemos alguns casos peculiares de notícias que não foram divulgadas.

Por exemplo, a manifestação de 100 mil pessoas contra a guerra (ao Iraque), em Washington, no mês passado – um fato importante, qualquer que seja sua opinião a respeito -, foi quase ignorada por alguns veículos de peso.

Por enquanto, a parcialidade escandalosa da mídia ainda está contida por velhas regras e velhas normas de comportamento. Mas em breve essas regras serão abolidas, e as normas estão se erodindo sob as nossas vistas.

Será que os conflitos de interesses da nossa mídia altamente concentrada constituem uma ameaça à democracia? Eu relatei os fatos. Você decide."