Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jamil Chade

BBC vs. IANOMAMI

"Programa da ?BBC? ataca os ianomâmis", copyright O Estado de S. Paulo, 31/5/02

"A tribo Ianomami foi chamada, em um programa transmitido na última quarta-feira na rede de televisão britânica BBC, de ?o povo mais perverso da Terra?. O comentário foi feito por Dirk Wittenborn, autor do livro Povo Temido, e está gerando protestos de organizações não-governamentais (ONGs) que protegem os direitos dos indígenas.

Para a ONG britânica Survival, o comentário, considerado como racista, prejudica a própria tribo e a tentativa de organizações de promover a defesa de seus interesses. ?Vamos apresentar uma queixa formal contra a BBC?, afirma a ONG.

A informação divulgada pela BBC tem como base a pesquisa do antropólogo Napoleon Chagnon sobre as características dos ianomamis – conclusões bastante criticadas por outros cientistas. A caracterização da tribo como formada por pessoas perversas vem se difundindo na Europa nos últimos anos e, como conseqüência, o governo britânico rejeitou ajuda financeira a um projeto de educação para os ianomamis.

Nos últimos dez anos, 20% dos ianomamis foram mortos por doenças e pelo envenenamento causado pelo mercúrio usado no garimpo. Além disso, parte da população indígena sofre com as invasões de fazendeiros e madeireiras."

 

RACISMO BEST SELLER

"Livro racista de Oriana Fallaci é sucesso de vendas na Itália", copyright O Estado de S. Paulo, 30/5/02

"Um livro de Oriana Fallaci é sempre um acontecimento. Essa italiana é considerada uma das maiores jornalistas dos nossos tempos. Cobriu todas as guerras, todas as crises. Talentosa, corajosa, tem a arte de acuar seus entrevistados. É arrogante e pretensiosa.

Há dez anos, tínhamos perdido a Fallaci de vista. Idosa (71 anos) e célebre, tinha se aposentado em Nova York. Mas no dia 11 de setembro, os ?fundamentalistas muçulmanos? cometeram uma barbárie. E Oriana Fallaci irrompeu. Escreveu um livro (A Raiva e o Orgulho), publicado na Itália e que sai hoje na França. E esse livro escandaliza.

Escandaliza, pois essa mulher, antifascista ilustre, fala dos árabes e da religião islâmica em termos mais grosseiros do que o faria Jean-Marie Le Pen. Alguns exemplos: derramando seu ódio contra os emigrados do Magreb que ?poluem? a Europa, ela os vê como ?delinqüentes?, violadores, prostituídos e portadores de Aids.

No entanto, isso não é suficiente para Fallaci. Ela explica também que esses imigrantes têm o hábito detestável ?de urinar nos batistérios?. E quando não urinam nos batistérios, o que fazem esses povos do Magreb? Oriana dá a resposta: ?Eles se multiplicam como ratos.? De tempos em tempos, excitam as mulheres, as belas brancas da Itália e da França. E Oriana, com uma grande generosidade, dá um conselho às mulheres européias. Estas só devem fazer como a própria Oriana faz: ?É preciso lhes dar pontapés nos colhões.?

É consternante. O livro ?esclarece? que todos esses males dos imigrantes podem ser explicados por uma religião aterrorizante, a do islamismo. A do Corão, esse livro abjeto, que ?jamais pregou outra coisa a não ser o ódio!?, como diria Le Pen ou mesmo Silvio Berlusconi, enquanto o Corão, embora às vezes seja violento, outras vezes é misericordioso e tolerante.

Será que se vai desonrar todos os judeus e todos os cristãos, sob o pretexto de que, em algumas partes, a Bíblia é um livro guerreiro, cruel, incestuoso e fornicador?

Por que então falar de um panfleto como esse? Em primeiro lugar, porque é um grande sucesso editorial. Na Itália, foram vendidos 100 mil exemplares, e o ministro da Cultura, de Berlusconi, Giuliano Urbani, defende ?a grande Fallaci?.

O que nos cativa, acima de tudo, é a seguinte questão: como uma pessoa tão inteligente quanto Fallaci, antifascista às vezes heróica, se juntou à extrema direita, ao bando de neofascistas? Ora, parece-me que a resposta a essa pergunta está aqui: a deriva brutal de uma pessoa como essa demonstra como a situação do mundo em 2002 é perigosa, como ela se encontra crítica. A exasperação provocada, por um lado, pelo terrorismo ignóbil dos membros da Al-Qaida e dos ?suicidas? paquistaneses ou palestinos, e por outro, pelas ferocidades dos soldados israelenses na Cisjordânia ou em Jerusalém, está enlouquecendo os espíritos melhor munidos, cabeças tão advertidas quanto a de Oriana Fallaci.

Sem dúvida é isso, o triunfo ao mesmo tempo de Bin Laden e de Ariel Sharon: eles nos deixam todos loucos!"