Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Janio de Freitas

ELEIÇÕES 2002

"Ética bêbeda", copyright Folha de S. Paulo, 22/08/02

"O uso do jingle televisivo de uma cerveja para propaganda de um candidato à Presidência da República, substituído apenas o refrão ?Bavária, Bavária, Bavária? por ?trabalho, trabalho, trabalho?, é um desrespeito abusivo às instituições e insultuoso com o eleitorado.

É improvável que José Serra tenha autorizado o recurso da cópia incluída em sua propaganda no horário eleitoral de TV, e, se não o fez, não é responsável, é também vítima do abuso e do desrespeito. Mas Nizan Guanaes precisa ser informado de que, se a sua presunção não tem limites, sua atividade os tem. Senão por si mesma, por todas as outras dos que se esforçaram pela democracia e se esforçam pela decência na vida pública.

(Aqui registrado ontem, na apreciação dos primeiros programas eleitorais, o uso da publicidade comercial, a identificação exata do jingle foi de Flávio Freire, de ?O Globo?).

Também

Pelo visto, a ética marqueteira padece de colapsos que não se sabe se curáveis.

Os organizadores do site da campanha de Ciro Gomes utilizaram um artigo meu na internet, anteontem, sem autorização da Folha ou minha. Estarem trabalhando para um candidato à Presidência deveria ser razão a mais para respeitarem a legislação e a ética."

 

"Horário eleitoral em alta", copyright Jornal do Brasil, 25/08/02

"Quando os marqueteiros afirmam que a propaganda eleitoral na televisão e no rádio pode ser determinante para o resultado das eleições deste ano, talvez tenham razão. Pesquisa da AC Nielsen, feita com exclusividade para o Jornal do Brasil, revela que 75% dos eleitores pretendem usar os programas para escolher os seus candidatos em 6 de outubro. Dos entrevistados, 60% disseram que pretendem assistir às inserções na TV e no rádio. A enquete entrevistou 1602 pessoas nas oito maiores capitais brasileiras.

As mulheres demonstram maior interesse no horário eleitoral que os homens: quatro quintos sabiam que o programa começaria a ser exibido no último dia 20, e 62% delas afirmaram que o assistiriam. Entre os homens, os índices foram de 76% e 58%, respectivamente. Para a cientista política Lúcia Hippolito, o dado não representa nenhuma surpresa.

?O eleitorado feminino é mais cuidadoso e ponderado na hora de votar. As mulheres tendem a ser mais desconfiadas ao escolher os seus candidatos?, explica. Segundo ela, uma vez conquistado, esse público é muito fiel. Esse é um dos motivos por que os atuais postulantes à Presidência da República estão tão preocupados com o voto feminino.

Outra razão, talvez a principal, é que as mulheres superam os homens em número no plano nacional. Somam 2,2 milhões – número superior ao eleitorado do Espírito Santo – a mais que os homens e representam 51% do eleitorado. Daí a preocupação dos candidatos em conquistar tão disputado voto. O governista José Serra (PSDB) convidou a deputada Rita Camata; depois de aventar ter como vice a ex-vereadora de Porto Alegre Sônia Santos, Ciro Gomes (PPS) passou a carregar à tiracolo sua mulher, a atriz Patrícia Pillar. Lula, que também cogitou ter uma vice, sai em desvantagem, em busca do precioso eleitorado.

Outra parcela importante é a dos jovens entre 18 e 30 anos. Apesar de o conhecimento do início do horário eleitoral ser o menor entre as faixas etárias pesquisadas – 67% -, o interesse em assistir à programação e a importância que terá na hora de decidir o voto é superior a todas as outras médias. Para Lúcia, a idéia de que a juventude não se interessa por política e pelos rumos do país é um mito. ?Não posso concordar com isso. Faltam propostas de políticas públicas para eles, as idéias são todas muito vagas e genéricas?, afirma. ?Os candidatos não conseguem atrair a juventude.?

Das oito capitais em que a pesquisa fez entrevistas, Porto Alegre (RS) foi a que obteve índices mais expressivos. Lá, 87% dos ouvidos sabiam a data do início da propaganda em rede nacional de televisão e rádio. Entre os porto-alegrenses, 81% acham que o programa eleitoral influenciará sua escolha. O expressivo percentual pode ser fruto não apenas da notória politização da população local. A desistência do candidato do PDT, José Fortunati foi um elemento perturbador, que provocou indefinição e animou o eleitorado a observar o horário eleitoral.

No Rio de Janeiro, só 51% disseram que vão acompanhar os programas eleitorais gratuitos. É o menor percentual de todas as cidades e pode significar uma razoável definição do eleitorado e a opção de escolher os favoritos por outros meios, diz Lúcia. O alto nível de exposição dos candidatos na mídia, assim como em São Paulo – segundo menor índice -, faz dos políticos figuras mais conhecidas de quem vai ou não elegê-lo e diminui a curiosidade do eleitor em assistir aos programas."

 

"O horário eleitoral como entretenimento", copyright Folha de S. Paulo, 25/08/02

"Aberta a temporada do horário eleitoral gratuito, uma queda-de-braço rouba a cena. De um lado, José Serra transpira para ingressar no segundo turno. De outro, Ciro Gomes administra sua vantagem. Os outros dois candidatos passam ilesos. Lula parece não ser o alvo preferencial de nenhum ataque, ao menos por ora (foi até citado no primeiro programa de Serra como um dos que combateram o autoritarismo no Brasil). Quanto a Garotinho, não há sinais de que seus oponentes o considerem uma ameaça. Garotinho aparece como um ?café-com-leite? na disputa dos ?grandes?.

A briga que se anuncia é mesmo entre José Serra e Ciro Gomes. Vem aí, senhoras e senhores, um ?reality show? angustiante. Até para quem não vota em nenhum dos dois, até mesmo para quem não suporta horário político, vai ser um festim mais brutal que ?Big Brother?. Para um ou para outro, o ?paredão? de ser excluído do segundo turno será devastador. Serra de fora significará um fiasco vexatório para o governo. Ciro de fora será um desmoronamento trágico. Imperdível. Qualquer que seja o resultado da briga, o sadismo da platéia será saciado com baldes de sangue cívico.

As clássicas perguntas que sempre se repetem nesses momentos eleitorais -?Qual o real poder de influência da propaganda sobre a decisão do eleitor??, ?Os marqueteiros fazem mesmo diferença??- tornam-se perguntas tingidas de desespero. Melhor para a massa, que quer mesmo é ver o esquartejamento dos homens públicos em horário nobre.

A televisão pode inverter as posições que hoje parecem consolidadas? Que ninguém duvide. Pode sim. Não porque manipule as consciências desprotegidas dos ignorantes, mas simplesmente porque, para a maior parte dos brasileiros, é a fonte prioritária (quando não a única) de informação. Mais que isso, a TV é a arena em que são debatidos e equacionados os dilemas que tensionam a opinião pública nacional. A sua linguagem, por isso mesmo, é a linguagem preferencial dos políticos. Para o bem e para o mal, o signo que cada um deles busca representar para os eleitores é um signo televisivo. Todos são obrigados a se apresentar como personagens televisivos, pois é com personagens televisivos que o público aprendeu a dialogar. Se as posições ainda podem ser invertidas, é só na TV e pela TV que elas poderão ser invertidas.

Lembremos que a campanha de 2002 já começou, em janeiro, com o apogeu de uma imagem televisiva muito bem construída: Roseana Sarney. Não por acaso, essa mesma imagem desmilinguiu-se mais tarde a golpes de uma outra imagem, essa maligna: uma pilha de dinheiro em cima de uma escrivaninha. É assim que a política dos nossos dias acontece, pelo enfrentamento de signos televisivos. São signos ambíguos, escorregadios, que fundem, em si mesmos, argumentos racionais e apelos sedutores, que misturam o discurso informativo e a narrativa ficcional, que revestem a cena pública com detalhes da vida íntima. São signos, enfim, próprios do espetáculo. É uma era da política despolitizada, como se diz. E não poderia ser diferente.

Agora será assim: campanha eleitoral com gosto de ?reality show?. Qual dos dois sobreviverá? Ciro tem só quatro minutos de programa. Sua produção é pobre, sem nada de surpreendente. Mas o personagem que ele encarna, baseado no vigor e na raça, combina com a falta de recursos. E conta com o auxílio luxuoso de Patrícia Pillar, puro carisma televisivo. Serra representa outro personagem, o da eficiência racional. Ele é a máquina. Tem dez minutos do show só para si. Tem o presidente da República como cabo eleitoral. A julgar pela estréia, imprimirá à sua propaganda o tom de programa jornalístico (notavelmente bem-feito, aliás, com Valéria Monteiro e, vá lá, Gugu também). É uma tática sob medida para quem, como ele, busca na alegação da verdade o seu dom de iludir.

Será um duelo e tanto."