Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Joaquim Ferreira dos Santos

PRESENÇA
DE ANITA

"Anita não toma Sukita",
copyright no. <www.no.com.br>, 16/8/01

"Aliás, se vamos falar de ninfeta, gostei mais da Anita. A garota-Sukita é mais sensual tomando o refresco no canudinho do que pelada na Playboy. Prometia mais na propaganda com o simples movimento da boca chupando a laranja do Sukita. Nua, ela dá saudade do Crush. Sei lá, a garrafa era mais molhadinha. Ninguém agüenta mais o naturismo sueco da ninfa desnuda olhando para a câmera com os bicos e cabelos comuns a todas. A sukitinha sugeria mais loopings carnais quando pedia ?tio, aperta o 20? no elevador do que agora, totalmente sem casca, sentada no sofá e encarando o freguês no olho. Tédio.

Nelson Rodrigues acharia o mesmo: a nudez feminina, por si só, perdeu o interesse. Sexo, sem suspense e mistério, não tem graça. Os mais radicais acham, por exemplo, que o Viagra acaba com um dos grandes baratos do sexo. Se o homem não brocha mais, se está sabido desde o início que ele vai dar conta do recado ? o que os dois estão fazendo na cama? O bom, dizem esses radicais, era a expectativa, o mistério, o suspense: haveria jogo? Haveria bola na rede?

?Presença de Anita?, de Manoel Carlos, a nova minissérie da Globo, compreende tudo isso. Nunca a fantasia sexual foi levada tão longe, e com requinte, na televisão. Quem gasta R$ 25 por uma assinatura mensal do Sexy-Hot, o canal pornô da Net, sabe que não há nada mais monótono, nem mesmo a seleção brasileira tocando a bola para o lado, nem mesmo o anúncio de um novo rombo do Jader, do que a justaposição dos corpos no embate amoroso. É preciso teatralizar esse banquete. E ?Presença de Anita?, apesar de alguns problemas de elenco, apesar de algumas falas que parecem ter perdido o tom na edição, tem dado um avanço espetacular na maneira como a TV trata do assunto.

Mel Lisboa, a Anita, faz sua estréia como atriz e evidentemente tem muito que aprender. Poupemo-la. Também não chega a ser linda, nem era para ser. Também, cheia de tatuagens na virilha e no cóccix, está longe do ideal de pureza que se associa a meninas de 18 anos. Anita não é a heroína. É o diabo. Cara de criança, corpo de vampeta. A nova Odete Roitman, só que sem aqueles roupões sinistros da megera. Anita só usa calcinha e camisão masculino de seda. Ela está acabando com a vida de Nando (José Mayer), um senhor já nos seus 45 anos mas ainda capaz de, na mesma noite, dar conta da ninfeta e de sua própria esposa, Lúcia Helena (Helena Ranaldi). Todos os senhores que estão do outro do lado do vídeo condoem-se pelo inferno em que Nando se meteu, mas silenciosamente calam: e se fosse com eles? Aproveitariam que a vampetinha está sempre de bruços, os calcanhares apontando para a lua, e lhe dariam umas boas palmadas na sola do pé ? ou o quê?

Há cenas de sexo bem agressivas. A personagem de Vera Holtz masturba-se no chuveiro depois de ver seu casal de empregados, negros, na cama em posição inédita nas minisséries: ela de costas para ele. O horário é adulto, o tratamento visual de extremado bom gosto e, como diz Nando, escritor, justificando um romance que está escrevendo, não dá mais para fazer nada hoje em dia sem o apelo do erotismo. Esse Nando sabe tudo sobre as novas tendências da arte, e não só: aceitando sugestão da até então discreta Lúcia Helena foi para cima da mesa de sinuca ? e caçapa! Em todas essas cenas de sexo a nudez é franca, mas sempre embalada por luzes caprichadas. Nada a ver com a luz chapada, quase grosseira, da Sukita.

?Presença de Anita? joga com as nuances, luz e sombra, dor e prazer, anjo e diabo, família e liberdade. As mulheres são inquietas. Os homens são tão idiotas que Manoel Carlos abandonou o politicamente correto e colocou um velhinho, sempre tão bonzinhos, totalmente panaca e esclerosado. Avança no linguajar: ?putinha? e ?molhadinha? fizeram seu debut televisivo. Avança no gestual: um adolescente contempla Anita nua na varanda e com a mão controla a ereção. Há um novo jeito de chicotear o tesão além de botar a língua do Gianecchini estalando no céu de bocas alheias. Todo sexo mostrado até agora tem alguma forma de transgressão, ou pelas posições em que os personagens se movimentam ou pela simples proibição legal e moral que existe para eles estarem naquela movimentação. Um charme extra é a música. Se os corpos são violentos, vamos adocicar o sotaque. Manoel Carlos pessoalmente escalou uma trilha sonora inédita de Charles Aznavour, Jacques Brel, Edith Piaf . O francês, coita! do, que desde Je t’aime moi non plus não era ouvido em qualquer alcova, volta a ser a língua do pecado. A música tema de Anita, 18 anos, é Ne me quite pas que ela aprendeu com um amante, Armando, de 60.

Os contrastes e perversões cruzam a série inteira, chegando ao
auge evidentemente a cada aparição de Anita, uma personagem
bastante interessante pela confusão de sinais que carrega.
Parece bobinha, mas é maquiavélica. Transa com o homem
mais velho que está arfando às suas costas, mas está
de frente para o adolescente que sabe a estar admirando pela fresta
da janela no armazém vizinho. A boneca na cabeceira da cama
pode ser uma bailarina de flamenco, mas leva maior pinta de vudu.
É o sexo dadivoso da nova adolescente que está nas
ruas, desproblematizada diante dos mistérios do corpo, e
saudando o fim dos tabus com sua pele tatuada de estrelas. Mas quem
se mete com ela sente na carne que o jogo será sempre excitante
e perigoso, sempre divino mas anitamente espantoso."

"Onde há fumaça…", copyright Veja, 22/8/01

"Proibido por lei nos blocos comerciais e banido de novelas e séries havia algum tempo, por decisão da própria emissora, o cigarro fez sua volta triunfal à Rede Globo na minissérie Presença de Anita. No ar desde o último dia 7, a atração das 23 horas da rede carioca tem garantido um ibope na faixa dos 30 pontos graças às calientes ? e bota calientes nisso ? seqüências de sexo e nudez. Quando não estão transando, porém, a lolita Anita (Mel Lisboa) e seu amante, o escritor cinqüentão Nando (José Mayer), fumam como chaminés. A média é de quatro cigarros por capítulo ? um a cada doze minutos. Em vários episódios, a adolescente surge na sacada de sua casa, de calcinha, soltando longas baforadas. Mas é o personagem Nando quem se revela um compulsivo. Na terça-feira passada, ele fumou três vezes só no primeiro bloco do programa. Em outra ocasião, deu umas tragadas num hospital. Essa overdose de nicotina está na contramão. Sob fogo cerrado das autoridades de saúde, o fumo é um vício em extinção na TV. A recomendação da Globo é que, nos folhetins, o tabaco só apareça quando associado a comportamentos negativos.

No livro em que a história se baseia, escrito nos anos 40 pelo paulista Mário Donato, Anita escandalizava por fumar em lugares públicos, ousadia para uma mulher naqueles tempos. Como a série se passa nos dias de hoje, pode-se dizer que o autor da minissérie, Manoel Carlos, exagerou. Ele justifica o excesso de fumaça dizendo que isso ajuda a compor o perfil ?obsessivo e devasso? dos personagens. Mas, para os antitabagistas, Presença de Anita pode incentivar o vício entre os jovens, mesmo sem fazer propaganda de marcas específicas. ?Associar o fumo à beleza de uma adolescente é, sem dúvida, uma influência nociva?, critica Jacob Kligerman, diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer. É certo que altas doses de nicotina serão consumidas até o final da série, no dia 31 de agosto. Isso porque o fumo acabou virando um componente essencial à trama. O isqueiro esquecido por Nando na casa de Anita serve de ligação entre os amantes. Ele se lembra de sua fogosa lolita toda vez que acende um cigarro. "

"’Presença de Anita’ endossa síndrome",
copyright O Estado de S. Paulo, 19/8/01

"Extrema ansiedade não é síndrome que ataca apenas a torcida brasileira, quando entra em campo a Seleção de Futebol. Vem acometendo também analistas de TV, produtores e mesmo os telespectadores, que parecem desejar definições e resultados em velocidade de relâmpago dos novos programas, sem dar a menor chance à sua maturação. Aconteceu com Os Maias, na TV Globo, e acontece novamente agora, com Presença de Anita.

É verdade que as chamadas sugeriam tanto erotismo e conflito que era legítimo esperar alta temperatura sexual e emocional desde o primeiro capítulo, o que não ocorreu. A obra foi engrenando aos poucos, atingindo uma boa voltagem de cama e drama apenas nesta segunda semana. Mas, convenhamos, não se chega ao orgasmo sem preliminares, por breves que sejam.

Só que a platéia parece desinteressada delas. Foram muitas as queixas sobre excesso de falatório e pouca ação, como se a Globo estivesse veiculando um vídeo pornô e não a adaptação de um romance, e como se fosse possível explicar atitudes e motivações dos personagens, sem apresentar os elementos que as justifiquem.

Se Presença de Anita merece reparos, não é por retardar os ?finalmentes?. É talvez pela linguagem claramente telenovelesca, pouco ambiciosa no texto e na direção, esquemática na composição dos personagens, apenas correta na fotografia. Falta-lhe o vigor das grandes obras, mas não o suficiente para que seja uma decepção. Talvez ela não valha a suspensão de Os Normais por quatro semanas, às sextas-feiras. Mas é um bom entretenimento para os finais de noite – e não apenas os do ?tiozinho? Nando com a sua endiabrada Lolita.

Outro assunto: tréplica do Ibope É sempre estimulante polemizar com gente inteligente, quando esta põe os argumentos a serviço do esclarecimento público e não da vaidade pessoal. Como é este o caso do diretor do Ibope Mídia, Flávio Ferrari, volto ao tema que nos ocupa: a divulgação de pesquisas de audiência, comparada à de pesquisas eleitorais.

Compreendo as diferenças metodológicas que Ferrari apresenta para os dois tipos de pesquisa. Mas sigo não aceitando que a divulgação ?on line? dos índices de audiência vicie os resultados, por influenciar os telespectadores da amostra, e que a divulgação das intenções de voto, porque posterior à coleta dos dados, ?não prejudica a representatividade da pesquisa?. Dela mesma, talvez não, mas da verdadeira motivação de voto do eleitor, certamente sim.

Numa campanha eleitoral, as pesquisas sucedem-se ininterruptamente e os resultados estão nos telejornais a cada semana, ou quinzena, no máximo. Quem garante que a opinião de hoje de um entrevistado não foi afetada pela pesquisa que ele viu no noticiário de ontem? Quantas pessoas não votam em fulano sem saber ao certo quem é, apenas porque ?ele é quem vai ganhar??

Esse ?voto-gerson?, o voto da vantagem em tudo, não será mesmo influenciado pelo bombardeio das sondagens?

O ponto não é a representatividade das pesquisas eleitorais e sim o efeito que provocam. A sua divulgação pode ser democrática e, assim mesmo, levar a distorções comprometedoras da própria democracia. Ou terá sido bom eleger Fernando Collor em 1989, sem saber a que vinha, apenas porque Maria foi com as outras?"

    
    
                     

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