Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Joaquim Ferreira dos Santos

CASA DOS ARTISTAS

"Camões roça a língua na língua do Bôni", copyright No. (www.no.com.br), 22/11/01

"Caetano dizia gostar de roçar a língua na língua de Luís de Camões. Quem não? ?Quem nunca falou porcaria aqui??, perguntou Fernanda Torres, a Vani, na última fala do último Os Normais, da Globo. Tempos atrás Ferreira Gullar fez um poema cheio de pompa em que anunciava a introdução da palavra ?merda? no versejar pátrio. Não chegava a ser um decassílabo, não havia chave de ouro. Mas havia solenidade nesses momentos. A língua avançava pouco a pouco e quem trabalhava com ela sentia prazer de roçar um palato novo. A poesia era apenas um pretexto. Abriam-se brechas, possibilidades inéditas de chacoalhar o verbo, mesmo que ele fosse um substantivo-adjetivo malcheiroso. Gozava-se depois a liberdade conquistada. A palavra ?merda? proferida no ambiente interdito da norma culta fazia o país andar uns 20 passos rumo a alguma coisa que parecia ser avançada e inevitável. Parece que chegamos lá.

Não há apenas um novo Ferreira Gullar. Há vários. Mateus Carrieri é um deles. No último Casa dos Artistas, o ator-marombeiro introduziu nos salões da classe média brasileira um monossílabo tônico terminado em ?u?, muito próximo da origem do ?merda? de Gullar, e que só não é citado aqui porque seria necessário pagar royalties às torcidas do futebol. Vai-se, toma-se, menospreza-se o próximo, tudo com as duas letrinhas. Na poesia, atendendo a Manuel Bandeira, todas as palavras, sobretudo os barbarismos universais, já foram proferidas. Chegou a vez da televisão. Chegou a vez de roçar a língua na língua do Bôni.

?Pôrra, meu? – graças aos games shows – virou vírgula e já não é mais apagada pelo sinal sonoro dos pudicos. Não é preciso ser o professor Pasquale para alertar que não é a língua culta. Qualquer um está de acordo que não cairia bem como texto do Jornal Nacional. Num jogo dramático, no entanto, em que as tensões estão no limite, abrir o microfone para novas palavras, algumas já assimiladas no almoço de domingo, é ousadia bem vinda e artisticamente aceitável. A televisão avançou demais na imagem. Vale tudo que renda bons planos, principalmente a liberdade dos corpos. Chegou a hora de liberar o verbo também.

O jornal O Pasquim celebrou, e exige isso em sua história, a primeira impressão da palavra ?bunda?. Tem toda razão do orgulho. Foi no Pasquim também que Leila Diniz entrou para a história da mulher brasileira porque cuspiu da boca os mesmos palavrões que os homens saboreavam nas suas, deles, bocas. Mulher não sentava de perna aberta, mulher não paquerava e mulher principalmente não falava palavrão. Até que Leila ?despirocou? com tudo isso. O que aconteceu este ano na televisão não chega a ser o velho clichê da revolução silenciosa porque foi feito aos gritos: a língua, como a mulata do samba, ficou mais assanhada.

Todos ficaram chocados porque a TV Cultura demitiu Soninha, mãe de três crianças e defensora da tese de que um tapinha não dói. Por que então o moralismo fanho diante da língua solta das siliconadas e marombados do SBT? Elas são umas songamongas e eles, uns mentecaptos. Mas não têm a mínima noção do que seja isso. Falam um javanês parecido com aquele do Lima Barreto, modernamente deconstruído agora a partir da paroxítona ?parada?, que deve ser usada como o líbero no futebol – atende como último recurso na falta de quaisquer palavras ou pontuações. Não há um jovem que saia de casa sem ela.

O programa do João Gordo, do Faustão, da Monique Evans, Casseta e Planeta, No Limite e Casa dos Artistas consolidaram, com sotaques diferenciados, um vocabulário suculento e expressivo. As referências não são mais livrescas. São as das ruas, das academias, das arquibancadas e das ?paradas? em geral. Esse palavrório tosco, chulo, foi parar na televisão e não podia ser de outro jeito. O cantor Leonardo comentando no programa da Xuxa, domingo passado, uma da tarde, o que faz na cama é impróprio. Vulgar. Alexandre Frota, no meio de uma discussão, dizer que Supla lhe fez uma ?sacanagem? e não que o punk-matarazzo agiu ?inconstitucionalíssimamente?, é mais do que apropriado. Houaiss, mais o já citado Camões, diriam o mesmo. Fernanda Torres e Luis Fermando Guimarães, no adorável Os Normais, estão acabando com esses nojinhos também. É ?cocô?, ?xixi?, ?cagar?, ?peido?, para tudo que é lado. O humor escatológico, que no filme Quem vai ficar com Mary? besuntou a cabeleira da Cameron Diaz com as decorrências do vício solitário, vai fazendo escola na Globo e se acertando com o papo franco que os adolescentes usam nas ?paradas?.

Há apenas três décadas lia-se Herculano, roçava-se a língua gostosa do clássico portuga, no primeiro grau da escola pública do Rio. Hoje, o filho da melhor elite paulista, depois de passar pelos melhores colégios da elite paulista, não passa do simpático Supla. Supla, pelo papo do ?papito?, de supletivo. É emblemático, outrossim – e o ?outrossim? é usado aqui apenas para deixar claro que o preconceito vitima também essas palavrinhas tão fofas da fala acadêmica -, que Supla só tenha perdido a serenidade na Casa dos Artistas quando Taiguara, o personagem-pobre-preto da novela, se disse o único representante das periferias. Além da culpa pelo berço esplêndido, Supla reivindicava para si também os valores da marginalidade, incluso a ?parada? da fala. Deve achar que verbo empolado é coisa de senador branco e serve – acompanhando o estilo escatológico da turma – como a terra ao gato, para esconder as imundícies.

Assaltaram a gramática, estupraram a semântica e deram um teco na prosopopéia. A televisão deve mostrar esse ?lero?, sem preconceito e nos momentos exatos. No máximo, talvez perguntar ao Pasquale quem foi o criminoso. Dessa vez, o abominável Alexandre Frota, por mais lombrosiana que lhe seja a testa, é apenas vítima."

 

"SBT sobe com ?Artistas?, mas Globo ainda não cai", copyright Folha de S. Paulo, 20/11/01

"Maior fenômeno de ibope do SBT desde 95, ?Casa dos Artistas? aumentou em dois pontos a média da emissora no horário nobre, mas ainda não arranhou a média da Globo na faixa das 18h às 24h.

Dados do Ibope mostram que na primeira quinzena de novembro, com ?Casa dos Artistas? no ar, o SBT teve média de 18 pontos das 18h às 24h. No período, a Globo manteve a média de 31 pontos registrada na primeira quinzena de outubro, quando o SBT teve 16. Os dados são da Grande São Paulo, de domingo a domingo.

O fato se explica devido ao sucesso da novela das oito, ?O Clone?, que, mesmo com a concorrência de ?Casa dos Artistas?, vem dando ibope melhor do que as duas últimas antecessoras. Além disso, durante a semana ?Casa dos Artistas? dura só meia hora e alavanca apenas a novela ?Pícara Sonhadora?, que vem antes, e o ?Programa do Ratinho?. Teria havido também um aumento no número de TVs ligadas.

?Casa dos Artistas?, no ar desde o dia 28, já causou três derrotas na história de 28 anos do ?Fantástico?. Na média dos últimos quatro domingos, no horário de ?Casa?, a Globo teve 28 pontos, contra 36 do SBT. De segunda a sábado, a Globo vence por 37 pontos a 27."