Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Joaquim Ferreira dos Santos

CASA 2 vs. BBB

"A guerra das casas", copyright No. (www.no.com.br), 20/02/02

"As coisas na televisão andam tão malucas que quando a Feiticeira dá as mãos para o rapper Xis, que segura as mãos da Tiazinha, que fecha os olhos contrita e segura o braço do gêmeo Gustavo, isso não é o início de qualquer nova cena de alucinado sexo grupal. Eles estão fazendo a oração que deu início no domingo ao segundo ?Casa dos Artistas?, do SBT: ?Não vamos deixar o nível do programa cair?, verbalizou o cigano Igor, também na roda. ?Vamos fazer xixi com a tampa do vaso levantado?, completou André Gonçalves, aquele que na última vez em que apareceu em público quase pôs abaixo um vôo da Varig.

Na primeira fase do programa, no final do ano passado, a Globo acusou Silvio Santos de ter lhe roubado a fórmula. A comparação dos primeiros dias da ?Casa? com ?Big Brother Brasil? global, no ar há um mês, faz crer que as acusações poderiam continuar. O SBT ?roubou? novamente a Globo e agora lhe chupou o padrão de qualidade. Poucos palavrões, bom humor espontâneo dos artistas e carnes glamourizadas. A Globo, desesperada em busca da audiência, forçou a mão na vulgaridade que era exclusiva da outra. Um troca-troca de perfil. Escalou gente que virgula o texto com o mais baixo calão, numa constrangedora incapacidade de provocar simpatia, riso ou polêmica entre os espectadores. Nos primeiros capítulos de ?Casa dos Artistas?, o SBT do Ratinho e da ?Pícara Sonhadora? deu um banho de elegância televisiva na Globo.

?Casa dos Artistas? estreou com bons momentos. Feiticeira, que costumava aparecer na TV vendendo uma ginástica à base de eletro-choque, parece que desistiu desses milagres. Agora corre na esteira ergométrica e grita, como se estivesse num culto físico-evangélico: ?Sai celulite, sai desse corpo que não te pertence?. Tiazinha, que antes era só carne, reaparece contando infindáveis vezes a história do disco-voador que ela filmou pairando sobre um engarrafamento na Marginal. Não foi, apesar das aparências, abduzida, mas se esforça para mostrar que tem vida espiritual também. André Gonçalves vibra com a possibilidade de ficar 90 dias trancado numa casa sem uma dose de álcool: ?Vou me limpar?, diz usando a linguagem dos Alcóolicos Anônimos.

Cada um dos personagens da ?Casa? está levando um cachê inicial de R$ 100 mil, seja qual for o resultado do jogo, e isso dá a todos a sensação de que precisam fazer render o show. Cantam, fazem esquete. A torcida da produção é para que André, conquistador notório, abduza Tiazinha.

Com sua academia de ginástica, superpiscina e ótimos quartos, ?Casa dos Artistas? seria uma Ilha de Caras do reality game. No ?Big Brother Brasil?, com seus desqualificados anônimos, o clima é do filme ?A Noite dos Desesperados?. ?Eu sou mais pobre?, é o bordão de todos. Nem assim o Brasil se identifica com a baixaria reinante na casa.

Há uma troca histórica de sinais e a televisão no resto do ano estará marcada por esta guerra. A Globo, que já tirava a roupa nas novelas, agora ficou desbocada. Conseguiu reunir um dos mais pavorosos casting da história do showbizz nacional, uma seleção de tipos tão repugnante que só pode ter sido feita de propósito. Que tal uma senhora que vai ao banheiro vomitar depois das refeições? Salva-se apenas um casal multi-racial: ela, uma linda modelo negra; ele, um franco-angolano. Mas, ou são elegantes demais para propagandear a libido em público, ou não é aquilo exatamente que gostariam de estar fazendo com a libido. O romance, por mais politicamente correto e simpático que pudesse ser, soa falso e frouxo. Não decola.

Aos poucos, no entanto, o BBB ajusta o sinal de uma rede de forte acento carioca com o sotaque falado no resto do país, a turma que paga a conta. Nesta terça-feira, por exemplo, tendo que escolher entre Bruno, o playboy carioca, e Kleber, o caipira marombado, o Brasil expulsou o primeiro – e deve ter deixado os produtores felizes com a opção. O resto é palavrão e o constrangedor vazio de uma geração toscamente iletrada. ?Falem alguma coisa que preste?, sugeriu Xuxa, escalada para uma visita no domingo passada. Debalde.

No SBT, o capricho é de início de novela global. Uma edição sofisticada, trabalhosa, toda coladinha por músicas, tenta traçar uma historinha que termine sempre com um gancho para o dia seguinte. As mulheres em cena são as mais requisitadas pelas revistas de masculinas e começam a ganhar, principalmente Ellen Rocha, tomadas em planos calipígios. Feiticeira impressiona pelas formas masculinas que vão angulando, agora reto, o que outrora era redondo. A voz, parecendo ter sido afetada por alguma bomba, soa mais grossa que a do rapper Xis.

Depois de setenta noites em exibição no Brasil, o formato desses programas continua com gás suficiente para deixar as duas atrações com bons ibopes. É bem provável que neste domingo Silvio Santos arrume um jeito de fazer com que sua casa coincida o horário com a da Globo. Vai ser a vez do Brasil, enquanto não escolhe entre Serra e Roseana, decidir se fica com as popozudas do SBT ou as famélicas do BBB. Ao fundo, o zumbido pica-pica do aedes aegypti completa a tragédia."

 

"Quem vai ser o próximo Supla?", copyright Jornal do Brasil, 23/02/02

"Cuidado, pode estar vindo por aí a síndrome de Supla: na nova versão de Casa dos artistas, do SBT, que amanhã completa uma semana no ar, nada menos do que cinco dos doze participantes têm em mãos a oportunidade de aproveitar a onipresença de câmeras e microfones para promover seus, digamos, dotes musicais. Assim, quem sabe, repetirão a façanha do ex-vocalista da banda Tokyo, que entrou na primeira edição do programa com a finalidade de dar uma força na divulgação de seu CD Charada brasileiro e acabou fazendo dele o maior sucesso de sua carreira musical, com mais de 600 mil cópias vendidas.

Dos cinco artistas com pretensões musicais na Casa, três lançaram discos há pouco tempo. O ator/cantor Lulo colocou no mercado Modernidade, da Som Livre, CD que não teve repercussão alguma na mídia. O rapper Xis está em seu segundo disco solo, o elogiado Fortificando a desobediência, da Warner, e a cantora Syang (aquela moça tatuadíssima), se quiser, pode muito bem puxar a brasa para a sardinha de Superstar, trabalho independente que gravou com a banda de rock gaúcha Defalla, da qual se desligou um mês atrás.

Não é só: até o começo de abril, sai pela Sony Music o CD de estréia do desconhecido Mário Velloso, todo de pop romântico. Suzana Alves, conhecida pelo personagem Tiazinha, também tem um disco de rock pronto, produzido por Edu K, do Defalla. Segundo sua assessoria, entretanto, ela não vai usar a Casa para alavancá-lo. Desiludida com as dificuldades que enfrentou ano passado ao tentar lançar o CD Tiazinha e os Cavaleiros Mascarados, Tiazinha, oops!, Suzana quer virar a página e seguir em frente: gravar um outro CD, apenas como Suzana Alves. Talvez uma música ou outra do trabalho que já está pronto seja aproveitada nesse novo disco.

Pop-rock ameno – Quanto a Syang, se ela ainda hesita em promover o Defalla na Casa, a WEA não perde tempo: na primeira semana de março, a gravadora relança Syang – disco solo da guitarrista e cantora, de 1999, que não teve a menor repercussão quando saiu e acabou sendo tirado de catálogo – com direito, é claro, ao adesivo ?Participante da Casa dos artistas? colado na embalagem. ?Estamos apostando na permanência dela na Casa. E o disco tem potencial?, diz Marcelo Maia, diretor de marketing estratégico da Warner Music Brasil, que tomou a decisão do relançamento no domingo à noite, logo depois que viu Syang na TV.

Ou seja: a ex-Defalla não vai nem saber que seu disco, de pop-rock ameno, estará de volta às lojas. Coisa normal, aliás: quando Supla estava confinado no SBT, a Sony também resolveu relançar num CD dois discos que o Tokyo gravou na década de 80. A grande cartada comercial da WEA, porém, promete ser o lançamento, fartamente divulgado, dia 27, do disco com as músicas que fizeram a trilha da primeira versão de Casa dos artistas.

Situação estranha, porém, quem vive é Lulo – que, por sinal, não tira a camisa promocional de Modernidade e vive cantando com os outros integrantes do programa. O rapaz, que estreou no musical Cazas de Cazuza, em 2000, acabou sendo apadrinhado pelo próprio pai do ex-vocalista do Barão, João Araújo, diretor da Som Livre, gravadora ligada à TV Globo. O lançamento de seu disco foi antecipado por uma grandiosa campanha de marketing, que envolveu um enigmático filmete na TV e um site absolutamente hi-tech.

Concorrência – Como nada aconteceu, Lulo aceitou um papel apagado na novela global As filhas da mãe – e agora, em evidência no SBT, qualquer ação promocional da Som Livre para o disco pode acabar rendendo dividendos para a concorrência. O que não chega a ser nada de mais, segundo o gerente de marketing da Som Livre, Eugênio Romaguera. ?É claro que promoveremos o nosso artista durante este período, só que com mais força nos pontos de vendas?, garante.

Criticado pelos rappers por sua entrada no programa do SBT – logo ele, que já falou mal de Silvio Santos, dono da emissora, e da TV em geral em suas letras! -, Xis foi quem teve a inserção mais convencional possível. Contratado pela Warner, o rapper fazia parte da lista de artistas oferecida pela gravadora ao SBT. Indicado por um integrante da primeira Casa, o modelo e ator Taiguara, acabou sendo escolhido. ?Xis começou levando na brincadeira e quando o negócio rolou ficou em dúvida. Nós demos uma forçada porque achávamos importante que ele participasse do programa?, diz Daniela Rabello, a gerente de marketing da Warner que cuida do rapper.

?Ele concordou em entrar, mas disse que não ia mudar o seu jeito de ser. O Xis quer que o Brasil ouça o que ele tem para falar. Ele também disse que o tempo lá vai ser bom, porque vai aproveitar para compor?, conta Daniela. A WEA espera aproveitar a Casa para estrear o novo clipe do artista, da música Chapa o coco, que, por sinal, ele já andou mostrando por lá, em meio às rodas de batucada e violão. O SBT tem a garantia contratual de que, ao sair da Casa, durante certo tempo, o rapper só poderá se apresentar em programas da emissora.

Programas de auditório – ?Em dez anos de mercado, nunca vivi algo assim, é muito excitante!? A exclamação é de Alexandre Schiavo, diretor de marketing da Sony Brasil, comentando sobre os passos de seu mais novo contratado, Mário Velloso, que, se tudo der certo, não estará disponível para divulgação quando seu disco for lançado, daqui a pouco mais de um mês. ?Se pudesse, ficaria acompanhando a Casa o dia inteiro?, diz Alexandre, que não considera arriscada a nova estratégia de lançamento do disco, ainda em fase de finalização: ?O Mário está sendo visto por milhões, e as pessoas poderão conhecê-lo melhor quando ele sair.? O executivo conta que nenhum acordo foi feito entre a Sony e o SBT. Mário, que fazia testes para a Casa quando foi contratado pela gravadora (e já havia passado com sucesso por programas de auditório do SBT), limitou-se a comunicar a escolha poucos dias antes do início do programa.

A primeira música de trabalho do disco do rapaz, Tudo por você, chega às rádios na semana que vem. Descoberto e produzido por Rick Bonadio (responsável pela formatação dos Mamonas Assassinas), o cantor de 19 anos, que fica o dia inteiro tocando violão na Casa, é a aposta da Sony para suprir sua carência de um artista jovem de pop-rock romântico – algo entre um Bryan Adams e um Peter Frampton, na descrição de Alexandre Schiavo.

Quem está mesmo sorrindo de orelha a orelha com Casa dos artistas é Edu K, que além de ter tido Syang no mais recente disco da banda, lançado há poucos dias, ainda produziu o (arquivado) CD de Suzana Alves. Em seu diário, publicado num site na internet, ele comemora. ?Não sei se vocês notaram mas, só vou eu mesmo estar faltando na função, he, he! (sic) Todas as minhas garotas estarão por lá: Syang (nossa eterna segunda dama do rock?n roll, já que e primeira foi a Biba [primeira baterista do Defalla]), Suzana Alves (minha querida amiguinha e garota rocknroll número um do país!), Ellen Rocche (minha musa inspiradora de Ellen Roccke, um dos novos futuros sucessos do Defalla) e Joana Prado (a razão por trás, e por todos os lados, de nossa versão Khaled para a magnífica Feiticeira do mestre supremo Carlos Alexandre, o homem das camisas psicodélicas)!? Pois bem, aí vai a dica: Edu K para a terceira versão de Casa dos artistas. Até lá, é preparar os ouvidos e aturar as cantorias de Lulo, Syang, Mário Velloso, Xis, e, quem sabe, Suzana Alves."