Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Joaquim Ferreira dos Santos

TV ESOTÉRICA

“A pomba-gira azulada da TV”, copyright No Mínino (www.nominimo.com.br), 9/8/02

“A Rede Viva de Televisão está convocando todos os católicos para o movimento ?Brasil Casto?. Não tem nada a ver com as alianças do ACM e Ciro, do Quércia com o Lula. É mesmo de abstinência sexual que se está falando. Uma jovem foi estuprada em Belo Horizonte e a partir daí surgiu a idéia da campanha.

Bush anda gesticulando o mesmo moralismo radical nos Estados Unidos. Sugere-se na propaganda daqui, exibida todo dia ao redor das seis horas, uma juventude menos sexualizada e mais pura, mas sem entrar em detalhes de como não fazer rolar a festa. Nos círculos menos eclesiásticos a coisa já está sendo conhecida como ?empata penta?. Enroladas as faixas pela seleção, chegou a hora de não desenrolar as camisinhas. O programa do Terço Bizantino, do Padre Marcelo Rossi, que por sinal anda com batas cada vez mais fofas e psicodélicas, começa logo em seguida. ?Senhor?, diz o padre pop, ?há desesperados aqui. Salvai-os?.

Na Rede Record o missionário R.R.Soares, de tweed, pergunta se você já sabe onde vai passar não o fim de semana ou o próximo feriadão, mas a eternidade. Na platéia de seu templo-auditório há sempre meia dúzia de pessoas que não têm a mínima noção. Poderia ser apenas a falta de um bom agente de viagem. Mas não. Pior. Soares afirma que elas estão em pecado. Propriedades do diabo. Vão ter que enfrentar um trabalho mais penoso do que o que acomete turistas comuns com a flutuação da taxa do dólar. Para passar a eternidade no paraíso eterno é preciso antes se tornar um ?associado? e passar na agência Bradesco. Ajudaria também que eles repetissem a oração do pastor Glauber: ?Sai preguiça, sai diabo, sai excesso de gordura que está entupindo a veia, eu digo sai inveja, sai macumba, etc etc?.

Seguidos esses rituais, o microfone vai para os fiéis na platéia. Alguns confessam a paz, ali onde segundos antes havia uma dor de dente. Outros, cada vez menos, garantem a salvação, onde ainda pouco estava alojado um caroço maligno.

Há muito tempo não sai um paralítico andando num canal evangélico e isso está para uma procissão eletrônica de milagres como o dente quebrado no galã da novela das oito. Falta alguma coisa. Entre os católicos, o clima também anda apático. A Rede Vida perdeu para os telejornais leigos o furo da aparição de uma Nossa Senhora na janela de um subúrbio, o grande sucesso da Igreja desde o lançamento do último CD do padre Marcelo Rossi.

Os shows do Espírito Santo versus o Diabo nos canais religiosos sempre gostaram de rodar suas câmeras pela platéia, mas esse travelling está cada vez mais complicado. Bocejava-se muito, na pregação que foi ao ar terça-feira à noite, entre os fiéis do missionário Soares. Na missa das seis na Rede Vida, os fiéis têm um olho no padre e outro no monitor para conferir se estão saindo bem na fita.

Da mesma maneira que no debate entre os presidenciáveis o caminhão de regras tornou difícil reconhecer quem era quem, evangélicos e católicos vão reprimindo aquilo que as religiões têm de mais catarticamente descontrolado para chegar ao ponto que interessa. Vencer na vida. Construir novas igrejas. Não é só o Havaí – o paraíso também é por aqui. O missionário Soares desce do púlpito e surge no Shopping do Povo de Deus para, na quarta-feira de manhã, vender uma Biblia on line. Marcelo Rossi no intervalo de suas missas vende revistas. O clima é de contenção. Deus anda muito cool.

A culpa desta vez não é do Diabo, do Demônio, do Belzebu, Capeta ou de como o das Trevas está sendo alcunhado no momento. A culpa é da televisão, essa pomba-gira azulada. Quem viu o debate dos presidenciáveis sabe. Por trás dos bastidores, na campanha real, aqueles senhores estão se dando pernada, chute no saco e dedo no olho. A televisão, no entanto, inventou para eles um mundo irreal, e eleitoralmente interessante, em que todos precisam assumir ares de estadistas civilizados.

?Não lo são?, como diria um Jânio bêbado que incorporasse na Rede Gospel. ?Não lo são?.

Toda as piadas da Praça é Nossa, do SBT, não valem a cena de Ciro Gomes de mãos entrelaçadas como uma menina do Sion em prova oral. Todo o Zorra Total não chega aos pés do Serra esticando o sorriso simpático para o populacho. Tudo mentira. A televisão, com a evolução de seus marqueteiros e técnicos, vai estudando hoje os erros de ontem, e divulgando amanhã os resultados desses acertos de imagem. Resultado: risco zero. Somos todos iguais esta noite, pelo menos quando acende a luzinha vermelha da câmera e o assistente de estúdio grita ?no ar?. O show ficou ao alcance de todos. Por isso tanto bocejo na oração; por isso tanta dificuldade em diferenciar a oposição da situação.

Lula, depois de ser personagem-vítima de um ?case? desses, está pedindo votos eleitorais com lições tiradas de Collor. Marcelo Rossi, depois de ter o rebanho ameaçado, assumiu o jogo de corpo de Edir Macedo e laça votos de f&eacuteacute;. Deus, em sua infinita misericórdia, se pudesse fazer alguma coisa de imediato em terreno tão pagão, devia liberar com prioridade o padre Alberto Gambarini, da Rede Vida, de seguir esses toques dos comunicólogos. Na tentativa de emular um simpático animador de massas o digno senhor está apavorando as beatas vespertinas do canal com a incorporação de um assustador Coringa Jack Nicholson. É uma das vítimas mais visíveis da pomba-gira televisiva. Os 170 milhões de técnicos de futebol derrotados na Copa se convenceram que o Felipão é quem entende do assunto. E transferiram-se todos para a televisão.

Não são só as starlets da Globo, todas iguaizinhas. A esquerda ficou com a cara da direita da mesma forma que os católicos estão parecendo com os evangélicos. Todos vestindo azul, muito bem comportados e dignos, pelo menos diante da luzinha vermelha da câmera. A televisão, que em boa parte do tempo deseduca, educou o país pelo menos para participar de seus programas. Que gente fina, o doutor Garotinho! Que português castiço, o do dr. Ciro! Que serenidade, a do missionário Soares!

O Brasil-Belindia, famoso pelos contrastes regionais, realça agora a sua nova esquizofrenia com a uniformidade elegante dos políticos e religiosos. Nas ruas, continua a nossa velha, miserável incapacidade indiana de obedecer às regras mais elementares de civilização. Mas no estúdio da TV, que beleza!, um sonolento show de rigor belga.”

 

TV DIGITAL

“TV Digital”, copyright Carta Capital, 7/8/02

“A implantação da TV Digital não vai afetar apenas o modelo de negócios das emissoras e o processo de produção dos fabricantes, mas a economia como um todo e, sobretudo, o bolso dos consumidores.

No Brasil, o governo está atualmente analisando os padrões oficiais: ATSC (norte-americano), DVB (europeu), ISDB (japonês) e, eventualmente, um quarto, o chinês, que está chamando a atenção de especialistas em todo o mundo. Considera as possíveis contrapartidas econômicas oferecidas pelos países detentores da especificação que será adotada, já que esse mercado deverá movimentar negócios da ordem de R$ 100 bilhões ao longo de dez anos, conforme cálculos do Ministério das Comunicações.

Além da melhoria da qualidade de imagem e de som e a introdução de um número maior de canais, a interatividade e o fornecimento de novos serviços complementam as mudanças radicais possibilitadas pela TV Digital. Por exemplo, fãs de esportes podem selecionar vários ângulos diferentes de câmera durante jogos de futebol e consumidores podem realizar compras num canal de televendas. Outra novidade é que a tecnologia do novo padrão deve extrapolar o aparelho de tevê e possibilitar a recepção de sinais por sistemas portáteis, como celulares e computadores de mão.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), prudentemente, prorrogou o prazo da escolha para o próximo ano, com o objetivo de ganhar mais tempo na definição das contrapartidas, que vão desde a eliminação de barreiras protecionistas aos produtos brasileiros até a diminuição de royalties pelo uso da tecnologia adotada.

Mas o Brasil tem cacife para fazer esse tipo de barganha? Sim, pois aqui há 54 milhões de televisores, distribuídos em 98% dos lares nacionais. Segundo analistas, se o número total de lares com tevê paga for menor que 50%, o país oferece boas oportunidades de negócios para a introdução de uma TV Digital aberta. No caso do Brasil, essa taxa é de apenas 8%, ao contrário dos EUA, onde 85% dos domicílios recebem sinais por cabo ou satélite.

Fora a Anatel, há quatro ministérios envolvidos na questão das contrapartidas: Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Relações Exteriores e Fazenda. O ministro das Comunicações, Juarez Quadros, com o Itamaraty, está coordenando um grupo de trabalho e já tem uma opinião formada: ?O importante é que os aparelhos sejam produzidos aqui, assim como seus componentes. Não gostaria que o Brasil se tornasse mais uma montadora de televisores?.

O Itamaraty, entretanto, recomenda cautela com os acordos de cooperação que implicam transferência de tecnologia . ?Esse tipo de acordo envolve empresas privadas e não governos. O Bush não pode, por exemplo, obrigar a Zenith, que controla o padrão norte-americano, a fornecer todos os detalhes de suas patentes?, diz um diplomata do grupo que pediu anonimato.

Outros integrantes estão considerando também a hipótese de exigir contrapartidas em setores alheios às telecomunicações, como agricultura e siderurgia. Mas há resistências. ?Acho impossível trocar soja por componentes eletrônicos e chips. O Brasil deve se concentrar na diminuição de royalties, co-participação no desenvolvimento de padrões e fabricação de peças?, opina Benjamim Sicsú, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

As contrapartidas, entretanto, serão inúteis se o critério de escolha não levar em conta o custo para o consumidor. ?Precisamos de um sistema robusto, com aparelhos baratos, práticos e fáceis de sintonizar?, observa Antonio Paoli, diretor de Tecnologia da Rede Bahia, grupo de comunicação de Antônio Carlos Magalhães, que já investiu US$ 3,5 milhões para adequar duas emissoras de Salvador ao novo sistema digital.

Neste sentido, o padrão norte-americano é problemático, pois é o único que requer a introdução de um novo tipo de televisor chamado High Definition Television (HDTV), que custa em média US$ 5 mil, um preço bastante elevado para os padrões brasileiros.

Já os outros padrões exigem um conversor para a recepção de programas digitais nos aparelhos atuais, um dispositivo que custa entre US$ 500 e US$ 1.000. ?Os preços devem diminuir com o ganho de escala. Mas nada deve ser imposto aos consumidores. Sem eles, não há TV Digital?, diz Paulo Saab, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros).

A obsolescência da tecnologia adotada é outra preocupação dos agentes envolvidos. ?O sistema deve ser à prova de futuro?, continua Paoli, referindo-se aos testes de campo e laboratório que detectaram falhas de modulação no padrão norte-americano, isto é, a maneira como os sinais de transmissão são ?empacotados para viagem?.

Neste quesito, o padrão japonês e o europeu passaram nos testes realizados pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) em conjunto com a Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET).

O novo padrão chinês está sendo apenas observado a distância, já que ainda não foi incorporado na lista da União Internacional de Telecomunicações (UIT), organização voltada para a cooperação técnica entre países em desenvolvimento. Mas isso é uma questão de tempo. Em 2001, a agência reguladora de telecomunicações chinesa submeteu a UIT às linhas gerais do DMB, o novo padrão que está sendo desenvolvido pela Universidade de Tsinghua, em Pequim, em conjunto com a empresa norte-americana Legend Silicon.

Independente de ser considerado por muitos analistas uma ?ficção?, os esforços do governo chinês para aperfeiçoar seu padrão continuam a todo vapor. ?Nunca ouvi falar do padrão chinês. Provavelmente eles deverão adotar um dos padrões estrangeiros?, diz o ministro Quadros. ?Creio que o ministro não está a par dos avanços do padrão DMB. Segundo os testes, já superamos o DVB europeu na maioria das categorias, como a recepção em celulares?, responde Lin Yang, presidente da Legend Silicon. ?Nosso padrão tem outras vantagens também, como o baixo consumo de energia dos receptores?, continua.

Se o padrão chinês for implementado com sucesso e for incorporado à UIT no final de 2003, pode ganhar credibilidade e começar a ser considerada pelos governos do mundo. A China tem uma base instalada de 325 milhões de televisores, 60 milhões a mais que todos os países que adotaram o padrão europeu, um mercado mais que atraente para a negociação de contrapartidas.

Apesar de ainda não ter escolhido o padrão, a Anatel já elaborou o roteiro de transição no Brasil, já que as transmissões digitais devem começar pelo menos um ano e meio depois da definição. Inicialmente, será desenvolvido um esquema de simulcast, a transmissão simultânea de programação digital e analógica que deverá durar dez anos, enquanto se aguarda a migração total dos telespectadores.”

“TV digital”, in Painel do Leitor, copyright Folha de S. Paulo, 9/8/02

“?Pela seriedade desse jornal e pelo respeito ao trabalho que sempre desenvolve, a Central Globo de Comunicação, sobre a nota ?Disputa entre emissoras emperra TV digital piloto? (Ilustrada, pág. E4, 22/7), esclarece que não é verdade que ?problemas políticos entre Band, Globo, Record e SBT fizeram com que o projeto de lançar uma estação de TV Digital piloto fosse adiado (…)?. As redes de televisão continuam trabalhando em conjunto para a realização do projeto, que é importantíssimo para todas as emissoras. O plano original era colocar a estação piloto em operação logo após a decisão da Anatel quanto ao sistema a ser adotado -então prevista para o segundo semestre de 2002. Ela serviria como um campo de provas para verificar e prevenir problemas práticos de cobertura e de interferências, bem como para possibilitar o desenvolvimento de produtos profissionais e domésticos -eletrônicos ou de software-, ou mesmo para testar a aceitação pública de diversos tipos de conteúdo. O adiamento do cronograma de decisão pela Anatel freou as providências por parte das emissoras. Quanto aos novos testes, diferentemente do publicado, a TV Globo não teme nenhuma reavaliação. Embora as pesquisas que a TV Globo e o grupo Abert/Set continuam conduzindo sobre o assunto não indiquem a existência de desenvolvimento que tenha modificado substancialmente os resultados comparativos da avaliação anterior, a TV Globo entende que ideal será agilizar a montagem da estação piloto e utilizá-la, inicialmente, para a realização dos novos testes.? Liliana Nakonechnyj, diretora de telecomunicação da Central Globo de Engenharia (Rio de Janeiro, RJ)

Resposta da jornalista Laura Mattos – O plano inicial das emissoras era lançar a estação piloto antes da decisão da Anatel, tanto que divulgaram que usariam os três padrões para evitar problemas políticos. Além do atraso do governo, a polarização política Globo/Record x SBT/Bandeirantes impôs dificuldades ao andamento do projeto da estação piloto.”